Hambúrguer da Impossible Foods, produzido a partir de plantas. Ele tem cor, aspecto e até “sangra” na hora de fritar.| Foto: Impossible Foods/Divulgação

Uma mudança está em curso no comportamento alimentar de muita gente ao redor do mundo. Aos poucos, a carne e derivados de origem animal estão dando lugar a produtos feitos com base em proteína vegetal e outros recursos em substituição aos alimentos feitos a partir do abate de animais.

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A questão foi um dos dilemas da indústria alimentícia destacados durante a terceira edição da Feira Internacional de Fornecedores para as Indústrias de Carnes e Proteína Animal, que começou na terça-feira (7) e vai até quinta-feira (9) no Expotrade, em Pinhais (PR). Além de reunir expositores de maquinários e outras soluções para a cadeia produtiva do setor, o evento conta com aulas-show sobre o corte de carnes e diversos painéis para discutir os desafios desse mercado no Brasil e no mundo.

Imaginando que em 2050 passaremos dos atuais 7,2 bilhões para 9,5 bilhões de habitantes no planeta, a demanda por novas soluções e tecnologias em alimentos deverá ser crescente para a produção agropecuária e indústria de comida em geral.

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Além disso, mudanças já em curso no hábito de consumo da população, sobretudo nos países mais desenvolvidos, com mercados mais abertos a novos produtos de valor agregado, têm virado terreno fértil para tecnologias inusitadas de produção de alimentos tradicionais, como carne de gado, frango, peixe, leite e ovos, que envolvem técnicas de fabricação baseadas em plantas, atividade microbiana e agricultura celular.

A mudança dos hábitos alimentares passa por questões que vão desde a melhora da qualidade de vida à preservação dos recursos naturais – uma ideia abraçada por governos, ONGs, mídia e até empresas do próprio setor alimentício, que descobriram nesse filão um novo mercado em potencial. Além disso, o crescimento do movimento vegano e a proliferação de campanhas publicitárias contra o sofrimento animal e a degradação do meio ambiente têm transformado a opinião pública.

Críticas infundadas

“O boi está na berlinda”, resume Raul Amaral, da Plataforma de Inovação Tecnológica do ITAL. A proteína animal, especialmente a do boi, é alvo de críticas infundadas, segundo ele, criando mitos em torno do assunto. Esses mitos, por sua vez, acabam influenciando o comportamento do consumidor.

“Países desenvolvidos certamente terão cada vez mais barreiras contra produtos que não são certificados e que tenham preocupação com questões ambientais, de saúde e de bem-estar animal. Nos países mais pobres, ainda há uma necessidade básica de comer primeiro, para depois se preocupar com o que se está comendo”, explica.

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O consumo mundial de carne vem apresentado uma tendência de queda nos países ricos. Uma pesquisa da consultoria Nielsen apurou que 60% dos norte-americanos estão reduzindo o consumo de carne. Por outro lado, as vendas de carnes baseadas em plantas (plant-basead) cresceram 20% em 2018 em comparação com o ano passado.

Outro impacto transformador vem das multinacionais do setor alimentício que assinaram acordos que levam em conta métodos de preservação do bem-estar animal em suas cadeias produtivas, como o cage-free (livre de gaiolas), usado por muitos produtores de frango.

Além disso, conceitos de segurança alimentar e qualidade nutricional dos produtos vêm ganhando cada vez mais peso, o que levou muitas companhias a reduzirem o teor de sódio e outros aditivos químicos nos alimentos. Mesmo assim, há cada vez mais mercado para alternativas que dispensem a proteína animal, mas não a experiência de consumir um alimento com as mesmas características.

Nesse filão, estão surgindo empresas com produtos baseados em plantas (plant-based) que desenvolvem formas inusitadas para substituir a proteína animal, como a Beyond Meat (“além da carne”, numa tradução livre) e a Memphis Meat, que trabalham com o conceito de “carne limpa” e cujo carro-chefe é o hambúrguer feito à base de ervilha.

A Impossible Foods, por sua vez, conseguiu fazer um hambúrguer que tem aspecto, cor, “sangue” e que frita como um hambúrguer comum, mas sua composição é totalmente baseada em plantas. Já a Just, que pega carona no movimento vegano, fabrica uma mistura para fazer omeletes que não leva ovo.

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Agricultura celular

Como se não bastassem essas soluções, a chamada agricultura celular promete levar a produção de comida a outros níveis. Que tal experimentar, por exemplo, claras de ovos produzidas com fermentação microbiana? Ou então hambúrgueres originados a partir de céculas-tronco de bovinos, que depois são cultivadas em laboratório até virarem pedaços de carne com o uso de biorreatores? Parece coisa de ficção científica, mas esses produtos devem estar no mercado daqui a dois ou três anos.

Outra alternativa considerada viável economicamente, e que já está sendo produzida, é a da proteína de inseto, que conta inclusive com a chancela da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) com uma maneira de mitigar a fome no mundo.

Segundo Amaral, são alternativas que hoje não são viáveis comercialmente, mas se forem colocadas numa perspectiva dos próximos dez ou vinte anos é algo com que o setor de proteína tradicional precisa se preocupar. Essa nova indústria deve inclusive mudar o perfil dos profissionais no futuro. “Teremos um perfil que não terá nada a ver com o perfil dos profissionais que estamos acostumados hoje no setor, serão bioengenheiros, pessoas que dominam a linguagem do DNA”, afirma.

Preparado da Just para fazer omeletes e ovos mexidos. Detalhe: o alimento não tem ovos.  
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Brasil

Em 2014, o Guia Alimentar para a População Brasileira, lançado pelo Ministério da Saúde, já recomendava a redução no consumo de carnes vermelhas, seguindo a tendência mundial. Apesar disso, o consumo interno de carnes do país cresceu em 2017, na comparação com o ano anterior – 3,4% (boi), 1,8% (frango) e 1,7% (suíno).

A produção de carnes no país, por sua vez, mantém um crescimento histórico, sobretudo por causa das exportações. Entre 1990 e 2016, o a produção de carne bovina aumentou 85%; a de suínos cresceu 253%; e de frango, 477%.

Em 2017, ante o ano anterior, o Brasil produziu 21,6% mais carne de boi, totalizando 9,7 milhões de toneladas; o crescimento das exportações foi de 12% no período. Já a produção de carne de frango foi de 13 milhões de toneladas (crescimento modesto, de 1,2%) e as exportações aumentaram em 5,2%. A produção de carne suína subiu apenas 0,5% (3,7 milhões de toneladas), com exortações crescendo 8,8%. Segundo os especialistas, as exportações vêm perdendo terreno para os produtos de outros países.

“A indústria da carne é a maior geradora de empregos na indústria brasileira, é o grande negócio do Brasil. Por isso, é preciso tomar cuidado, porque o mundo está de olho, e dizendo: ‘nós vamos tirar de vocês esse grande negócio’”, diz Luis Madi, diretor geral do Instituto de Tecnologia de Alimentos (ITAL). Segundo ele, o país já se organizou anteriormente e conseguiu tirar a vantagem de outros países no mercado de carne, e mais recentemente, está perdendo o fôlego. Portanto, é necessário, segundo ele, que o setor se reorganize para fazer frente aos novos desafios.

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Entre esses desafios que os especialistas do setor apontam para que a produção brasileira não perca terreno no mercado mundial está o de incrementar a criação dos rebanhos, melhorando a alimentação animal, o controle de doenças e reduzindo as perdas. Além disso, é preciso melhorar a eficiência, usando menos energia, água e terra para reduzir a pegada de carbono. Estudar proteínas alternativas também é uma forma de estar preparado para as mudanças futuras.

Por outro lado, segundo a indústria do setor, é preciso melhorar a qualidade da informação que chega ao consumidor, desde as embalagens dos produtos até a publicidade sobre a qualidade e os benefícios nutricionais dos alimentos.

Os produtores e a indústria da proteína animal também reivindicam melhores políticas públicas para o setor, com fomento para a cadeia produtiva e uma legislação mais adequada e ágil, que possibilite dar segurança jurídica a todos.