Seu amigo verde e abraçador de árvores vai ter um chilique: não existe mata virgem. Pode ter um pouco, aqui e ali. Mas não é nada significativo.
Os seres humanos estão deflorando essa virgindade faz pelos menos 45 mil anos. E isso é uma boa notícia, pois mostra que esforços modernos de conservação podem aprender com o passado, como mostra o primeiro estudo analisando o impacto global dos seres humanos sobre as florestas tropicais --no Sri Lanka, na Austrália e Nova Guiné, no México e na Amazônia brasileira.
O resultado deixa claro que as florestas tropicais eram ambientes não “naturais” ou “intactos” bem antes da agricultura e da industrialização de hoje. O estudo, publicado na revista “Nature Plants”, mostra que os seres humanos modificaram as ecologias florestais por dezenas de milhares de anos, usando técnicas que incluem a queima controlada, o manejo de espécies de plantas e de animais e o desmatamento seletivo.
Um detalhe interessante é que essa queima controlada criou ambientes abertos que incentivavam a presença de animais e o crescimento de plantas comestíveis.
“O melhor e mais antigo registro disso está nas cavernas de Niah, na ilha de Bornéu. Aqui havia ambientes de floresta quando os humanos chegaram há 45 mil anos, provavelmente incluindo alguns espaços abertos”, disse à Folha o líder da pesquisa, Patrick Roberts, do Max Planck.
“O que é significativo é que, quando o clima mais quente e úmido normalmente levaria à expansão florestal, há uma onda de queimadas que sugere que os humanos forçaram deliberadamente alguns locais a manter esse mosaico ambiental para ter acesso à mesma variedade de plantas e animais”, diz Roberts.
Ou seja, os velhos habitantes humanos da região aprenderam a entender a paisagem, mas também intervieram ativamente para modificá-la. “É difícil dizer com certeza se foi casual ou planejado, mas provavelmente envolveu uma aprendizagem de dinâmicas ambientais locais íntimas, que também vemos na estabilidade das estratégias de caça”, afirma o pesquisador.
Amazônia
O trabalho da equipe envolveu também uma análise do que aconteceu depois na Amazônia. Pesquisadores brasileiros vêm demonstrando como os antigos índios moldaram parte do ambiente, notadamente produzindo terrenos com um solo extremamente fértil, a “terra preta de índio”, e uma versão intermediária, a “terra mulata”. São os solos ditos “antropogênicos” --criados pelo homem.
Para Roberts, os dados da Ásia e Oceania são precisos. “Em termos de solos antropogênicos posteriores, na Amazônia, por exemplo, isso é menos claro. Na verdade, ainda é fortemente debatido se eles foram o resultado do movimento sistemático e das queimadas de manchas florestais à medida que as comunidades se moviam ou se foram criadas intencionalmente para aumentar a fertilidade”, diz o pesquisador do Max Planck.
Ele acha que a principal fonte de fertilidade do solo poderia ser, em muitos casos, o rio Amazonas, deixando sedimentos ao longo do seu curso durante as diferentes estações.
Já o efeito oposto --o desmatamento promover a infertilidade do solo-- poderia também ter acontecido no passado, mas Roberts tem dúvidas.
“O exemplo clássico disso, mencionado por Jared Diamond em seu livro ‘Colapso’, vê os maias causando desmatamento maciço, erosão do solo e construção contínua de edifícios para as elites com a visão de que só os céus poderiam salvá-los. Contudo, mesmo neste caso, isso parece improvável”, relembra Roberts.
Monumentos e obras faraônicas nem sempre existiram em regiões tropicais. Notadamente não foi o caso do Brasil, apesar de haver instituições tradicionais que quase chegaram a ser estados.
Mas em todos esses locais há evidências de “gerenciamento de jardins”, ou de sistemas hídricos, integrando áreas agrícolas e urbanas ao ciclo ambiental natural. Essa “perspectiva de estruturas monumentais” pode impedir o pesquisador de ver o principal, como diz Roberts: “aqueles que realmente usam a terra podem prever e entender as mudanças e tendem a persistir muito mais --ainda há comunidades maias hoje!”, afirma.