| Foto: PEDRO SERAPIO/PEDRO SERAPIO

A violência, apontada como um dos problemas mais críticos dos grandes centros urbanos, começa agora a preocupar cidades do interior, que têm na agropecuária a base principal de suas economias e dependem de grandes mercados para manter os níveis de emprego e renda. É o caso da pequena São José do Vale do Rio Preto, na região serrana do Rio de Janeiro, que registrou, durante todo o ano, seis roubos, uma impressionante média de um caso a cada 50 dias.

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Os assaltos têm se tornado o pesadelo de produtores, comerciantes e trabalhadores da pacata cidade. Isso porque metade de sua economia é movimentada pelos abatedouros, que enviam 80% de tudo o que produzem — cerca de 600 mil aves por semana — para a capital. Negócio garantido, pelo menos, até o ano passado.

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De lá para cá, a entrega de mercadorias virou uma roleta russa, a ponto de ameaçar o mais promissor setor de produção local. A descida da serra é quase uma certeza de prejuízo. O estado do Rio já contabiliza 30 roubos de carga por dia, a maioria na Região Metropolitana. Dados da Polícia Civil mostram que os gêneros alimentícios tornaram-se os principais alvos dos ladrões, junto com bebidas e cigarros. Se antes esse tipo de crime era praticado por quadrilhas especializadas, agora tornou-se braço financeiro do tráfico de drogas.

Em 2013, foram 3.534 roubos de carga no estado. Desde então, os números não param de aumentar: 5.890 registros, em 2014; no ano passado, 7.225 e, até outubro deste ano, 7.439 ocorrências. Estimativas da Polícia Civil e do Sindicato das Empresas do Transporte Rodoviário de Cargas e Logística do Rio de Janeiro (Sindicarga) mostram que devem fechar 2016 em 9 mil casos. Um crescimento de 154,66% nos últimos quatro anos.

Assim como aconteceu nas décadas de 1990 e 2000, quando o tráfico fez disparar os roubos de veículos, que eram revendidos no Paraguai para financiar o mercado de armas, atualmente as cargas desviadas representam para as quadrilhas uma mina de ouro no quintal de casa. Muitas indústrias e empresas de distribuição das mercadorias estão situadas justamente nas principais vias de acesso ao Rio que, por sua vez, são cercadas por favelas.

“De certa forma, isso facilita para o criminoso na hora de abordar o veículo e levá-lo até a comunidade, porque ele percorre um trecho muito pequeno, em que a chance de cruzar com um carro da polícia fica reduzida”, explica o delegado Maurício Duarte, titular da Delegacia de Repressão a Roubos e Furtos de Cargas (DRRFC). Segundo Duarte, o tráfico de drogas descobriu que roubar cargas é uma atividade muito lucrativa. “E esse lucro vem dos receptadores, maus comerciantes que acabam fomentando toda essa estrutura criminosa. Os traficantes de droga resolveram investir o poderio bélico deles nisso ”, explica o delegado, que vem realizando operações de cerco aos acessos dessas favelas para tentar coibir os roubos e, ao mesmo tempo, está investigando possíveis receptadores.

Em uma dessas operações, as equipes da DRRFC conseguiram resgatar trabalhadores e recuperar uma carga de frango que acabara de ser roubada na favela de Acari. Nervosos, o motorista do caminhão e seu ajudante contaram que foram obrigados a desviar por dentro da comunidade, porque, no meio do caminho, tinha sido erguida uma barreira.

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“Eu nunca tinha visto tanto homem armado junto”, contou o caminhoneiro que, mesmo depois de resgatado pela polícia, continuava em pânico. “Eu só tenho 15 dias de carteira (assinada). Essa foi minha quarta saída. Vou pedir para não fazer mais entrega em área de favela.”

Um dia antes, outro caminhoneiro tinha sido levado para dentro do Chapadão. Foi o quarto assalto sofrido pelo motorista de São José do Vale do Rio Preto, que, ao retornar para casa, avisou ao proprietário do abatedouro, Fabiano Rocha, que não vai mais fazer esse serviço: “eu vou bem até o pedágio em Xerém. Quando chego lá, entrego minha vida a Deus. Não dá mais.”

Dono do Andriolo Aves Abatidas, fundado na década de 1970, Fabiano contou que, no último ano, perdeu quatro dos 15 caminhões e um total de R$ 120 mil em mercadorias. “Não estamos mais aguentando o prejuízo . Eu já perdi quatro motoristas, profissionais que não querem mais fazer entregas para o Rio. Existe um risco sério de colapso e de desabastecimento. Nós já participamos de duas reuniões do Fórum de Segurança de Cargas, mas a situação é muito grave ”, afirmou.

Fora de controle

Segundo o diretor de Segurança do Sindicarga, coronel Venâncio Moura, voltado para a redução dos homicídios, o governo estadual não fez o investimento necessário para coibir o roubo de carga nos últimos anos. “Se as autoridades tivessem tomado providências para o aumento de casos, que naquele momento era localizado, não chegaríamos ao ponto que chegamos. O fato é que esse crime está fora de controle. Algumas empresas já não estão fazendo entregas em determinados bairros e, para piorar, São Paulo, Santa Catarina e Minas Gerais já têm restrições em relação ao Rio de Janeiro. Elas não aguentam mais tanto aumento de custo, não só com o valor do seguro, mas também com escoltas e outras medidas necessárias. Em outubro, nós registramos 943 roubos de carga, um recorde na história nacional”, afirmou o coronel, que não vê solução a curto e médio prazos para o problema, principalmente porque a situação se agrava com a crise financeira estadual.

O Polo Empresarial da Pavuna (PEP), com 36 empresas, fica em uma das regiões mais atingidas pelo roubo de cargas e instalou câmeras de alta definição em 20 pontos de maior incidência do crime. Não há um único dia em que o equipamento não grave flagrantes da ação dos assaltantes.

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“Esses crimes estão atingindo números inaceitáveis e extremamente prejudiciais à economia do estado. Nós já aumentamos em 60% os gastos com segurança. Nossas imagens são compartilhadas entre as empresas e também com a polícia na tentativa de ajudar no controle desse grave problema. São prejuízos milionários, sem contar que, com o trauma, motoristas muitas vezes têm que se afastar do trabalho e demoram a retomar suas atividades”, contou o presidente do Polo, Marcelo Andrade.