Apesar de rejeitados pelos consumidores, elas mantêm intactas as propriedades nutricionais.| Foto: Creative Commons/Pixabay

O Brasil produz 521,6 mil toneladas de melão por ano, segundo o IBGE. Do total, 224 mil toneladas são exportadas e 103 mil consumidas por aqui. Já deu pra notar que a conta não fecha, né? Na verdade, ela fecha sim (e de um jeito nada bom). Todo o resto da produção – quase 195 mil toneladas, o equivalente a 37% das frutas - vai parar no lixo, e não é por falta de qualidade ou pragas que atingiram as lavouras. O desperdício acontece simplesmente porque esses melões não passaram no “teste de beleza”.

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São manchas na casca, tamanho menor que o habitual ou formato irregular que acabam definindo o destino inglório das frutas. Apesar de rejeitados pelos consumidores, elas mantêm intactas as propriedades nutricionais.

“Nós estamos usando [o termo] ‘perdido’ no sentido literal da palavra. Não sabemos onde estão. Não existem dados oficiais que nos permitam saber o que foi feito”, diz o pesquisador na área de tecnologia pós-colheita Ebenezer de Oliveira Silva, da Embrapa Agroindústria Tropical. No caso do melão, porém, é possível afirmar que a perda ocorre em grande parte na comercialização, a chamada perda cosmética. “Frutos com pequenas deformações e que são jogados fora porque o consumidor não vai comprar aquilo”, explica o cientista.

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E é da Embrapa que veio uma tecnologia que pode salvar as frutas esquecidas nas gôndolas ou que sequer chegam a elas. A ideia é um suco-base de melão, para uso na indústria de bebidas. O produto concentrado não tem gosto nem aroma de melão, podendo ser usado na produção de sucos mistos, néctares e outras bebidas. Hoje, esse papel é essencialmente da maçã, cuja produção é muito mais restrita por se tratar de uma fruta de clima temperado, diferentemente do melão, que é tipicamente tropical.

A tecnologia - que foi elaborada em parceria com a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e o Centro de Cooperação Internacional em Pesquisa Agronômica para o Desenvolvimento (Cirad), da França - já está pronta, falta agora encontrar parceiros dispostos a empregá-la em escala industrial.

Alguns países na Comunidade Europeia concedem incentivos fiscais para produtos sem adição de sacarose. Dependendo do processamento, o suco-base de melão mantém nutrientes como vitaminas e açúcares (glicose, frutose e alguma sacarose) e ácidos naturais presentes na fruta.

O suco concentrado é denso e tem cor de caramelo, e tem que ser diluído na indústria. “Como é concentrado, não haverá o transporte de água, o que reduz custos de logística. Isso favorece também a conservação, porque é possível manter em temperatura ambiente ou no máximo em refrigeração”, afirma o engenheiro de alimentos Raimundo Marcelino da Silva Neto, da Embrapa Agroindústria Tropical (CE).

Sete mil hectares para o lixo

As 195 mil toneladas de melão que são perdidas todos os anos correspondem a uma área de 7 mil hectares. Países em desenvolvimento, como o Brasil e o México, apresentam tanto perdas por falta de infraestrutura, quanto as consideradas perdas cosméticas. “Nossa estrutura de pós-colheita não é suficiente o bastante para suportar as grandes produções de frutas que temos. Associado a isso, há uma classe média desenvolvida muito grande, o que repercute em um alto índice de perda cosmética”, esclarece Ebenezer Silva.

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Uma das estratégias da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO) para redução da fome e garantia da sustentabilidade é minimizar as perdas pós-colheita de frutas e hortaliças. A outra é aproveitar o que seria perdido na indústria, o que vai ao encontro da proposta do suco-base desenvolvido pela Embrapa. “A indústria do melão no Brasil é muito pequena, por isso acreditamos que essa tecnologia poderia dar um ganho tanto para a indústria quanto para os produtores”, diz o pesquisador da Embrapa.

De acordo com ele, é necessário observar também outras possibilidades de industrialização. Já existe em alguns países o aproveitamento do melão para a produção de cremes hidratantes e protetores solares. “Uma alternativa seria descobrir quais são as substâncias ativas no melão e desenvolver insumos para a indústria brasileira de cosméticos”, propõe.