O empenho do presidente americano Donald Trump para desmontar acordos comerciais que considera contrários à política de “primeiro a América” – ele já retirou os Estados Unidos do Tratado Transpacífico e chamou o Nafta de pior acordo comercial da história – reabre uma janela de oportunidades para que o Brasil avance em suas próprias negociações bilaterais.
“É a chance de nos engajarmos em acordos de maior amplitude, o que não fizemos nos últimos 15 anos. A Ásia tem muitas oportunidades para o agronegócio, pode ser a hora de o Brasil participar de acordos naquela região”, afirma Angelo Costa Gurgel, professor e pesquisador de agronegócio da Fundação Getúlio Vargas.
Angelo Gurgel será um dos debatedores do 5º Fórum de Agricultura da América do Sul, promovido pelo Núcleo de Agronegócio da Gazeta do Povo e que acontece dias 24 e 25 de agosto no Museu Oscar Niemeyer, em Curitiba. Ele participará do painel “Oferta e demanda: fundamentos que reorganizam a ordem global”.
Nesta semana, quando canadenses, mexicanos e americanos começam a revisar o Tratado de Livre Comércio da América do Norte (Nafta) – aquele que Trump chamou de pior do mundo –, uma pesquisa do Conselho de Assuntos Globais de Chicago mostra que 72% dos americanos acreditam que o livre comércio faz bem à economia do país, enquanto 78% dizem que também é bom para os consumidores – o índice mais elevado na série histórica. Pela primeira vez desde 2004, mais de metade dos americanos, 57%, concordam que o livre comércio é benéfico à criação de empregos dentro dos Estados Unidos.
Comércio injusto?
As diferenças entre democratas e republicanos surgem, e se acentuam, quando o questionário se torna mais específico. Quase metade dos republicanos entende que o livre comércio beneficia mais aos outros países e somente 28% afirmaram que o México mantém relações comerciais “justas” com os Estados Unidos. Em contraste, 60% dos democratas veem um comércio justo entre os dois países.
“É muito difícil imaginar que Trump promova um fechamento de fronteiras muito drástico. Imagine se ele tentasse proteger a indústria contra a concorrência da Ásia. No longo prazo, o próprio americano perceberia estar pagando mais caro pelos automóveis, por iPhones e Ipads”, observa Gurgel.
Havendo, no entanto, decisão de fechar alguns mercados, outros países vão se aproveitar disso para fazer negócio. Os movimentos diplomáticos são intensos, basta olhar para os acordos que a União Europeia fechou separadamente neste ano com o Japão e o Canadá, e a sinalização de que dará prioridade para negociar com o Mercosul e o México. Por outro lado, após o Brexit, a Austrália já fala em acordo bilateral com o Reino Unido para impulsionar as exportações de carne e arroz, antes limitadas pelo sistema de cotas da União Europeia.
“As potências asiáticas também estão em busca de novos acordos. A China vai tentar fazer tratados com a Europa, com a América do Sul e com a África. No caso do Brasil, existem interesses que podem ser barganhados. Somos muito competitivos no agronegócio, mas fechados na indústria e nos serviços”, avalia Gurgel, que tem pós-doutorado no Programa de Ciências e Políticas para Mudanças Globais do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT).
Frente russo-mexicana
Para o professor da Universidade Positivo e consultor da Valuup, Lucas Dezordi, outros países com os quais o Brasil também poderia expandir negócios são a Rússia e o México. Por iniciativa dos congressistas, e um pouco “a contragosto de Trump”, a Rússia vem sofrendo sanções comerciais devido às interferências nas últimas eleições americanas, enquanto o México é alvo constante da retórica protecionista da Casa Branca. “Nós compramos muita gasolina dos Estados Unidos, poderíamos comprar da Rússia também, que por sua vez já compra bastante carne do Brasil. Para o México, a oportunidade está no agrobusiness, poderíamos enviar carne e milho para lá. O problema ainda é a logística, a dificuldade de escoar nossos produtos pelo Norte do país”, afirma Dezordi.
Tanto Dezordi como Gurgel entendem que não é possível “cravar” um redesenho do mapa do comércio mundial por causa do protecionismo americano, mas as oportunidades são inegáveis. “O posicionamento de Trump abre um cenário de dificuldades de diálogo comercial, criando possibilidades para o Brasil ampliar seus acordos bilaterais. Fazer acordo, no entanto, não é simplesmente abrir embaixadas em vários países. Isso é mais um gasto público do que um benefício econômico”, diz Dezordi, referindo-se à política do Itamaraty em governos anteriores.
“É uma janela de oportunidade para nos engajarmos em acordos bilaterais. O Brasil perdeu o bonde quando insistiu em acordos multilaterais amplos, quando formou grupos de interesse comum, como o G20, e adotou uma postura muito firme de só aceitar negociação em bloco, com todos à mesa”, salienta Gurgel. Aquela agenda não interessou outros países, que partiram para acordos bilaterais ou multilaterais com outros blocos econômicos. Trump está aí, batendo na mesa e criando novos cenários.