Máquinas de fabricar nuvens de chuva parecem aquelas coisas típicas de filmes antigos de ficção científica. Mas a crescente escassez hídrica, combinada com novas evidências de que induzir chuva é algo possível, vem atraindo investimentos de estados, municípios e concessionárias de água do sedento Oeste americano.
No mês passado, um estudo financiado pelo National Science Foundation, dos Estados Unidos, documentou pela primeira vez como funciona a tecnologia de semeadura das nuvens de chuva. Até aqui, havia poucas evidências de que a técnica funciona, mas pesquisas recentes vêm encorajando aqueles que estão desesperados para aumentar os níveis de lagos e reservatórios.
Apenas no estado do Colorado, 100 máquinas de semear nuvens estão montadas em fundos de quintal, prados e planícies. As versões mais antigas dessas engenhocas se parecem com enormes latas de refrigerante acopladas a tanques de propano. Equipamentos mais modernos são feitos com caixas de metal interligadas com painéis, sensores climáticos e torres finas e altas.
A meta é a mesma: semear nuvens com partículas de iodeto de prata, um composto químico que atrai vapor de água congelado. Essa combinação resulta em cristais de gelo que podem se transformar em flocos de neve.
O projeto do Colorado, que custa US$ 1 milhão por ano, é financiado não somente pelo governo estadual, por resorts de ski e grandes usuários de água, mas também por companhias de saneamento de lugares tão distantes quanto Los Angeles, que quer aumentar a quantidade de neve derretida que alimenta o Rio Colorado, fonte de água para mais de 30 milhões de pessoas. A maior parte da bacia hidrográfica do Colorado enfrenta, no momento, uma estiagem.
“Todos começam a ficar nervosos quando não tem neve no Colorado”, diz Joe Busto, cientista responsável pelo projeto de semeadura de nuvens na região.
Sonho antigo
Há mais de 10 anos companhias de água do Arizona, Califórnia e Nevada vêm financiando projetos para fazer chover nas montanhas rochosas; agora, estão prestes a assinar um acordo para dividir os custos com autoridades do Colorado, Novo México, Utah e Wyoming, por mais uma década.
A semeadura de nuvens é uma ferramenta relativamente barata para incrementar a oferta de água no lago Mead e em outros reservatórios – garante Mohammed Mahmoud, analista sênior do Departamento de Proteção das Águas da Região Central do Arizona.
No entanto, é difícil mensurar qual o volume adicional de chuva que as engenhocas ajudam a produzir. O processo só funciona quando há nuvens úmidas e congelantes no ar. E a tecnologia tem lá suas controvérsias.
“Tudo não passa de propaganda”, diz Jamie Kouba, produtor rural de 32 anos do município de Regent, em Dakota do Norte, que acredita que a semeadura de nuvens está provocando a falta de chuva em sua região, em vez de incrementá-la. Ele mobiliza produtores vizinhos numa campanha contra a prática.
As máquinas de fazer chuva produzem fumaça que flutua no céu como se saíssem de um incenso. Alguns programas estaduais utilizam máquinas fixas ao solo. Outros investem em aeronaves que provocam explosões para espalhar iodeto de prata nas nuvens ou que voam dentro do céu carregado com uma espécie de “lança-chamas” nas asas.
Um estudo recente realizado em Idaho, e publicado pela Academia Nacional de Ciências, foi o primeiro a mostrar como ocorre a formação de cristais de gelo dentro das nuvens e sua transformação em flocos de neve.
A pesquisa aumentou o interesse na técnica de fabricar nuvens, especialmente entre companhias privadas, segundo Neil Brackin, presidente da Weather Modification, empresa de Dakota do Norte especializada no assunto.
Outros estudos recentes usam modelos de computação para estimar o percentual de aumento de neve provocado pela técnica. Uma pesquisa de 2014, realizada em duas cadeias de montanhas do Wyoming, aponta que a fabricação de nuvens pode aumentar o volume de neve entre 5 e 15% - mas somente quando existem condições adequadas para a semeadura, ou seja, em 30% das nevascas.
Ainda que o efeito seja pequeno, ele interessa. “Nós que moramos no oeste dos Estados Unidos sempre tivemos problemas com falta d’água”, diz Frank McDonough, cientista climático de Nevada que supervisiona o programa de fabricação de nuvens no Desert Research Institue, integrado à universidade estadual. Ao longo do Rio Colorado, há mais demanda do que oferta de água.
McDonough acredita que o programa de fabricação de nuvens pode aumentar em até 10% as precipitações na região de Nevada. Isso significa 98 milhões de metros cúbicos de água por ano, o suficiente para abastecer cerca de 150 mil moradias.
Avaliar a eficiência dos programas de produção de chuva, ainda assim, é difícil. “10% de variação é uma margem esperada em condições climáticas normais”, completa McDonough.
A Idaho Power, companhia de água que atende consumidores de Idaho e do Oregon, utiliza desde 2003 as técnicas de fabricação de chuva para aumentar o nível de seus reservatórios. O programa de US$ 3 milhões, parcialmente financiado pelo estado e por outros grandes usuários, já teria produzido bilhões de litros de água a um custo relativamente baixo, de apenas 1% dos gastos operacionais.
Ainda assim, o professor Busto adverte que fabricar nuvens de chuva não é a cura para a seca. Ele cita como exemplo o inverno atual, muito morno e seco para a semeadura de nuvens. “Não conseguimos utilizar nossas máquinas de nuvens por que não há tempestades no céu”, diz Busto. As máquinas funcionaram pouquíssimas vezes até agora.
Busto diz que tem sido confrontado por pessoas que se dizem preocupadas com os eventuais danos à saúde por causa do iodeto de prata. Mas a prata é um elemento químico natural que não traz nenhum malefício, diz o pesquisador. No estudo de 2014, em Wyoming, os cientistas descobriram que a semeadura de nuvens deixou resíduos de iodeto na água e no solo, mas em doses muito pequenas para trazer qualquer prejuízo às pessoas.
Ceticismo
O produtor Kouba, de Dakota do Norte, é um dos céticos. Ele reuniu dados de precipitações pluviométricas desde 1970 e concluiu que a semeadura de nuvens causou diminuição das chuvas, especialmente nos municípios que aderiram à prática. “Sou de uma dessas regiões que perderam considerável quantidade de chuva”, afirma.
Autoridades de Dakota do Norte dizem que não há evidência de que a semeadura de nuvens de chuva tenha causado a seca do ano passado. Se houve algum efeito, foi favorável à produção de chuva, afirma Darin Langerud, que supervisiona as tentativas de semear nuvens no departamento estadual de projetos climáticos.
O professor Busto lembra que a ficção científica moderna, como o filme “Geostorm” (Tempestade: Planeta em Fúria”), de 2017, sobre satélites climáticos fora de controle, alimenta ideias erradas em relação ao que se tenta fazer atualmente.
“Cada vez que sai algo assim nos cinemas, mais ficam fortalecidas as teorias da conspiração”, diz ele. “Só estou tentando produzir mais flocos de neve para os resorts de ski”.
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