A generalização expressa no ditado “tudo farinha do mesmo saco” não se aplica, definitivamente, à complexa cadeia produtiva do trigo. Para cada finalidade da farinha – um pão francês crocante, um panetone fofinho ou um macarrão al dente – a indústria busca uma mistura ideal de cultivares, com características químicas muito específicas de cor, umidade, acidez, teor de proteínas e de amido. Na parte física, o grão tem de passar por exames em farinógrafo, extensógrafo e alveógrafo que contam tudo sobre retenção de água, elasticidade, consistência e estabilidade da massa.
“O trigo é uma cultura complexa que exige atenção e cuidados especiais, não pode ser tratado como uma commodity ou apenas cobertura de inverno”, aponta Ivo Arndt Filho, produtor da região de Tibagi e presidente da Comissão Técnica de Cereais, Fibras e Oleaginosas da Federação da Agricultura do Paraná (FAEP). “O produtor de commodity olha só para sanidade e produtividade. Isso resulta em um trigo bom, mas que pode não ter as características que o moinho quer. É preciso produzir em sintonia com o que a indústria precisa”, diz o produtor.
O presidente do Sindicato da Indústria do Trigo no Paraná (Sinditrigo), Daniel de Azevedo Kümmel, observa que nos últimos sete anos houve uma aproximação maior entre indústria e produtores, o que explica o fato de até 90% do trigo paranaense ser aproveitado pelos moinhos do próprio estado. “Antes o foco era produzir muito, mas não se atentava para a finalidade industrial, o que criava problemas na comercialização. Com essa sintonia fina, as próprias empresas de pesquisa passaram a produzir trigo bom para os dois lados”, destaca Kümmel. O empresário participará do painel “Rússia: grande player do inverno” no 5º Fórum da Agricultura da América do Sul, promovido pelo Núcleo de Agronegócio da Gazeta do Povo, dias 24 e 25 de agosto no Museu Oscar Niemeyer, em Curitiba.
A região Norte do Paraná vem se especializando em trigo panificável e melhorador, com média de 11,5% de proteína. Isso faz com que muitos moinhos de outras regiões venham se abastecer no Paraná. A cadeia, no entanto, é competitiva e sofre muita influência do mercado internacional, onde a Rússia é o maior balizador, podendo exportar anualmente 30 milhões de toneladas, mais do que todos os 28 países da União Europeia juntos. Pela distância e dificuldade logística, o trigo russo não chega ao Brasil, que precisa importar quase metade do que consome. Quem preenche a lacuna é o trigo argentino, americano e paraguaio.
Para consolidar e profissionalizar ainda mais o cultivo de trigo no Paraná, é preciso haver uma mudança cultural – segundo Ivo Arndt Filho. O Paraguai, diz ele, se especializou em fornecer trigo para o Brasil e reduziu para apenas seis o número de cultivares. Aqui, em contrapartida, são plantados 19 tipos diferentes. A mudança é tão frequente que não dá tempo de os moinhos concluírem uma análise mais apurada da farinha, o que levaria pelo menos dois ciclos. “Nossa sugestão é diminuir o número de cultivares, para que haja uma segregação melhor para a indústria. O problema é que as empresas detentoras de genética lançam novas cultivares todo ano, porque ganham royalties em cima da comercialização dessas sementes. E o produtor vai no dia de campo, vê que o trigo é bonito, é produtivo, e acaba plantando, mas não é o que a indústria precisa”, finaliza Arndt Filho.
O Paraná responde por 55% de todo o trigo produzido no Brasil, devendo alcançar na atual safra perto de 2,82 milhões de toneladas (já incluindo quebra prevista de 6% por frustrações climáticas). No atual ciclo, houve redução de 11% na área plantada com o cereal, que cedeu espaço ao milho safrinha. O trigo é o grão mais consumido no mundo para alimentação humana, com produção anual em torno de 743 milhões de toneladas, segundo último relatório do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos.
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