| Foto: albari rosa/gazeta do povo

Em 1992, entre todos os tipos de produto, o Brasil movimentava em seus portos 341 milhões de toneladas. Vinte e cinco anos depois, em 2017, o volume mais do que triplicou, chegando a 1,09 bilhão (t), segundo a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq).

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Uma das explicações para o salto em quantidade é o aumento da produção agrícola, industrial e de mineração, que impulsionou as exportações, e a abertura comercial do Brasil às importações no período. Mas não é só isso: se atualmente o país movimenta (muito) mais, é porque os canais de saída funcionam. Houve o ganho em tecnologia e produtividade na operação portuária. E isso não está necessariamente vinculado à eficiência do Estado.

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Desde 1993, os terminais brasileiros funcionam no modelo landlord, em que a administração fica a cargo das autoridades portuárias, que são públicas, mas toda a operação – e boa parte dos investimentos em modernização - é feita pela iniciativa privada, como a construção de armazéns, berços de atracação para os navios e aquisição de shiploaders, que fazem o carregamento da carga nos navios.

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A base é o sistema de arrendamento, em que as empresas ganham o direito de exploração da área, mas se comprometem a investir na mesma proporção. “É um modelo que desonera o governo de manter a operação”, salienta Eduardo Ratton, superintendente do Instituto Tecnológico de Transportes e Infraestrutura (ITTI) da Universidade Federal do Paraná (UFPR). “O Estado tem dificuldade em modificar aspectos de investimentos não previstos em planos plurianuais e em programas de governos, e o privado tem essa flexibilidade, para investir em novos equipamentos e operar cargas que não eram pensadas no passado, mas que se tornaram necessárias pela demanda atual”, acrescenta.

De acordo com a Antaq, apenas nos novos leilões que estão em andamento, os investimentos previstos por parte do setor privado superam a marca de R$ 1 bilhão. Com as prorrogações de arrendamentos já aprovadas, o valor chega a quase R$ 10 bilhões.

Em 2017, o volume movimentado nos portos brasileiros mais do que triplicou na comparação com 1992, chegando a 1,09 bilhão (t). 

Mudanças à vista

Recentemente, inclusive, o ITTI organizou um evento para debater as alterações no modelo de arrendamento que foram trazidas por um decreto federal no ano passado, que, apesar das investigações envolvendo a medida, que chegaram até o presidente Michel Temer, deve trazer transformações importantes ao setor. Entre o que muda, está o período de vigência da concessão, que passou de 25 a 35 anos, além da possibilidade de antecipar a prorrogação dos arrendamentos, que poderá ser feita em várias etapas (e não mais em apenas duas pernas), desde que o tempo total não passe de 70 anos.

O problema, segundo Ratton, é que simplesmente não há critério técnico para que essas renovações sejam feitas. “Ficou um pouco subjetivo”, diz o professor. “Quando vale a pena renovar antecipadamente ou esperar que acabe esse período e se faça uma nova licitação? Isso está faltando. Motivo pelo qual a universidade se propõe a apresentar uma metodologia, que vai dar uma ferramenta de gestão para o poder concedente, para que ela possa decidir.”

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E a infraestrutura?

Os novos tempos trazem novos dilemas, sem, muitas vezes, terem resolvido os antigos. Se os portos funcionam bem, chegar a eles nem sempre é tarefa simples. Um dos casos mais emblemáticos está nas regiões Norte e Nordeste do país, com o Matopiba, a fronteira agrícola formada por Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia.

Evento em Curitiba reuniu especialistas em arrendamentos portuários.
Eduardo Ratton: “O Estado tem dificuldade em modificar aspectos de investimentos não previstos em planos plurianuais e em programas de governos, e o privado tem essa flexibilidade”.
João Arthur Mohr, da FIEP: “O Estado apenas define a área e pergunta: ‘quem quer fazer?’ Aí a iniciativa privada vai lá e constrói”.
Ellen Brissac: “A concepção do Tegram era um acordo para facilitar o escoamento da carga que antigamente não tinha [saída]”.

Os quatro estados vêm ganhando escala na produção de grãos nos últimos anos e aumentando um gargalo que já era crítico com a expansão produtiva no Norte de Mato Grosso. Percebendo o potencial da região, estrangeiros têm investido pesado em infraestrutura, com portos particulares, ao mesmo tempo em que o governo não dá cabo de obras que garantam o acesso a esses terminais.

“Parte do nosso custo é pela deficiência da infraestrutura de transporte no Brasil, não só pelas distâncias. Os terminais portuários brasileiros, assim como as fazendas brasileiras, operam dentro dos padrões de eficiência internacional”, o diretor-presidente da Associação Brasileira de Terminais Portuários (ABTP), José Di Bella Filho, que representa mais de 60 terminais. “É necessário que as tarifas arrecadadas pelas autoridades portuárias - que não são nada mais que uma taxa de condomínio para manutenção - sejam adequadamente aplicadas para as necessidades de infraestrutura. Grande parte desse recurso se perde hoje.”

A gerente de arrendamentos do Porto de Itaqui, no onde fica o Terminal de Grãos do Maranhão (Tegram), Ellen Brissac, frisa o papel do investimento estrangeiro na ampliação da capacidade portuária, mas reconhece que ainda falta estrutura de escoamento ao país. “A concepção do Tegram era um acordo para facilitar o escoamento da carga que antigamente não tinha [saída]”, afirma. “A Ferrovia Norte-Sul tem suas dificuldades porque, quando chega a Açailândia (MA), encontra com a estrada de ferro Carajás, que está cada vez mais aumentando a produção e exportação de minério. Mas a Vale já está fazendo a duplicação da Carajás, e a gente acredita que com isso vá facilitar ainda mais o escoamento dos grãos.”

Obras de infra-estrutura permitem receber navios maiores e diminuem o tempo de espera. 
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No caso das rodovias, ela salienta que a duplicação da BR-135, que liga Minas Gerais ao Maranhão, passando por Bahia e Piauí, já foi concluída. “Durante muito tempo aquilo estava sendo um entrave muito grande, mas isso já acabou. Cada vez mais precisamos pensar em outras que estão precisando”, pontua a gerente.

Porto do futuro

Consultor em Infraestrutura da Federação das Indústrias do Paraná (FIEP), João Arthur Mohr acredita que, diante de restrições orçamentárias cada vez maiores apertando os gastos públicos, o papel pelo desenvolvimento da infraestrutura no país ficará cada vez mais a cargo da iniciativa privada, enquanto o Estado assume a função de gestor e regulador.

“O Estado apenas define a área e pergunta: ‘quem quer fazer?’ Aí a iniciativa privada vai lá e constrói”, diz Morhr. “Os berços de atracação serão um mix entre a iniciativa privada e o poder público. Com relação à dragagem de manutenção e aprofundamento: no Brasil é uma ação do poder público hoje. Em Paranaguá está funcionando muito bem, a APPA faz uma gestão boa, só que em outros portos do Brasil é muito problemático, inclusive estão pedindo que seja feita a concessão à iniciativa privada. Provavelmente será um mix gradativo. A ferrovia também será uma concessão com investimento privado, o que já existe com as rodovias”.