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GUERRA COMERCIAL

Boicotados pela China, americanos se recusam a vender soja da nova safra

Algumas regiões americanas dobrarm a utilização de silo-bags para guardar a nova safra de grãos | Daniel Acker/Bloomberg
Algumas regiões americanas dobrarm a utilização de silo-bags para guardar a nova safra de grãos (Foto: Daniel Acker/Bloomberg)

Apanhados no meio da guerra comercial entre os EUA e a China, os produtores de soja americanos estão fazendo uma grande aposta. Em vez de vender parte da colheita imediatamente após retirar os grãos do campo – como quase sempre fazem, para pagar as contas - , desta vez eles estão guardando a soja em silos, armazéns, bolsas de plástico e tudo o que puderem conseguir para manter os grãos seguros e secos.

A esperança é que, nos próximos meses, as tensões comerciais se aliviem e a China, o principal mercado para a oleaginosa, comece a comprar novamente dos agricultores americanos, elevando os preços atualmente deprimidos. Um bushel de soja foi vendido por apenas US $ 8,87 na última sexta-feira. Oito meses atrás, antes de as tensões comerciais resultarem em sobretaxas, a cotação era US $ 2 mais elevada.

Os riscos são enormes. Embora o mercado de futuros indique preços mais altos para o ano que vem, isso pode mudar dependendo das negociações comerciais e do aumento da oferta. Além disso, há o problema da estocagem. Soja não é milho. A leguminosa não armazena tão bem. Se não forem mantidos bem ventilados, os grãos absorvem umidade rapidamente. E também apodrecem rápido, ficando sem valor. E asquerosos.

“Fica um cheiro insuportável”, diz Wayne Humphreys, agricultor de Iowa. “E com a consistência de um purê de batata, mole e pegajoso”.

Ainda assim, Humphreys vai colocar o máximo de sua colheita em silos, porque ele gosta de fazer vendas escalonadas. “Assim posso ter um pouco mais de controle”, destacou.

A corrida pelo armazenamento ocorre exatamente em um momento de produção recorde de soja. Os produtores americanos tentam se recuperar de uma sequência de quatro quedas de receita agrícola global em cinco anos. O apetite chinês pela soja, usada em tudo, desde a alimentação de suínos até o óleo de cozinha, já foi um ponto favorável. Mas com o início das tarifas, as importações chinesas dos EUA despencaram, caindo quase 90% em setembro em relação ao mesmo período do ano passado.

Para alguns agricultores, há pouca escolha a não ser armazenar a colheita. Milhões de bushels não têm para onde ir. Há pouquíssimos negócios nos terminais em Portland, um importante centro logístico no Noroeste do Pacífico para embarcar para a China. Toneladas de soja estão armazenadas nos armazéns, e ainda há muitos hectares a ser colhidos no clima frio e úmido de Dakota do Norte.

Os estoques de soja do país devem mais que dobrar, para cerca de 955 milhões de bushels até o final deste ano-safra, de acordo com o Departamento de Agricultura (USDA). O produtor de Iowa Robb Ewoldt, que cultiva soja desde 1996, está armazenando a maior parte de sua colheita pela primeira vez em 15 anos. Sua safra geralmente flutua pelo rio Mississippi, a apenas 1,6 km de suas lavouras, em barcaças para exportação através do Golfo do México para a China e outros países. Este ano ele está escondendo grãos em seus silos, para aguardar preços melhores. O espaço para a soja é aberto pela venda do milho ou transferência dos grãos para armazéns comerciais.

“É provavelmente mais vantajoso armazenar neste ano do que em qualquer outro ano do passado”, disse ele. Os preços futuros de soja para entrega em julho de 2019 ficaram em cerca de US$ 9,27 na última sexta-feira, indicando que deixar para vender mais tarde pode render mais dinheiro. E os traders estão especulando que as tensões comerciais China-EUA podem diminuir à medida que os países discutem um acordo na reunião do G-20, na Argentina, ainda neste mês.

O espaço para toda a soja extra é pequeno. Isso está causando algumas medidas raramente tomadas, como empilhar os grãos no chão - arriscando sua exposição ao mau tempo. Mais fazendeiros também estão colocando a soja nos silo-bags que podem chegar ao comprimento de um campo de futebol. “Ouvi que alguns agricultores e empresas estão guardando milho e soja em galpões de ferramentas e barracões”, disse em entrevista no mês passado Soren Schorder, presidente da Bunge, a maior processadora mundial de soja.

As sobretaxas afetaram particularmente as exportações da Dakota do Norte, onde a expansão da área cultivada com a leguminosa foi reflexo direto do aumento da demanda chinesa. O estado cultiva a quarta maior área de soja no país e cerca de 70% da produção segue para a Ásia, em grande parte devido à sua posição estratégica em relação aos portos mais a oeste.

O agricultor Mike Clemens, da Dakota do Norte, está precisando tanto de espaço que resolveu derrubar paredes de meia dúzia de barracões construídos nos anos 60, onde pretende estocar 45 mil bushels de soja – metade de sua produção para este ano. Ele espera encher outros cinco novos silos com 300 mil bushels de milho.

Sarah Lovas, agricultora de Hillsbor, também na Dakota, desenhou vários mapas e planilhas para distribuir sua produção. O plano no momento é guardar 400 mil bushels em armazéns próprios, sendo 50 mil com soja e o restante com milho. Ela vai alugar pela primeira vez silos do vizinho, onde pretende estocar 68 mil bushels.

“Gostaria de ter mais armazéns próprios”, diz Sarah.

Agricultores associados à cooperativa James Valley Grain, no sudeste de Dakota do Norte, devem armazenar pelo menos 2 milhões de bushels em silo-bags, o dobro do ano passado. A cooperativa tem 400 mil bushes de soja em sacos plásticos de uso único.

A Gingerich Farms, em Lovington, Illinois, já utilizou cerca de 300 silo-bags nos últimos sete a oito anos para armazenar milho e soja. Neste ano, os proprietários já receberam cerca de 10 ligações de produtores vizinhos perguntando sobre como usar os sacos plásticos. No ano passado, fora apenas uma ou duas consultas, segundo Darrel Gingerich.

“Quanto ao milho, isso já é esperado”, disse ele. “Mas agora estão nos perguntando como fazer para armazenar a soja”.

Illinois, maior estado produtor de soja dos EUA, pode ter também o maior déficit de armazenamento. A estimativa é de que necessite de capacidade de até 100 milhões de bushels, segundo Tim Brusnahan, analista da consultoria Brock Associates.

Desde o início deste mês, o Departamento de Agricultura de Illinois recebeu pedidos de apoio para armazenamento de emergência na ordem de 11,6 milhões de bushels, quase o triplo do valor de um ano antes. Pedidos de armazenamento temporário, com cobertura de lonas, aumentaram 4%.

Embora as safras de Illinois sejam menos dependentes da demanda chinesa, os preços baixos favorecem a opção pelo armazenamento da soja, diz Gingerich. “O mercado está nos empurrando para a armazenagem”, disse Gingerich. “É uma situação-limite e apertada, muito apertada”.

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