Segundo a Assoolive, a produção na Mantiqueira caiu de 25 mil litros de azeite em 2015 para 7 mil em 2016.| Foto: Visual Hunt/Reprodução

As constantes chuvas nos contrafortes da Mantiqueira fizeram as azeitonas amadurecerem mais cedo e a colheita foi antecipada. Há mais de uma semana vários produtores começaram a tirar o fruto do pé em cidades na divisa entre São Paulo e Minas Gerais, e a vantagem é do consumidor: algumas marcas decidiram envasar azeite sem filtragem, que já podem ser comprados.

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Esse tipo de azeite, chamado de novello na Itália, é um líquido que, sem decantação ou filtragem, ainda guarda resíduos da massa da azeitona, o que diminui sua vida útil. Possui validade de até quatro meses, mas o frescor e a intensidade de sabores e aromas das azeitonas mais verdinhas valem a compra.

Conheça a colheita da azeitona na Mantiqueira

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Na Mantiqueira, as marcas Oliq (SP) e Maria da Fé (MG) estão lançando neste ano os seus rótulos sem filtragem, com edição limitada: o Novíssimo (da Oliq) e o Nuovo (Maria da Fé) podem ser comprados com os produtores ou na Rua do Alecrim, loja de São Paulo que neste sábado realiza uma degustação gratuita em primeira mão desta safra na capital.

Outra marca que apostou nesse tipo de azeite no ano passado e vai repetir a empreitada é a gaúcha Ouro de Sant’Ana, cujo Novello pode ser reservado para a primeira semana de março, já que a colheita no Sul (outra região produtora) começa no fim de fevereiro.

Filtrado ou não, o fato é que, quanto mais fresco um azeite, melhor. Mesmo que você não compre essas primeiras extrações da azeitona, dentro de dois meses os azeites decantados já estarão nas prateleiras, tendo a vantagem do curto espaço entre a produção e a comercialização. Como a safra dos europeus é no fim do ano - e eles atravessam o Atlântico para chegar à nossa mesa -, nunca estarão tão frescos quanto o produto nacional.

Por aqui, há relatos de que mudas de oliveira tenham chegado na década de 1940, em Maria da Fé (MG), local onde só em 2008 a Epamig (empresa agropecuária de Minas) extraiu o primeiro azeite nacional do século 21. Assim, a produção brasileira ainda está engatinhando aos olhos do mundo: a maioria das oliveiras são jovens, não chegaram ao ápice de produtividade, o que ocorre a partir do sexto ano, e os olivicultores ainda estão aprendendo a lidar com o negócio e o clima.

 
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Mas a safra deste ano é promissora e anima quem está no ramo, principalmente no Sudeste. É que por aqui fatores climáticos destruíram a safra do ano passado e a expectativa para agora ficou em cinco vezes o tamanho da produção de 2016.

“Ainda é difícil dizer o que aconteceu em 2016, mas uma das causas é que não tivemos horas suficientes de frio para a florada. Mas há variáveis que a gente ainda não domina”, afirma o olivicultor Carlos Diniz, presidente da Assoolive (Associação dos Olivicultores dos Contrafortes da Mantiqueira).

Segundo a Assoolive, a produção na Mantiqueira caiu de 25 mil litros de azeite em 2015 para 7 mil em 2016. Neste ano, a estimativa são mais de cinco vezes esse volume: 40 mil litros. No Sul, onde o clima é mais propício para o cultivo (mais frio e menos chuvoso), as últimas safras evoluíram gradativamente, apesar de relatos de problemas com granizo. Alguns produtores estimam dobrar a produção, como a gaúcha Ouro de Sant’Ana, que deve pular dos 3.000 litros de 2016 para estimados 7.000 litros neste ano.

Se não houver grandes estragos provocados pelo clima, a produção deve continuar crescendo, até se saber a real produtividade das oliveiras em cada região. Ainda que com a quebra de safra de 2016, as boas perspectivas do setor têm atraído gente nova ano após ano. Desta vez, a conceituada vinícola Guaspari, que colhe azeitonas em caráter experimental desde 2010, promete lançar até maio o seu azeite da Mantiqueira.

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Conheça a colheita da azeitona na Mantiqueira

São 7h da manhã, a neblina ainda recobre grande parte das montanhas em São Bento do Sapucaí (SP), e catadores ganham cestos para iniciar a colheita na fazenda da Oliq, marca de azeites da Serra da Mantiqueira que está em sua terceira safra. Os catadores levam o dia enchendo com as mãos os cestos e os levando ao lagar - nome que se dá ao lugar onde os frutos processados dão origem ao azeite.

Quanto mais rapidamente ele for extraído, melhor, para evitar a oxidação da azeitona e garantir a qualidade do líquido. Ao sair do maquinário, ele é verde, ainda com concentração de massa orgânica, mas ganha tons dourados com o tempo.

Paladar acompanhou o processo na semana passada, colhendo azeitonas com as mãos sem luvas, já que os galhos da oliveira não machucam, e provando a primeira extração das azeitonas verdinhas direto da torneira. “Quanto mais verde a azeitona, menor o rendimento e mais caro o azeite, mas melhor ele é”, diz Vera Masagão, sócia da Oliq ao lado de Antônio Batista e Cristina Vicentin.

Na Europa, a indústria geralmente colhe a azeitona bem madura, para o rendimento ser maior, resultando no azeite de sabor adocicado que estabeleceu um padrão de gosto ordinário no Brasil e em outros países.

Além da Oliq, fazendas como a Maria da Fé, que fica na cidade mineira de mesmo nome, também possui lagar próprio, italiano, que processa 200 kg/hora. Predominam azeitonas da variedade italiana grappolo (70% dos cerca de 50 mil pés) - já entre os 10 mil pés da Oliq a maioria é da espanhola arbequina.

Mas tanto na Maria da Fé quanto na Oliq, para fazer o azeite do tipo novello é usada a arbequina. Por ser uma azeitona mais frutada e suave, pode ter seus aromas e sabores potencializados nessa primeira extração, o que não combina com azeitonas que já são naturalmente mais amargas e picantes.

A arbequina é também maioria nas plantações dos quase 80 olivicultores que se espalham pela Mantiqueira e chegam à Bocaina, região de clima montanhoso que já ganhou apelido: Toscana brasileira. Por ali, são 13 lagares em operação, que processam de 100 kg/hora a 1.000 kg/hora e aliam a produção ao turismo, com visitação aberta.

“Está cedo para vermos o que vai acontecer. Pode ser que um dia a gente tenha cooperativa para processar pequenas produções, como no café. Mas primeiro precisamos cuidar do ator principal, a azeitona, né?”, diz Carlos Diniz, da Assoolive (Associação dos Olivicultores dos Contrafortes da Mantiqueira).

Para o degustador profissional Paulo Freitas, o modelo de cooperativa pode ajudar a baratear os custos de produção e o valor do azeite. “Ainda está muito caro, até porque as oliveiras não atingiram seu ápice. Daqui a alguns anos, é normal que o preço fique na faixa de R$ 40 a garrafa de 500 ml, não a de 250 ml. Pensar hoje em pagar R$ 80 por 500 ml no Brasil é bater de frente com os azeites mais conceituados do mundo.”

A maior qualidade do azeite brasileiro é seu frescor, defendem especialistas. Com o intervalo curto entre produção e comercialização, os consumidores podem ter um produto mais jovem do que muitos dos seus pares. Mas já dá para falar em terroir e notas sensoriais que caracterizam o País ou as regiões produtoras?

Ainda é cedo, já que há poucas safras avaliadas, mas o tema está sendo estudado por Marcelo Scofano, degustador profissional que vem provando azeite nacional desde 2009. Ele estuda a variedade arbequina, a mais plantada no País, comparando azeites feitos na Mantiqueira, no Sul e no seu berço histórico, a Espanha. Segundo ele, a arbequina da Mantiqueira resulta num azeite mais frutado maduro, enquanto a do Sul traz notas um pouco mais herbáceas. “Mas o Brasil dificilmente fará azeite de herbáceo intenso, por conta do alto índice pluviométrico. No Sul, com menos chuva e mais frio, ele é um pouco mais herbáceo.”

Outras azeitonas vão dar azeites mais intensos, com mais amargor e picância (duas qualidades que devem constar de qualquer azeite extravirgem, em maior ou menor grau), o que pode orientar seu uso na cozinha. “A arbequina dá um azeite mais suave e aromático, adequado para saladas. Já koroneiki e picual, que trazem mais amargor e picância, vão bem com pratos mais elaborados e condimentados, como bacalhau e pizza de calabresa”, diz Paulo Freitas.

O primeiro concurso nacional

O Ministério da Agricultura está à frente do primeiro concurso de azeites nacionais, criado para fomentar o setor e que deve ocorrer em junho em Bagé (RS). O edital pode sair nos próximos dias, mas os organizadores no Sul ainda esperam a liberação dos R$ 100 mil pedidos para que as inscrições sejam abertas. O dinheiro inclui o deslocamento dos degustadores, já que estão na lista três estrangeiros (portugueses e espanhol) e oito brasileiros, incluindo os degustadores profissionais Marcelo Scofano, do Rio de Janeiro, e Paulo Freitas, de São Paulo.