Em meio aos 440 mil m2 de estandes, palcos e arenas com as últimas novidades tecnológicas da Agrishow, em Ribeirão Preto, um dos locais mais visitados é um museu a céu aberto, cheio de maquinários sessentões e setentões sem nenhuma intimidade com a era digital.
É como um Jurassic Park dos tratores. Difícil encontrar outro local tão apinhado de gente. Todos querem ver como o mecânico João dos Anjos Duarte põe para funcionar máquinas quase centenárias, usando manivela e maçarico que fazem a vez do botão de partida. Celulares para o alto, na ponta dos dedos, registram o processo artesanal de fazer roncar os monstros de ferro adormecidos.
João Duarte aponta a chama do maçarico para uma peça no cabeçote do motor. “É assim mesmo, tem que tacar fogo no trator para fazer pegar”, brinca. “Bacana né? A gente chama isso de testa quente. Se não aquecer essa peça do cabeçote até ficar incandescente, vermelha mesmo, ele não pega”.
Dos tratores com ignição “a fogo”, um dos mais admirados é um Ursus, polonês de 1959, com jeito de durão realçado pela carcaça de ferro escurecida pelo óleo diesel e pela oxidação, com cortinas de lona crua, grossa e velha. Na lateral, um porta-machado lembra que esse clássico é da idade do ferro, apesar de aparentar ter saído diretamente de um desenho animado dos Flintstones.
O mecânico começou a restaurar tratores antigos por puro hobby, mas observa que nos últimos cinco anos “o negócio pegou fogo”, aumentando muito o interesse de colecionadores e do próprio público para conhecer as máquinas.
A transformação no mundo dos tratores acompanhou o ritmo vertiginoso do crescimento da própria agricultura brasileira, que, apenas na soja, saltou de uma produção de 15 milhões de toneladas, nos anos 80, para mais de 115 milhões atualmente.
O produtor Edson Antonio Marcon, 56 anos, do município de Planura, no Triângulo Mineiro, gostou de encontrar na Agrishow um trator Ford 8BR, fabricado nos anos 60, apesar de algumas lembranças serem doloridas. “Esse trator tinha uma caixa de direção muito dura. Quando batia em alguma coisa, o volante rodava rápido, pegava no dedão da gente e destroncava. Aconteceu várias vezes”, recorda. “A molecada de hoje ainda reclama dos tratores novos. Na minha época o banco era de lata e nem capota tinha. Eles não sabem quanto a gente sofria”.
De Pederneiras, Minas Gerais, o agricultor Roberto Lopes trouxe cinco tratores antigos para expor na Agrishow. Ele gosta de ficar por perto, assistindo à reação dos visitantes. “Eles chegam aqui e dizem: ‘Nossa, meu pai tinha um desses! Já guiei um parecido que era do meu avô!’. Dá para ver o brilho nos olhos, alguns chegam até a se emocionar”, conta Lopes.
O colecionador revela que a magia em torno dos tratores antigos é tão forte que, com frequência, precisa se lembrar que não é dali que sai seu sustento. “Já ouvi o empregado dizer ‘puxa, seu trator antigo está com pneu novinho e nós aqui estamos trabalhando com pneu careca’. O gosto da pessoa até se sobrepõe ao interesse econômico. A gente tem que tomar cuidado, de vez em quando eu preciso me dar um beliscão e ver se não estou passando dos limites”.
Quem ajuda Lopes a não exagerar muito é a esposa. Uma tarefa difícil. Na fazenda dele, o principal item de decoração da sala de estar é justamente um trator. O clássico Ford 8n. No meio da sala.
* O repórter viajou à Agrishow a convite do pool de imprensa dos expositores da feira.
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