A queima de matéria vegetal derivada desse processo é capaz de lançar na atmosfera cerca de 1 bilhão de toneladas de CO2 (gás carbônico ou dióxido de carbono) num único ano .| Foto: AR/ms/AIZAR RALDES

Reduzir o desmatamento na Amazônia foi a grande contribuição do Brasil para o combate às mudanças climáticas nas últimas décadas, mas esse esforço corre o risco de ser devorado pelo fogo, afirma um novo estudo.

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Ondas de tempo seco na região da floresta, somadas a uma vulnerabilidade maior da mata a incêndios criada pelos desmates do passado, entre outros fatores, andam produzindo fogaréus que têm efeito quase tão nocivo para o clima quanto as derrubadas propriamente ditas.

Luiz Aragão e seus colegas do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) apresentam a conta do problema em artigo que acaba de sair na revista científica de acesso livre “Nature Communications”. A seca que imperou em 2015, por exemplo, levou a um aumento de 36% da incidência de incêndios na Amazônia em relação à média dos 12 anos anteriores, calculam eles.

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A queima de matéria vegetal derivada desse processo é capaz de lançar na atmosfera cerca de 1 bilhão de toneladas de CO2 (gás carbônico ou dióxido de carbono) num único ano mais da metade do que é produzido pelo desmatamento propriamente dito na Amazônia. Emissões descontroladas de dióxido de carbono, um dos principais gases que retêm o calor vindo do Sol perto da superfície da Terra, estão na raiz das alterações climáticas causadas pelos seres humanos.

Para chegar a essas conclusões, os pesquisadores do Inpe analisaram dados de satélite que medem variáveis como chuva e focos de incêndio, bem como variações na temperatura da superfície dos oceanos (essas últimas flutuações influenciam quanta umidade vem do mar para o continente e, portanto, parte da chuva que cai ou deixa de cair sobre a Amazônia).

Não por acaso, esse conjunto de dados foi influenciado pelo fato de que o território amazônico passou por três grandes secas ao longo de uma década e meia, nos anos de 2005, 2010 e 2015 a última foi a pior, afetando uma área de quase 2 milhões de quilômetros quadrados, ou 43% da Amazônia brasileira. Em 2015, além disso, a área afetada pela secura não ficou restrita ao chamado arco do desmatamento, onde a pressão da fronteira agrícola sobre a floresta é mais intensa e mais antiga.

TEMPESTADE PERFEITA

Em parte, esse resultado tem sido temido e esperado pelos especialistas faz algum tempo, como explicam Aragão e companhia em seu estudo. Os modelos computacionais que buscam prever como ficará o clima do planeta conforme as concentrações de CO2 aumentam na atmosfera e a temperatura média fica mais quente já previam que a estação seca na Amazônia ganharia força ao longo do século 21. Além disso, os chamados eventos climáticos extremos o que inclui estiagens severas também devem se tornar mais comuns ao longo das próximas décadas.

Com grandes secas mais frequentes, desencadeia-se uma espécie de efeito-dominó climático. A relativa falta dágua leva, em primeiro lugar, a mais árvores morrendo e/ou perdendo as folhas, o que significa um acúmulo de matéria vegetal inflamável na mata. Além disso, as árvores que morreram correspondem a uma brecha na armadura da floresta: a luz do Sol penetra com mais facilidade, esquentando e ressecando ainda mais o ambiente. O resultado é uma mata que, na média, está muito mais vulnerável à ação do fogo.

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A outra metade da equação está relacionada não com as mudanças climáticas globais, mas com o estado local da vegetação amazônica. Embora as ações governamentais durante os governos Lula e (em menor grau) Dilma tenham tido sucesso em reduzir em quase 70% a média anual do desmatamento das décadas de 1980 e 1990, muitas áreas da Amazônia agora estão significativamente fragmentadas, ou seja, abrigam trechos descontínuos de mata, cercados por pastagens, plantações ou capoeiras (áreas abandonadas nas quais a floresta está se regenerando).

Nessas vastas áreas fragmentadas, o processo que está acontecendo com a mata como um todo é ainda mais intenso: há maior exposição à luz solar, mais vegetação inflamável e, portanto, maior risco de incêndios. Incêndios que, aliás, chegam a esses fragmentos com facilidade intensificada porque o fogo é usado por produtores rurais para limpar pastagens ou capoeiras.

O resultado de todos esses processos, alertam os pesquisadores, é que o fogo na Amazônia pode estar deixando de ser resultado do desmatamento. Ou seja, em vez da queima de uma área de floresta primária (grosso modo, “virgem”) com o objetivo de abrir aquele trecho para a exploração comercial, têm ficado muito mais comuns os incêndios de grande escala que são, se não acidentais, o subproduto de outros processos. Antes de 2004, quando o plano federal de controle do desmatamento da Amazônia foi implementado, 84% dos incêndios na região eram resultado direto do desmate; de 2004 a 2015, esse número caiu para 47%.

Se essa tendência se mantiver, implementar estratégias mais inteligentes de controle do fogo na região vai ser essencial tanto para proteger a biodiversidade amazônica quanto para reduzir as emissões de CO2 brasileiras, algo que faz parte dos compromissos internacionais do país no chamado acordo de Paris contra as mudanças climáticas.

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