Nativa das Américas, a batata é hoje um alimento produzido e consumido em quase todo o mundo| Foto: Leticia Akemi/Gazeta do Povo

Acredite, foi um objeto pequeno e redondo que mudou o curso da história da humanidade: a batata. No Dia de Colombo, que é comemorado nos Estados Unidos, festejam-se os grandes eventos e mudanças globais - sejam boas ou ruins - que aconteceram após Cristóvão Colombo ter unido o Novo ao Velho Mundo.

CARREGANDO :)

Alguns pesquisadores, porém, têm uma visão mais detalhada de como o descobridor das Américas conseguiu fazer isso. Para tanto, eles olharam para sementes, mudas e tubérculos que cruzaram os oceanos nos últimos séculos, no que chamaram de “trocas colombianas”.

Eles constataram que batatas, tomates, milhos, pimentas, mandiocas e outras plantas nativas das Américas fizeram mais do que dar mais vida e sabor à comida na Europa, África e Ásia. Elas mudaram culturas, reformularam políticas e geraram novos sistemas econômicos que, em uma espiral globalizada, voltaram e se enraizaram na Terra Nova.

Publicidade

Foi uma grande troca de organismos, com resultados tanto positivos quanto desastrosos: o quinino da árvore cinchona sul-americana, que combate a malária, ajudou na colonização europeia ao longo dos trópicos; os lastros lançados ao mar por navios carregados de tabaco na Virgínia, por outro lado, introduziram minhocas nas terras do Médio Atlântico. Doenças comuns no Velho Mundo, por sua vez, rapidamente devastaram populações indígenas do Novo Continente.

“O que aconteceu depois de Colombo não foi nada menos do que a formação de um novo mundo a partir do choque de outros dois mundos - três, se contarmos a África em separado da Eurásia”, escreveu o jornalista científico Charles Mann em “1493”, livro que trata do assunto.

Explosão populacional

Sozinha, a batata levou o crédito pela explosão populacional em partes do norte da Europa, que pavimentou o caminho para a urbanização e, por sua vez, alimentou a Revolução Industrial. O tabaco foi tão valorizado que chegou a ser usado como moeda em alguns lugares. Alguns alimentos americanos se tornaram comuns fora da América, como o tomate na Itália e a mandioca na África, ou a pimenta, que virou páprica na Hungria e curry na Índia.

“Realmente não havia comida apimentada no mundo antes das trocas colombianas”, diz Nancy Qian, professora de economia da Universidade de Northwestern, que estudou como o fluxo de ida e volta de alimentos, animais e germes mudou o mundo.

Os pesquisadores não sabem quanto uso os indígenas americanos faziam do pimentão originados no Brasil e na Bolívia. Mas quando esses pimentões se espalharam pelo mundo, as vagens picantes, que são ancestrais da pimenta-sino, pimenta-caiena e jalapenho, permitiram aos cozinheiros esconder o gosto de alimentos que ainda eram comestíveis, mas que estavam um pouco passados. Em breve, as pimentas formariam a base de pratos nas regiões mais quentes do planeta, do Vietnã ao México.

Publicidade

De longe a consequência mais séria pela transferência de organismos, segundo Qian, foi introduzir patógenos desconhecidos na população indefesa das Américas. Nos primeiros 150 anos depois de Colombo, varíola, sarampo, coqueluche, tifo e outras doenças infecciosas mataram mais de 80% da população nativa, de acordo com o demógrafo Noble David Cook. E quando os europeus apresentaram o açúcar, o algodão e outras culturas aos americanos, escravizaram mais de 12 milhões de africanos para trabalharem nessas lavouras.

Do outro lado do Atlântico, menos mudanças cataclísmicas ocorreram quando as novas espécies chegaram. Nenhum teve mais impacto do que a batata, segundo Qian.

De acordo com a pesquisadora Nancy Qian, nenhum alimento causou mais impacto na humanidade do que a batata 

Antes de Colombo chegar às Antilhas, a dieta dos europeus era bem sem graça. Nos países do norte, o cultivo era limitado a nabo, trigo, tribo mourisco e só. Mesmo assim, quando as batatas começaram a chegar da América, demorou um tempo para que as pessoas percebessem que aquelas estranhas protuberâncias, comparativamente falando, eram verdadeiras granadas nutricionais, com carboidratos complexos, aminoácidos e vitaminas.

“Quando [Sir Walter] Raleigh apresentou as batatas à corte da Rainha Elizabeth, eles tentaram fumar as folhas”, diverte-se Qian.

Publicidade

A princípio, o consumo da batata começou com monges nas Ilhas Canárias, em 1600. Daí os europeus descobriram como plantar o tubérculo, que forma uma dieta - apesar de monótona - bem completa quando combinada com leite, sendo rica em vitaminas A e D. O efeito foi surpreendente, fazendo crescer as populações da Irlanda, Escandinávia, Ucrânia e de outras regiões mais frias em pelo menos 30%, de acordo com as pesquisas de Qian. Por outro lado, a necessidade por caça diminui e, conforme a terra se tornava mais produtiva, o mesmo ocorreu com os conflitos por território.

Principal cultivo

Frederico O Grande ordenou aos agricultores da Prússia que cultivassem batata, e o tubérculo se tornou o principal cultivo da Europa, de Gibraltar a Kiev. “Deixe chover batatas”, escreveu Shakespeare em “As Alegres Matronas de Windsor”. A portabilidade do vegetal o tornou ideal para ser transportado às cidades que cresciam, alimentado as inchadas populações que se tornariam necessárias como força de trabalho nas fábricas. “É difícil imaginar um alimento que teve mais impacto do que a batata”, sentencia Qian.

A mandioca, que serve de base para muitas dietas africanas, teve um impacto nutricional similar conforme se espalhou pelas Américas. A batata doce, ainda, mostrou-se resistente a áreas sujeitas a inundações. Na China, alguns pesquisadores dizem até que ela reduziu o número de insurgências contra os imperadores, cujos súditos costumavam culpá-los quando as enchentes acabavam com os campos de arroz.

Alguns outros produtos notáveis também foram adicionados à culinária mundial, mas são nutricionalmente neutros. É o caso do chocolate (feito a partir do cacau), da baunilha (que é processada para ganhar sabor do chocolate) e o tomate, fruto nativo dos Andes que foi levado para o México. No caso do tomate, segundo Mann, “produtores nativos que transformaram radicalmente esses frutos, tornando-as maiores, mais vermelhos e, o mais importante, mais comestíveis”. O resultado fez com a culinária da Itália ganhasse o mundo através da pizza, do ketchup e do Bloody Mary.

Publicidade