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FORA DE CONTROLE

Javali se reproduz como coelho e vira praga no Brasil. Abate é justificável, diz pesquisadora

O javali e o javaporco têm alta capacidade de reprodução e adaptação quando encontram condições favoráveis, como a ausência de predadores e grande oferta de alimento. | Aniele Nascimento/Aniele Nascimento
O javali e o javaporco têm alta capacidade de reprodução e adaptação quando encontram condições favoráveis, como a ausência de predadores e grande oferta de alimento. (Foto: Aniele Nascimento/Aniele Nascimento)

Originário de regiões da Ásia e Europa, o javali foi introduzido no Brasil há décadas com a proposta de se tornar uma espécie rentável comercialmente. A ideia não vingou e o bicho acabou solto no meio ambiente, virando uma ameaça aos ecossistemas naturais e um risco sanitário ao ser humano e a outros animais.

Por ser considerada espécie exótica, a legislação brasileira autoriza o abate controlado de javalis e do seu tipo asselvajado, o chamado “javaporco” – cruzamento do javali puro com suínos domésticos. O abate se justifica porque estes animais não possuem predadores ou algum outro tipo de controle natural, conforme explica a pesquisadora Virgínia Santiago Silva, da Embrapa Suínos e Aves.

Além disso, o bicho tem uma incrível capacidade de reprodução e adaptação quando encontra condições favoráveis, como a grande oferta de alimento que encontra no Brasil. E o apetite do animal, aliás, é voraz. Ele come desde pequenos animais até plantações de milho e batata.

“Este animal pode se estabelecer tanto em áreas de conservação, concorrendo com espécies nativas, quanto em áreas de lavoura, destruindo plantações de milho, soja, cana-de-açúcar e até de pinus. O Brasil é uma verdadeira Disneylândia para o javali, por ter muitos recursos naturais. Em uma pequena propriedade rural, um ataque repentino pode derrubar até 60% da lavoura”, aponta Virgínia.

Mas além disso, por ter trânsito fácil entre o ambiente selvagem e as criações domésticas, o javali pode carregar microorganismos patógenos de um lugar para outro, contaminando animais selvagens e de produção comercial.

Ameaça

Segundo o secretário de Agricultura de Santa Catarina, Airton Spies, o javali e o “javaporco” são uma séria ameaça à saúde da suinocultura do estado, que é livre de febre aftosa e peste suína clássica. Além de ser um vetor de doenças para o ser humano, como brucelose e cisticercose.

“Santa Catarina é o maior produtor de suínos do Brasil e temos um território pequeno. Portanto, o javali é uma ameaça à sanidade dos nossos rebanhos, algo incompatível com a alta vigilância sanitária que temos de ter para manter essa produtividade. O agronegócio representa 29% do nosso PIB, sendo que a proteína animal representa 60% do PIB agropecuário do estado. Não podemos correr riscos e deixar que uma praga como essa ameace o meio ambiente e as atividades econômicas”, diz o secretário.

Por esse motivo, Santa Catarina proíbe inclusive a criação comercial do javali em cativeiro. De acordo com Spies, o bicho também oferece risco às pessoas, pois invade estradas e provoca acidentes. Pode também invadir propriedades particulares e atacar animais domésticos e até pessoas.

De acordo com Virgínia Silva, há casos de javalis que, quando não encontram lavouras no caminho, predam até criações de cordeiro. Ou então podem consumir animais de criação mortos no campo, cujas carcaças podem carregar doenças que vão acabar contaminando a fauna selvagem.

A pesquisadora faz ainda um alerta sobre os riscos de se consumir carne de javalis não criados em cativeiro. “Qualquer carne de caça é um risco, porque não passa por processo de inspeção e não se sabe onde esses animais vivem. Eles podem ser portadores de patógenos”, esclarece.

A fama de prolífero do javali, conforme explica Virgínia, vem da mistura com os animais de criação, que têm uma genética desenvolvida para conseguir índices de reprodução elevados, o que acaba aumentando também o porte desses animais asselvajados. Em média, a gestação deles dura cerca de 4 meses e uma matriz pode ter até duas ninhadas por ano, dependendo dos níveis de cruzamento e dos recursos disponíveis (comida, água, abrigo, entre outros).

“Uma normativa nacional do Ibama, de 2013, autoriza o abate de javalis para controle. Não está liberado o abate, mas normatizado. Portanto, não se pode sair matando. Existem critérios”, diz a pesquisadora.

Estratégias

Em Santa Catarina, o estado adotou algumas estratégias para contornar o problema. A primeira é fazer o controle por meio de caçadores autorizados. A partir de dezembro, o governo vai liberar até um aplicativo de celular voltado aos caçadores cadastrados, que têm armas registradas, para facilitar os pedidos de autorização de caça, que em regra deve ser concedida pela Policia Ambiental e pelo proprietário do imóvel onde foram encontrados os javalis.

“A outra medida é estimular os proprietários rurais a usar armadinhas autorizadas e com orientação da Polícia Ambiental, seguindo princípios de bem-estar animal, pois o sacrifício não pode ser feito com crueldade. As armadilhas, por exemplo, precisam ser verificadas a cada 24 horas”, explica Spies.

Outra forma que está sendo estudada é implantar colares eletrônicos em alguns animais para rastreá-los até os ninhos, fazendo posteriormente o abate de grupos maiores. Isso ocorreria caso outras medidas não funcionem.

Um detalhe interessante é que, como o estado é livre de febre aftosa, os caçadores de javalis coletam amostras de sangue dos animais abatidos para que sejam feitos exames laboratoriais e se verifiquem eventuais casos de aftosa, brucelose, tuberculose e cisticercose.

As áreas com mais registros de javalis no estado são a serra catarinense e a região Oeste. O governo iniciou também um diálogo com a Argentina e o Uruguai para que no futuro se tenha uma iniciativa integrada para fazer o controle desses animais, pois muitos acabam entrando no estado vindo dos dois países através das fronteiras naturais.

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