Thor não é um cão farejador qualquer. Apesar de sua casa ser o Aeroporto Afonso Pena desde março, ele não tem a função de identificar drogas em bagagens, nem em pessoas. Mais do que isso, esse labrador de dois anos tem um desafio: evitar desastres ambientais e agrícolas.
Segundo cão de detecção do Sistema de Vigilância Agropecuária (Vigiagro) do Ministério da Agricultura (Mapa), Thor fareja a entrada de produtos agropecuários que possam ameaçar a produção nacional , como frutas e até mesmo carne, e está em processo final de treinamento para identificar mudas e sementes.
Conheça os riscos de trazer alimentos do exterior para o Brasil
Vídeo: assista à simulação de treinamento com Thor, o cão farejador do Mapa
“Como Curitiba tem apenas um voo internacional, o cão é dedicado principalmente ao correio”, explica Romero Teixeira, diretor do canil de Brasília e primeiro treinador de Thor, que também fareja bagagens da chegada do voo Buenos Aires-Curitiba.
Pelo aeroporto localizado em São José dos Pinhais (Região Metropolitana de Curitiba) passa o correio internacional aéreo brasileiro. “São 2 milhões de remessas por mês. Aqui fazemos a triagem do Brasil todo”, conta o auditor fiscal agropecuário Alfredo Jaensch.
Se por um lado é difícil passar tantas caixas por raio-x e identificação manual, “o cão faz a detecção em três segundos, algo que o ser humano leva um minuto e meio, quase dois”, comenta Teixeira, que uma vez por mês vem a Curitiba ‘visitar o filho’ treinado no Aeroporto de Brasília.
Assertividade do cão farejador
Em Curitiba, o ‘pai’ de Thor é João Beggiora. Ele lista alguns dos produtos que Thor é capaz de identificar: “Hoje ele já cheira cítricos, maçãs, carnes, lácteos, mel e pescados”.
Os auditores do Ministério da Agricultura revelam que há até mesmo remessas de peixes, como bacalhau, enviadas pelo correio. “Podemos treinar o cachorro para qualquer tipo de odor. Se treinarmos para cheirar uma laranja, ele vai pegar qualquer produto cítrico. Com pescados é a mesma coisa”, completa Beggiora.
O treinador de Thor conta orgulhoso que o cão já fez algumas interceptações em bagagens de queijo, salame e frutas cristalizadas e em uma mochila cheia de carne argentina, trazida por um rapaz.
A assertividade dos cães farejadores chega a 93%. “Só não é 100% porque as vezes o cão pode identificar algo que a mala teve algum tipo de contato com um produto. Em Brasília, por exemplo, temos outro labrador, o Leo. Uma vez ele identificou muitas malas e fomos descobrir que o carregador tinha lanchado algo, e o Leo estava cheirando as alças”, lembra Teixeira.
A detecção de agroquímicos, contudo, não é feita por Thor. “Temos um grande problema com defensivos agrícolas, mas esse caso é tratado pela Polícia Federal”, explica Teixeira.
É proibido trazer ao Brasil
Frutas, verduras, leite, queijo, manteiga, iogurte, doce de leite, mel, cera, própolis, carnes, moluscos, ração, ovos, agroquímicos, produtos veterinários, mudas, sementes, hortaliças, madeira, terra e refeição de bordo. Cientistas e pesquisadores também precisam de autorização expressa para trazer itens de análise, como sêmen, embriões, insetos, bactérias e fungos.
Qual é o risco?
Se parece exagero a apreensão de alimentos, é porque a maioria das pessoas não sabe o risco que uma simples maçã pode representar.
“Se uma fruta com uma praga entra no país e ela for descartada ou exposta no lugar errado, pode chegar aos pomares e contaminar o país com uma doença que ainda não existe na agricultura brasileira”, explica o chefe de divisão do Ministério da Agricultura no Aeroporto Afonso Pena, Hugo Caruso. Ele lembra que isso impactaria e ameaçaria um mercado que gera empregos a 200 mil pessoas.
O auditor fiscal agropecuário Cleverson Freitas completa: “Imagine que um frango, abatido ou não, entre no país com influenza (gripe) aviária. O Brasil perderia o posto de área livre da doença e deixaria de exportar uma quantidade imensa. O efeito econômico e sociopolítico é gigantesco”, relata. O mel é outra ameaça, pois pode trazer doenças às abelhas brasileiras e prejudicar a meliponicultura nacional.
Bicudo do algodoeiro e meta de ampliação
Alfredo Jaensch e Hugo Caruso lembram de um caso da década de 80. As plantações de algodão do Brasil foram dizimadas por conta da chegada de um besouro. “Fazendo o rastreamento chegou-se ao local de entrada, o aeroporto de Viracopos, em Campinas”, diz Hugo. “Um cão de detecção poderia ter evitado isso“, emenda Jaensch.
É para evitar casos assim que o Ministério da Agricultura planeja treinar mais cães em áreas estratégicas, como fronteiras, portos e aeroportos do Brasil. Romero Teixeira estima que 57 cães seriam suficientes.
A quantidade de ‘cães heróis’ da agropecuária é bem menor que outros países de referência nesse tipo de treinamento, como os Estados Unidos, que tem 750 cães, e o Chile, com 40 cachorros. Por enquanto, o Brasil conta com Thor, Leo e a cadela Neca, uma pastora alemã que passou recentemente a ser treinada pelo sistema do Vigiagro, no Aeroporto de Brasília, e que pode ser transferida a São Paulo ou ao Rio de Janeiro. A previsão é treinar, pelo menos, dois novos cães por ano.
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