Nas últimas semanas, o dólar atingiu os maiores níveis de valorização desde a criação do Plano Real no começo da década de 1990, cenário que, segundo analistas, não deve sofrer grandes mudanças mesmo depois das eleições em outubro. Além da imprevisibilidade do pleito no Brasil, fatores externos como a guerra comercial entre China e Estados Unidos, e a crise financeira na Turquia, que pode contaminar a União Europeia, têm influenciado o comportamento da moeda norte-americana. Para o agronegócio, o dólar valorizado aumenta a competitividade da produção brasileira, mas encarece custos de produção e, dependendo da commodity, pressiona a última ponta da cadeia, isto é, o consumidor.
O Agronegócio Gazeta do Povo conversou com especialistas das principais cadeias produtivas para entender os reflexos do atual momento do câmbio para o setor.
1 – Soja
Em 2018, o principal produto da balança comercial brasileira, a soja, vem batendo recordes de exportação. Até agosto, haviam sido embarcados 64 milhões de toneladas, um aumento de 12,7% em relação ao mesmo período do ano passado. Fechando o ano, o mercado espera um volume de 74 milhões de toneladas exportadas.
De um lado, a guerra comercial entre China e EUA – que levou à taxação do grão norte-americano por parte dos chineses – tem alimentado uma demanda maior por soja brasileira. O gigante asiático comprou do Brasil 51 milhões de toneladas - 6,6 milhões de toneladas a mais do que o registrado no intervalo de janeiro a agosto de 2017 – e pagou US$ 20,3 bilhões. Por tonelada, foram desembolsados US$ 399 - 5,8% a mais do que era pago em 2017.
Além da valorização da soja brasileira, o dólar também tem aquecido os embarques após o pico das exportações em maio. “Esse ano tem sido muito atípico, desde julho os dados estão bem acima da média”, afirma o analista da FC Stone, João Macedo. “Devido ao contexto de guerra comercial, a soja do Brasil vem sendo favorecida, então não é só pelo câmbio. As exportações devem continuar bem. A China deve comprar tudo o que puder da gente”.
No entanto, Tarso Veloso, da AgResource Brasil em Chicago, pondera que o volume exportado foi negociado antecipadamente, quando o dólar ainda não tinha rompido a barreira dos R$ 4. “A gente exportou tudo, mas não foi pelo maior valor possível. O dólar começou a subir há dois meses, quando todo mundo já tinha vendido tudo o que tinha para vender. Hoje em dia, quem está vendendo são alguns sortudos que têm armazenagem, conseguiram guardar e estão pegando um preço excelente pela soja física”, afirma.
Longe dos portos, o produtor pegou a escalada do dólar no momento de planejar a safra. Como de 60% a 80% dos custos de produção são dolarizados, pois defensivos e fertilizantes são trazidos de fora do país, os gastos aumentaram da porteira para dentro, mas isso não deve ser suficiente para desestimular a expansão em área dedicada à soja, avalia o analista da FC Stone, Fábio Rezende. “A desvalorização do real é positiva, porque uma parcela grande [dos custos de produção] é dolarizada, mas não são 100% como a receita do produtor, que é totalmente vinculada ao dólar”, pontua. “Se a gente pega historicamente, a demanda [por insumos] sobe mais, pois geralmente há uma expansão maior de área plantada, com mais incentivos para investir e uma rentabilidade maior.”
2 – Milho
No caso do milho, os analistas frisam que a influência do dólar se dá mais pela concorrência com a soja, já que a rentabilidade obtida com a exportação da oleaginosa é maior. Como os preços domésticos para o cereal estão mais atrativos após as perdas climáticas na safrinha e o tabelamento do frete encareceu a logística, o cereal tem sido “desovado” no mercado interno. “[Para exportar milho], precisamos estar com produção elevada e preço competitivo. O dólar pode ajudar em parte com isso, mas os preços internos devem seguir elevados, pois não temos perspectiva de uma safra de verão muito grande”, explica João Macedo.
3 - Trigo
Já o trigo vai na contramão. O Brasil importa cerca de 7 milhões de toneladas por ano. Ainda que a maior parte do cereal seja trazida da Argentina, com isenções fiscais, o preço continua em dólar. “O consumo está sempre próximo dos 12 milhões de toneladas, o que muda muito é a produção interna. Produzimos entre 4 e 6 milhões de toneladas, o restante temos que importar”, diz Macedo. Para este ano, depois uma colheita desastrosa em 2017, a produção deve se recuperar, mas em menor escala do que esperava o mercado, principalmente no Paraná. “Vamos ter que aguardar e ver como vai vir o trigo do Rio Grande do Sul.”
Perdas climáticas no Leste Europeu elevaram o preço dolarizado do trigo no mercado internacional. E, com o real desvalorizado, já é consenso que o pãozinho vai ficar mais caro.
4 – Carnes
No caso do mercado de proteína animal, as exportações de frango e carne suína vêm se recuperando após os tombos sanitários e comerciais que empacam o setor desde o início do ano passado. O dólar, portanto, tende a amenizar a situação.
No segmento de carne bovina, o câmbio valorizado aumenta a rentabilidade com as exportações em uma ponta, contudo, na outra, o dólar mais caro sobrecarrega o pecuarista. Segundo Paulo Rossi, coordenador do Laboratório de Pesquisas em Bovinocultura da Universidade Federal do Paraná (Lapbov/UFPR), os gastos com minerais e vacinas, em grande parte importados, correspondem a até 35% dos custos de produção. Nas últimas semanas, os insumos já tiveram um aumento na casa de 6%.
A questão, segundo Rossi, é que a exportação responde, em média, por 20% da produção, enquanto que o custo sobe para o rebanho inteiro. “Aparentemente a arroba do boi está acompanhando, chegou a subir 8%, mas já estávamos caminhando para o período de melhor preço, outubro e novembro. Precisamos ver se persiste”, pontua. Como o consumo interno está retraído pela crise econômica, o coordenador do Lapbov não acredita que as exportações tenham reflexo na disponibilidade de carne. Porém, salienta: “o grande ‘x’ é que é o dianteiro que a gente exporta. Você acha que eles compram picanha? Não. É o dianteiro, mais barato, para processar. Então o impacto seria maior para a população de baixa renda. Mas a produção é muito alta, por enquanto é difícil ter impacto nesse sentido”.
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