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Expedição Suinocultura

Órfã dos russos, suinocultura brasileira viu preços derreterem 80% em um ano

 | Jonathan Campos/Gazeta do Povo
(Foto: Jonathan Campos/Gazeta do Povo)

No fim de 2017, nenhum elo da cadeia produtiva da suinocultura brasileira imaginava que o ano seguinte seria tão ruim. Hoje, quase dez meses depois, o discurso entre produtores, entidades, empresas e cooperativas é o mesmo: todo mundo perdeu. E o embargo russo à carne brasileira é apontado como o grande responsável pela situação de desalento.

Em novembro do ano passado, o país do leste europeu alegou ter encontrado ractopamina em uma carga enviada pelo Brasil. A substância, que ajuda a desenvolver a massa muscular dos animais, é permitida aqui, mas é proibida lá. Resultado? O país perdeu o mercado mais importante, responsável por 40% das importações nacionais de carne suína. E sem a Rússia, os exportadores foram obrigados a despejar o produto no mercado nacional, levando o preço do quilo do suíno ao menor patamar em décadas. Uma desvalorização de 82,1% entre o primeiro semestre de 2017 e o mesmo período deste ano, segundo levantamento do Cepea/Esalq.

O aumento do consumo no último trimestre equilibrou as contas dos produtores, que já conseguem pelo menos empatar os custos de produção, mas, de qualquer forma, o ano deve terminar no vermelho.

Em Entre Rios, distrito de Guarapuava, no Centro do Paraná, o suinocultor independente Winfried Leh conta que desde que entrou na suinocultura, em 1998, nunca tinha passado por oitos meses seguidos no vermelho. “Esse ano já foi. Depois da eleição não vai mudar. Se os frigoríficos não sentarem para acertar a oferta, a situação vai continuar a mesma”, diz. Leh é um dos grandes campeões nacionais de produtividade. As granjas deles produzem, em média, 31 leitões desmamados porca/ano. Enquanto a média nacional está em 27,8. “Sou um dos melhores produtores do Brasil. Mas do que vale essa produtividade hoje? Com esse preço?”. Leh produz 200 suínos por dia.

De acordo com o vice-presidente da Associação de Criadores de Suínos do Rio Grande do Sul (ACSURS), Mauro Antonio Gobbi, a situação lá não é diferente. “Todo início de mês, quando o povo recebe o salário, as vendas dão uma deslanchada. Da terceira semana em diante, já estraga tudo. Porque a exportação está fraca, estamos exportando 50 mil toneladas a menos, de janeiro a agosto, só que o preço também não vale nada. Pela primeira vez na história da suinocultura quem está exportando carne hoje está perdendo dinheiro com dólar a R$ 4,20. Isso não existe”, diz. Produtor independente de Ronda Alta, no Norte gaúcho, Gobbi tem uma granja que coloca 6 mil animais por semana no mercado.

Os custos da produção, principalmente com a alimentação dos animais, subiram demais, aponta Gobbi. No ano passado, o farelo de soja custava R$ 1,1 mil a tonelada. Hoje está custando R$ 1,4 mil. A saca de milho em 2017 saía a R$ 30. Neste ano, de janeiro a agosto, o gasto médio para o produtor foi de R$ 37. “Enquanto isso, o preço do suíno vivo caiu entre 15% e 20%”.

Maior produtor e exportador nacional de suínos, Santa Catarina, único estado brasileiro que ostenta o status de livre de febre aftosa sem vacinação, também sofre as consequências. Segundo Marcos Antônio Zordan, diretor de Agropecuária da Cooperativa Aurora, terceira maior empresa de proteína do país, a crise no setor de suinocultura tem sido pior para a agroindústria do que para os produtores. No caso dos produtores integrados à cooperativa, o valor pago a eles não diminuiu após a crise. “A Rússia causou um estrado muito maior do que o simples fato de não importar mais o nosso produto. Provocou um aumento no custo de produção e o preço no mercado interno não cobre o custo maior do animal terminado com ractopamina”, conta. A Aurora possui hoje 3,6 mil produtores integrados e 1,3 milhão de suínos próprios alojados.

Solução?

A Ásia foi a solução encontrada para escoar a produção brasileira. Enquanto, no ano passado, o continente recebia apenas 35% das nossas exportações, neste ano, este volume aumentou para 64%. O grande impulso veio da China, país que enfrenta sérios problemas sanitários, depois que focos de peste suína africana assolaram diferentes regiões do país. Só para lá, o Brasil aumentou em 203% as exportações entre os oito primeiros meses de 2018 em comparação com o mesmo período do ano anterior. Mas por enquanto, a conta não fecha.

Segundo Gobbi, o relatório das últimas duas semanas mostra que o quilo da carne suína para a exportação está rendendo R$ 7 para o produtor. “Não paga a conta, homem! Estamos na mão de China e Hong Kong, que são os maiores importadores. Até vai volume de carne, mas eles não pagam nada. Estamos exportando tecnologia, água e genética de qualidade e sem doenças. Tudo de graça”.

De acordo com ele, se abrisse um novo mercado, como o México, ou se reabrisse a Rússia, haveria concorrência de mercado e China e Hong Kong teriam que rever sua política de preços baixos. “Se não vender para eles não tem para quem vender. E se jogar a produção no mercado interno acaba com o mercado interno de vez.”

Na Aurora, uma alternativa para driblar a crise nas exportações é vender a carne para os Estados Unidos e Japão. No entanto, segundo Zordan, ambos os mercados não são fáceis de conquistar e, além disso, apesar de serem rentáveis, são imprevisíveis. “Hoje está comprando, mas amanhã pode ser que não”, revela. Para Zordan, também há uma inabilidade e desinteresse do governo brasileiro de auxiliar a produção brasileira a avançar no exterior.

O presidente da Associação Catarinense de Criadores de Suínos (ACCS), Losivanio Luiz de Lorenzi, observa que o Brasil não ganhou novos mercados neste ano, apenas ampliou o que já existia, vendendo uma carne mais barata. “Perdemos valor de referência com a Carne Fraca e Operação Trapaça. E ainda não conseguimos retomar”, explica.

Para Winfried Leh, a melhor solução está em casa. “É preciso que as grandes indústrias não enforquem os produtores. É preciso buscar uma solução que regule o mercado aqui dentro. Despejar carne no mercado vai acabar com o suinocultor”, defende.

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