Nas encostas da paisagem acidentada da região centro-oriental do Paraná, as oliveiras cultivadas em linha forçam desenhos geométricos num mosaico irregular de pomares, campos de soja e maciços de floresta plantada.
Comuns na paisagem mediterrânea, as pequenas árvores com folículos verde-acinzentados se adaptaram muito bem ao clima, solo e topografia da região. “A noite aqui é fresca. E as oliveiras precisam de 200 a 300 horas de frio por ano, abaixo de 12 graus, para produzir bem”, revela Idálio Cruz Inácio, o fazendeiro português dono do primeiro e maior olival do Paraná, que já conta com 30 mil pés a caminho da produção plena.
“Em Portugal, escolhia-se o pior lugar possível para plantar as oliveiras. Aqui no Brasil, entendi que é preciso cuidar, que a árvore não gosta de muita água e que responde bem à aplicação de calcário e fertilizantes”, afirma o irrequieto lusitano, nascido há 84 anos no vilarejo de Poltena, conselho de Anadia, próximo de Coimbra.
Idálio Cruz Inácio faz história. Dificilmente alguém contesta que ele seja o primeiro a produzir azeite de oliva extra virgem 100% paranaense. “Um dia estava a pensar. Se a oliveira vai bem na divisa de Minas Gerais e São Paulo, se vai bem em Santa Catarina e no Rio Grande do Sul, por que não iria bem no Paraná, que fica no meio disso tudo?”. Dos 86 hectares cultivados com oliveiras hoje no Paraná, 53 estão na Fazenda Reunidas Luso, uma megapropriedade (para os padrões paranaenses) de 3.300 hectares no município de Ventania.
A primeira experiência, há 30 anos, foi um fracasso. Seu Idálio plantou 40 mudas, algumas “contrabandeadas” de Portugal, que não chegaram a produzir mais do que 200 gramas de azeitonas cada, quando o esperado seria uma safra de pelo menos 20 kg por árvore.
A segunda empreitada iniciou há 12 anos. “Deu cócegas de novo e comecei a plantar. Mas desta vez fiz um campo de experimentos, com 15 variedades de azeitonas, da Grécia, Portugal, Espanha, Estados Unidos e África”, conta. Funcionou. Idálio descobriu que as variedades Koroneiki (grega) e Arbequina (espanhola) são as que vão bem na região, com produções fartas e regulares de azeitonas, e sem morte súbita por problemas com clima ou solo. Curiosamente, os experimentos da Emater e da Embrapa com variedades de azeitona no estado - que começaram bem depois, em 2001 - vêm chegando à mesma conclusão, segundo Cirino Correia Júnior, coordenador de plantas potenciais da Emater. “Hoje dá para dizer que as variedades Koroneiki, Arbequina, Frontoio, Mansanilla e Arbosana foram as que melhor se adaptaram. Mas, para mim, a Arbequina e a Koroneiki ainda são as melhores”, diz Cirino.
Na atual safra, que acaba de ser colhida, a Fazenda Luso vai produzir e envasar 3 mil litros de azeite de oliva. O negócio ainda não dá lucro. “É um problema de cultura do brasileiro. Se ele não entender o que é um azeite extra virgem, sempre vai comprar o mais barato”, lamenta-se o português.
No final do ano passado, o Ministério da Agricultura desnudou o grau de falsificação de azeite de oliva no Brasil, retirando do mercado 800 mil litros de azeite impróprio para o consumo, envolvendo 64 marcas e 84 empresas que apresentaram indícios de fraude. Segundo a fiscalização, praticamente 100% das marcas importadas e envasilhadas no Brasil apresentaram problemas, enquanto as marcas envasilhadas no país de origem apresentaram mínimos índices de inconformidade.
Melhor do mundo
“Ir atrás de marcas extravagantes, envasadas de qualquer jeito e por quem não é produtor, é correr um grande risco. Por isso que eu digo, sem dúvida nenhuma, que o azeite que produzimos no Paraná pode ser considerado o melhor do mundo, por que é puro e fresco, envasado em até 12 horas depois da colheita”, orgulha-se Idálio.
Qual seria então o preço justo por uma garrafa de meio litro de azeite de oliva extravirgem? O português faz as contas: “Num litro de azeite vai mais ou menos 10 kg de azeitona. O custo para colher a azeitona fica em mais de 1 real por quilo. Tem ainda o preço da garrafa vazia, do rótulo, da tampa, da caixa e dos impostos, que são um absurdo. O consumidor tem que perguntar por que uma empresa venderia azeite supostamente extra virgem por 20 reais e outro, da mesma marca, por 65 reais? Então, por menos de 40 reais não é possível vender azeite puro”. O valor calculado por seu Idálio não foge do mercado. É bem mais barato, por exemplo, do que uma garrafa de apenas 250 ml de azeite da Serra da Mantiqueira, que custa quase R$ 50,00.
O azeite 100% paranaense da marca “Duidálio” ainda não estreou nas grandes redes de supermercados. Por enquanto, a venda é feita diretamente para amigos e gente que busca qualidade. O lusitano investiu mais de um milhão de reais no lagar da propriedade. Em quatro anos, o olival estará produzindo o suficiente para render 40 mil litros de azeite extravirgem a cada safra. Será quase 70% de toda a produção brasileira em 2017 (estimada em 60 mil litros).
Rodolfo Inácio, neto escolhido por seu Idálio para tocar adiante o negócio, antevê o tamanho do desafio, na medida em que a maioria do olival vai entrando em produção. “Produzir é até fácil, perto da dificuldade de entrar no mercado. Mas temos um diferencial, que eu sempre digo: aqui é Paraná!”, brinca Rodolfo, referindo-se à tradição agrícola do estado.
A produção brasileira de azeite de oliva ainda engatinha. A Associação Nacional dos Produtores, Importadores e Comerciantes de Azeite de Oliva calcula que menos de 1% dos 80 milhões de litros que os brasileiros consomem anualmente é produzido aqui. “É difícil encontrar azeites nacionais. Em São Paulo é dificílimo”, diz Rita Bassi, presidente da associação.
Por enquanto, o escoamento da produção nacional acontece por empórios e lojas de fábrica e apenas ‘belisca’ um mercado que movimenta quase R$ 1 bilhão por ano no País. De olho numa pequena fração desse negócio, outro produtor paranaense, Jonathan Harder, de 27 anos, da colônia Witmarsum, também investe nas oliveiras.
O olival de apenas 3,5 hectares no município de Palmeira ainda é novo, começou em 2013, mas já produz as primeiras azeitonas, prensadas artesanalmente para retirar o produto extra-virgem. “Fiz uma pesquisa para aumentar a renda através da diversificação. Estudei a opção de uva, laranja e maçã, mas decidi pela azeitona após fazer contato com produtores no Rio Grande do Sul”, diz Harder.
“O que falta é os produtores se conversarem mais. Cada um faz um trabalho diferente, em relação à poda das árvores, tipo de solo, clima e variedades. No Rio Grande do Sul e em Minas Gerais os produtores são melhor organizados”, avalia o jovem agricultor.
Não seja por isso. A reportagem passou para o ‘alemão’ Harder os contatos do ‘português’ Idálio, que, por sua vez, já havia afirmado que serão bem-vindos todos os que tenham interesse nas oliveiras. Quem sabe essas conversas podem render frutos e acelerar a produção de azeite de oliva extra-virgem no Paraná. “Não entrei nesse negócio por vaidade”, diz Idálio. “Para mim é um prazer mexer com as azeitonas, por que eu volto à minha infância, quando ajudava meu avô. Eu olho para as oliveiras e me lembro de Portugal”.
Quem disse que a saudade de águas passadas não move moinhos?
P.S: para adquirir uma garrafa do primeiro azeite de oliva extra-virgem 100% paranaense, o contato é pelo telefone 43-3531-2200.