Ação e reação: políticas de Trump com relação a produtos chineses podem levar a retaliações por parte dos asiáticos.| Foto: BRENDAN SMIALOWSKI/AFP

Produtores norte-americanos semearam mais de 2 milhões de hectares com sorgo (uma espécie de ‘primo’ do trigo), em parte por conta da forte demanda de destilarias e suinocultores chineses. Mas, graças à crescente tensão comercial entre Estados Unidos e China – inflamada pela administração do presidente Donald Trump –, cerca de US$ 1 bilhão em negócios estão em risco.

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Recentemente, o governo chinês lançou uma investigação sobre dumping (venda a preços mais baratos no mercado internacional, geralmente com base em subsídios) com foco nas exportações de sorgo dos EUA. Curiosamente, apenas duas semanas após Trump anunciar novas tarifas para a entrada de máquinas de lavar e painéis solares no país.

O déficit comercial entre norte-americanos e chineses bateu recorde, dando início a uma nova onda de especulação a respeito de ações que ambos os países podem tomar.

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Produção de sorgo disparou nos EUA após abertura do mercado chinês em 2013. 

Novos alvos

Pequim não mencionou especificamente as novas tarifas de Trump como razão para a repentina investigação do sorgo. Porém, especialistas afirmam que o país possui um longo histórico de retaliações comerciais parecidas, o que afetaria particularmente fazendeiros dos EUA. Produtos agrícolas representam aproximadamente 13% dos US$ 169,8 bilhões em exportações que o país obteve da China em 2016. Somente a soja responde por US$ 12,4 bilhões. A oleaginosa, aliás, pode ser o novo alvo, caso a tensão entre as duas potências continue subindo, temem os analistas. Os chineses são os maiores importadores de soja do planeta (e com folga).

“Eu realmente acredito que a China vai tomar ações contra a soja”, diz o chefe de commodities da INLT-FCStone nos EUA, Arlan Suderman. “Isso vai impactar ‘psicologicamente’ o mercado e baixar os preços pagos aos produtores.”

Suderman espera uma investigação com foco na soja dentro de quatro a seis semanas, um intervalo que seria conveniente para as autoridades chinesas, pois coincide com a colheita mais forte do grão na América do Sul. Para os produtores de sorgo, o golpe poderia chegar ainda mais cedo.

Produtores de soja estão preocupados com a possibilidade de se tornarem os novos alvos. 
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Recentemente, o ministro de comércio da China afirmou que passaria o ano investigando as alegações de que os Estados Unidos ofereceriam subsídios aos fazendeiros, baixando os preços e aumentando a competitividade. No entanto, as traders asiáticas podem suspender as compras imediatamente para evitar possíveis taxações.

Os preços do milho na China dispararam, um sinal, preveem os analistas, de que os agricultores chineses devem usar o cereal para alimentação animal. Ao mesmo tempo, negociadores asiáticos já sondam produtores de sorgo na Austrália, de acordo com a Platts, um serviço de notícias voltado às commodities.

O CEO da Associação dos Produtores de Sorgo dos EUA, Tim Lust, afirma que a organização vai cooperar com a investigação chinesa. Entretanto, a tensão tem desgastado o longo relacionamento comercial entre os dois países. “O comércio agrícola entre China e Estados Unidos é benéfico para os nossos agricultores, os consumidores chineses e nossos respectivos parceiros”, pontua. “Os produtores de sorgo nos EUA vendem seus grãos para nossos valiosos parceiros na China. Nós nos orgulhamos de nosso longo e profundo relacionamento com esses compradores e a indústria de carne e alimentos na China.”

Economia do sorgo

O sorgo é cultivado nos estados do Kansas, Texas, Colorado e Oklahoma, focando atualmente nas exportações para a China, mercado que foi aberto em 2013, depois que os asiáticos limitaram as importações de milho transgênico dos EUA.

O grão é amplamente utilizado na alimentação de suínos, mas é também destilado para a fabricação do “baijiu”, uma bebida típica no país.

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Entre 2013 e 2015, as exportações de sorgo para a China explodiram, passando de 0,5 milhão de toneladas para 9,1 milhões de toneladas. A abertura de mercado, além dos baixos preços praticados para o milho e para o trigo, fez com que produtores mais à Oeste do Corn Belt, o Cinturão Produtivo dos EUA, plantassem dezenas de milhares de hectares com sorgo.

Desde então, as exportações caíram à medida que a China encorajou seus suinocultores a estocarem milho e trigo. Mas o sorgo permanece como “uma parte importante da agroindústria”, especialmente no Kansas, salienta Heather Landsdowne, diretor de comunicação do Departamento de Agricultura do Kansas.

Entre 2014 e 2016, o estado atingiu uma média de US$ 180 milhões anuais em exportações de sorgo para os chineses. Por lá, existe o temor de que as investigações anti-dumping façam com que novos competidores entrem na disputa, mesmo que o gigante asiático não adote novas tarifas. “Há outros produtores lá fora que exportam grãos”, ressalta Ryan Flickner, diretor-jurídico da Federação de Agricultura do Kansas. “Se os EUA não forem capazes de abastecer a China, por qualquer motivo, eles encontrarão sorgo lá fora em algum lugar.”

Preocupação é de que, mesmo sem novas taxas sobre o sorgo, chineses procurem novos mercados para comprar. 

Revide

Os produtores temem serem as primeiras vítimas de uma guerra comercial entre China e Estados Unidos. A Câmara de Comércio Americana alertou que as importações agrícolas e de produtos da aviação poderiam ser as mais afetadas em uma retaliação do governo chinês, caso Trump adotasse as tarifas.

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Todavia, a agricultura ainda mais, diz Chad Bown, membro do Instituto Peterson de Economia Internacional, pois os norte-americanos são os principais mantenedores da China, país que tem um vasto histórico de revidar quando parceiros econômicos tentam impor tarifas.

Quando o ex-presidente Barack Obama resolveu taxar pneus chineses em 2009, Pequim reagiu colocando suas próprias tarifas sobre cortes de frango norte-americanos. A Casa Branca levou a questão à Organização Mundial do Comércio, que acabou decidindo a favor dos Estados Unidos, mas não antes das exportações de aves para a China despencarem em 90%.

Em 2009, o ex-presidente Barack Obama sofreu retaliações; o mesmo pode acontecer com Trump (foto) atualmente. 

A preocupação agora, afirma Bown, é o que vem a seguir: não apenas na investigação sobre o sorgo, mas em resposta às outras ações comerciais de Trump.

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A Casa Branca vem aumentando as tarifas sobre o aço e o alumínio chinês, sob a alegação de que os produtores norte-americanos têm sido prejudicados e contribuindo para um déficit comercial. O governo dos EUA está, além disso, investigando práticas chinesas a respeito de propriedade intelectual, o que traria custos na ordem de centenas de bilhões de dólares aos norte-americanos, em tecnologia e fechamento de postos de trabalho.

Associações de sojicultores observam de perto a apuração chinesa com relação ao sorgo, preocupados com os próximos – e possíveis - episódios. “Pequim parece estar mandando um sinal, neste caso [do sorgo], que Washington deveria ter mais cautela”, frisa Bown. “Pois há muitas outras ações que eles podem tomar no futuro.”