Ainda com dúvidas se, entre os tiros disparados por Donald Trump, existem ou não muitas balas de festim, especialistas olham para a escalada da guerra comercial deflagrada pelo presidente americano e veem algum ganho imediato para o Brasil, mas incerteza generalizada num prazo mais longo.
“A guerra comercial assusta, mas por enquanto é risco não materializado. Pode afetar o Brasil positivamente no caso de a China decidir comprar a soja brasileira em vez da americana”, diz Marco Casarin, economista-chefe para a América Latina da consultoria inglesa Oxford .
A favor do Brasil também contaria um aspecto geralmente visto como fraqueza por alguns analistas: o pequeno grau de abertura da economia brasileira, que acabaria protegendo o país das tensões que pesam sobre as longas cadeias de produção. Para além disso, não há muito otimismo.
Mesmo que os EUA recuem ou que as regiões diretamente afetadas -além da China, União Europeia, México e Canadá- optem por caminhos alternativos ao das retaliações adicionais, a expectativa é que as tensões abalem o crescimento econômico mundial e os fluxos financeiros globais, atingindo mais fortemente emergentes como o Brasil.
No lance mais recente, por exemplo, Trump anunciou tarifa de 10% sobre US$ 200 bilhões em produtos chineses, em uma lista tão diversificada que vai de produtos agrícolas a perucas. Tudo, no entanto, ainda precisa ser submetido à consulta pública.
Caso os EUA avancem em medidas contra a China e a Europa, diz o Bradesco, a perda para o crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) mundial deve ser de algo entre 0,3 e 0,4 ponto percentual. “O duro é que tudo isso pega o Brasil num momento de fragilidade econômica e política”, diz Monica de Bolle, pesquisadora do Peterson Institute, em Washington.
Para Livio Ribeiro, pesquisador do Ibre/FGV (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas), o cenário não chega a ser de uma tempestade perfeita, em especial porque o país é credor em dólar e tem um déficit muito baixo nas trocas com o exterior. “Mas é um momento sensível”, diz ele.
Na guerra contra a China, dizem os economistas, o Brasil se destaca como vendedor mais óbvio de produtos como soja e milho, além de figurar como alternativa para montadoras que fugir de tarifas adicionais ao buscar produzir fora das zonas de conflito.
Já há evidências de aumento dos embarques de soja do Brasil para a China, embora a capacidade mundial não seja suficiente para compensar a saída dos americanos do mercado chinês, diz Ribeiro.
Por outro lado, diz Bolle, perdendo o mercado chinês, os produtores americanos seriam forçados a procurar outros destinos para seus produtos. “Ou seja, os EUA passariam a competir com o Brasil, em especial na produção de grãos e carne”.
Outro ponto, diz Ribeiro, é que a sobra de grãos no mercado americano pode deprimir os preços internacionais das commodities, o que também não é bom para o Brasil.
O Bradesco fala também em guerra cambial, além de efeitos negativos sobre confiança e decisões de investimentos. “Vem aí muita confusão”, diz Bolle.