Conhecido como “pai da genética”, o biólogo Gregor Mendel publicou há pouco mais de 150 anos como funciona a transmissão de características entre as gerações. Vivendo em um mosteiro no antigo Império Austríaco, parte da atual República Tcheca, ele aprendeu ciências agrárias e técnicas de polinização artificial para fazer o cruzamento de várias espécies de plantas.
Foi a partir daí que demonstrou como a hereditariedade ocorre, ao cruzar mais de 300 mil ervilhas com diferentes tamanhos, cores de flores e rugosidade das sementes. Assim, Mendel criou um sistema para contagem dos híbridos resultantes e formulou leis relativas à herança genética dos caracteres dominantes e recessivos.
As conclusões a que o cientista chegou em 1865 e publicou no ano seguinte permaneciam sem tradução para o português – até agora. A Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia lançou recentemente o livro “Mendel: das leis da hereditariedade à engenharia genética”, editado pelos pesquisadores José Roberto Moreira e Francisco Aragão. Em 502 páginas e 16 capítulos, a versão completa do primeiro artigo escrito, em alemão antigo, pelo fundador da genética é analisada e comentada por 40 especialistas brasileiros.
“É um material inédito, com o que ele conseguiu compreender de seus estudos no século 19. Naquela época, havia muitas ideias bizarras sobre as características humanas. Pensava-se que uma pessoa inteira já estava pronta dentro do espermatozoide e que o homem só liberava esse ser no útero da mulher”, explica Aragão. Ele diz que, depois, vieram as ideias das misturas: se você cruzasse uma planta alta com uma baixa, resultaria em uma intermediária; enquanto uma ovelha branca e uma preta teriam um filhote cinza. “Mas Mendel viu que não é assim que acontece, pois os caracteres se agregam de forma independente. O filho tem genes do pai e da mãe, não uma mistura dos dois”, acrescenta o pesquisador.
Os experimentos de Mendel foram fundamentais para trabalhos posteriores envolvendo drosófilas (moscas-da-fruta) e também para o Projeto Genoma Humano, que levou 13 anos e concluiu, em 2003, o mapeamento dos milhares de genes do homem. “As Leis de Mendel são a base para tudo o que temos hoje na genética e no melhoramento de plantas”, afirma Aragão. Passados dois séculos, os cientistas já conhecem profundamente o DNA de microrganismos, vegetais e animais, e são capazes de transferir, em laboratório, genes entre diferentes espécies, produzindo organismos transgênicos com características de interesse como resistência a doenças e insetos, tolerância a herbicidas e à seca, e maior quantidade de nutrientes.
“O livro da Embrapa aborda temas como melhoramento clássico, genética molecular e não mendeliana, engenharia genética de plantas e animais, genômica, biologia sintética, marcadores moleculares, técnicas modernas de edição gênica, como o CRISPR, produção de grãos no Brasil e uso da biotecnologia em culturas como soja, milho e algodão”, cita Aragão.
Vários desses avanços têm sido usados na agricultura, para safras mais produtivas e sustentáveis, com menos uso de defensivos químicos e maior potencial para enfrentar os desafios alimentares do futuro, sem a necessidade de aumentar as áreas cultivadas. Em 2016, 26 países plantaram 185,1 milhões de hectares com variedades geneticamente modificadas (GM) em todo o mundo, segundo o relatório deste ano do Serviço Internacional para a Aquisição de Aplicações em Agrobiotecnologia (ISAAA). As nações com maior área de transgênicos são Estados Unidos, Brasil, Argentina, Canadá e Índia.
Biologia x matemática
Aragão destaca que Mendel tinha um raro conhecimento de biologia e matemática, algo que os botânicos de seu círculo não dominavam. “Hoje, as duas áreas conversam entre si, e a biologia de plantas recorre muito à matemática e à estatística, mas naquele tempo eram mundos completamente diferentes”, compara. De acordo com o pesquisador, o “pai da genética” tinha um estilo rígido, que não era de fácil leitura, e um profundo rigor científico. Por isso, a Embrapa contou com o aconselhamento de especialistas em genética e na língua alemã, além da análise de versões em inglês. “Quando as técnicas são novidade, como já ocorreu com o bebê de proveta e a clonagem da ovelha Dolly, é normal haver discussões éticas. Mas a genética tem sido usada para o avanço da humanidade”, avalia.
História
Filho de agricultores, Johann Mendel nasceu em 1822, na região da Morávia, onde atualmente fica a República Tcheca. Em 1843, entrou como noviço em um mosteiro agostiniano na cidade de Brno. Ao tornar-se monge, trocou o nome de batismo por Gregor. Entre 1851 e 1853, estudou ciências naturais na Universidade de Viena, na Áustria. O “pai da genética” morreu em 1884 e a importância de seu trabalho só foi reconhecida em 1900. Os pesquisadores Carl Correns, da Alemanha, Erich von Tschermak-Seysenegg, da Áustria, e Hugo de Vries, da Holanda, obtiveram de forma independente resultados semelhantes aos de Mendel e, após revisar a literatura científica, encontraram os relatórios originais dele.
O livro completo com a tradução do trabalho de Gregor Mendel está disponível na livraria da Embrapa.
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