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Produtora Julie Flickner inspeciona folhas de couve na 80 Acres Farm, em Cincinnati, no dia 15 de outubro de 2018 | Maddie McGarvey/For The Washington Post
Produtora Julie Flickner inspeciona folhas de couve na 80 Acres Farm, em Cincinnati, no dia 15 de outubro de 2018| Foto: Maddie McGarvey/For The Washington Post

Mike Zelkind se posiciona em frente ao que um dia foi um contêiner de navio e abre a porta para o futuro.

Milhares de pés de couve crescem viçosamente sob o brilho cor de rosa de lâmpadas LED, numa cena que parece ter saído de filme de ficção científica ou, pelo menos, de um experimento da NASA. Mas Zelkind está no comando de um empreendimento em solo terrestre. Ele é o diretor executivo da 80 Acres Farms, uma fazenda de plantas indoor situada num bairro nobre de Cincinnati, à distância de parede e meia dos vizinhos.

Desde que surgiram no planeta, as plantas têm confiado na luz do sol para se alimentar e crescer pelo processo de fotossíntese. Mas Zelkind faz parte de uma mudança radical na agricultura – que vem maturando há décadas – em que as plantas podem ser cultivadas comercialmente sem um único raio de sol. Vários avanços tecnológicos tornaram isso possível, mas nenhum com tanto destaque como as inovações na iluminação por lâmpadas LED.

“O que é a luz solar da perspectiva de uma planta?”, pergunta Zelkind. “É um monte de fótons”.

As luzes de diodos, que funcionam pela passagem de corrente entre semicondutores, já percorreram um longo caminho desde que apareceram pela primeira vez nas telas de calculadoras, nos anos 70. Em comparação com outras formas de iluminação elétrica, os diodos emissores de luz consomem menos energia, liberam pouco calor e podem ser manipulados para otimizar o crescimento das plantas.

Em aplicações agrícolas, as lâmpadas de LED são usadas de maneiras que tocam a fronteira da alquimia, mudando o jeito das plantas crescerem, quando florescem, seu sabor e até mesmo seus níveis de vitaminas e antioxidantes. Essas luzes também podem aumentar o seu tempo de vida na prateleira.

“As pessoas não têm noção do impacto daquilo que estamos fazendo”, diz Zelkin, que utiliza diferentes fórmulas de iluminação, por exemplo, para produzir dois tipos de manjericão da mesma planta: um mais adocicado para as quitandas e outro mais picante para os chefs.

Para Zelkind, ex-executivo de uma empresa de alimentos, sua fazenda indoor e sua iluminação hi-tech estão mudando não apenas a maneira de fazer as plantas crescer, mas todo o intricado sistema de produção, precificação e distribuição de alimentos nos Estados Unidos.

Mike Zelkind, diretor executivo da 80 Acres Farms, se especializou no cultivo à luz de lâmpadas LEDMaddie McGarvey/For The Washington Post

Fazendas altamente tecnológicas de alimentos estão surgindo nos EUA e em todo o mundo. Os empreendedores são atraídos pela ideia de desafiar o status quo, enfrentar as mudanças climáticas e brincar com um conjunto de sistemas de alta tecnologia, que inclui as lâmpadas LED. Em suma, agricultura indoor é algo legal de fazer.

Os críticos, no entanto, veem isso como um devaneio com alta probabilidade de não cumprir a promessa de alimentar uma crescente população urbana. Zelkind concorda que algumas das expectativas são irreais, mas ele oferece algo diferenciado: prateleiras lotadas de hortaliças frescas, produzidas sem pesticidas e consumidas localmente, um ou dois dias após a colheita. As plantas exigem apenas uma fração de terra, água e fertilizantes que são utilizados na agricultura convencional. Não é preciso variedades desenvolvidas para resistir a doenças ou plantas geneticamente modificadas para suportar as intempéries climáticas. E sua colheita não tem de viajar pelo país em caminhões refrigerados, saindo de fazendas vulneráveis aos efeitos do aquecimento global.

“As mudanças climáticas estão tornando as coisas mais difíceis para várias fazendas, neste país e no mundo”, diz ele, falando de seu escritório com vista para uma cozinha de demonstração para chefs e outros convidados. Além de moldar o desenvolvimento das plantas, as lâmpadas LED possibilitam ciclos de safra mais rápidos. Isso permite que Zelkind e sua equipe produzam todo ano 9 toneladas de folhosas, legumes, ervas e brotos em uma área de 365 metros quadrados. Tal volume de produção exigiria pelo menos 80 acres de terras agrícolas (daí o porquê do nome da empresa, 80 Acres – o equivalente a 32 hectares). Zelkind diz que consegue cultivar espinafre, por exemplo, em um quarto do tempo que seria necessário a céu aberto e na metade do tempo de uma estufa. Livre para plantar o ano todo, independentemente do clima lá fora, o empresário pode ter 15 ou mais colheitas anuais. “Multiplique isso pelo número de prateleiras e veja o que significa produtividade!”

Zelkind e sua sócia, Tisha Livingston, presidente da 80 Acres, compraram o armazém abandonado, trouxeram alguns contêineres usados e converteram o espaço em várias zonas de plantações, em que sofisticados sistemas ambientais monitoram e regulam constantemente temperatura, umidade, fluxo de ar, níveis de dióxido de carbono e saúde das plantas. Cultivadas de forma hidropônica, as raízes são banhadas em água enriquecida com nutrientes. A umidade e os nutrientes não utilizados, exalados pelas plantas, vão para reciclagem.

Produtor David Litvin colhe tomoates na 80 Acres Farms em Cincinnati, Ohio, no dia 15 de outubro de 2018Maddie McGarvey/For The Washington Post

Foi a iluminação LED, no entanto, que mudou o jogo. As estufas convencionais dependem de lâmpadas de sódio de alta pressão para suplementar a luz solar. Essas lâmpadas HPS não são a melhor combinação com painéis de energia solar porque consomem muita energia para gerar luminosidade. Elas também lançam muito calor e não podem ficar perto de brotos ou verduras ainda jovens. As estufas, que ainda dominam o cenário da agricultura indoor, estão começando a utilizar uma combinação de lâmpadas HPS e LED para complementar a luminosidade, mas analistas já preveem o dia em que haverá apenas as lâmpadas LED.

Nos últimos três anos, aponta Zelkind, os custos de iluminação LED caíram pela metade, enquanto sua eficiência, ou energia luminosa, mais do que dobrou.

A produção na região de Cincinnati iniciou em dezembro de 2016. Em setembro passado, a empresa começou a primeira fase de uma grande expansão, a 50 quilômetros de distância, em Hamilton, Ohio. Ali serão levantadas três fazendas totalmente automatizadas com área de 45 mil m2, e uma quarta unidade, de 9 mil m2, onde serão cultivadas plantas rasteiras (como abóboras e melancias). A empresa também tem operações indoor no Alabama, na Carolina do Norte e no Arkansas, que funcionam como laboratórios de testes para a tecnologia.

“Achamos que é a hora certa para darmos um salto, porque a eficiência de iluminação já é uma realidade”, diz Livingston.

O espectro óptico é medido em comprimentos de onda minúsculos, mudando da cor azul-violeta numa extremidade até o verde e o vermelho na outra. Durante décadas, os cientistas sabiam que a fotossíntese é otimizada dentro da faixa vermelha, mas as plantas também precisam de ondas de luz azuis para evitar o alongamento e melhorar a cor das folhas.

Uma faixa pouco visível além do vermelho, conhecida como vermelho distante, promove folhas maiores, que ramificam e florescem melhor. Com os avanços da tecnologia LED, as receitas de luminosidade - número de horas de luz, intensidade dos fótons direcionados às plantas e a mistura de cores - podem ser ajustadas para cada cultura e até mesmo para cada etapa da vida de uma planta.

Devido à rápida evolução tecnológica e seu elevado potencial comercial, os fabricantes de lâmpadas e as universidades estão ativamente envolvidos em pesquisa e desenvolvimento, com frequência em projetos de cooperação.

“Temos um campo completamente novo de pesquisa”, diz Leo Marcelis, professor de horticultura da Universidade de Wageningen, na Holanda. Ajustar os padrões de luminosidade permitiu aos pesquisadores manipular as culturas de uma forma nunca vista antes. No laboratório, os crisântemos florescem sem a prática tradicional de reduzir sua exposição diária à luz do dia. Isso permitirá que os produtores produzam plantas com flores maiores.

“É como brincar com a luz azul no momento certo do dia”, diz Marcelis. “O relógio interno é afetado de forma diferente, por isso a planta não reconhece completamente que ainda é dia. Há muitas respostas surpreendentes das plantas à exposição da luz.”

A alface, por exemplo, gosta de 18 horas de luz por dia, mas o manjericão prefere uma luz mais intensa por 15 horas, diz Celine Nicole, pesquisadora da Signify, antiga Philips Lighting. “Cada planta tem sua própria preferência”, aponta Nicole, que conduz pesquisas no laboratório de alta tecnologia da empresa em Eindhoven, Holanda. Ela já testou 600 tipos de alface.

David Litvin inspeciona plantas na 80 Acres Farm em Cincinnati, Ohio, enquanto Devon Brown prepara rótulos para as embalagens,Maddie McGarvey/For The Washington Post

Embora as permutações ainda estejam sob estudo, o sol de repente parece estar em desvantagem. “O espectro da luz solar não é necessariamente o melhor ou o mais desejável para as plantas”, diz Erik Runkle, cientista de plantas da Michigan State University. “Acho que podemos produzir uma planta melhor com luzes LED”, diz ele. “A questão agora é: será possível fazer isso de forma economicamente viável, considerando o custo de produção das plantas indoor?”.

A resposta parece ser sim. As remessas de lâmpadas LED para produtores em todo o mundo devem crescer a uma taxa média anual de 32% até 2027, de acordo com um relatório de mercado da Navigant Research, de Boulder, Colorado. Os carregamentos de LED vão ultrapassar os das luzes antigas a partir de 2019, diz Krystal Maxwell, que escreveu o relatório com Courtney Marshall.

A maior parte do crescimento virá da iluminação suplementar em estufas, mas as fazendas verticais são vistas como um sistema alternativo de produção que se desenvolverá ao lado de estufas, sem excluí-las, diz Marcelis.

Aerofarms

Runkle estima que existam 40 ou mais fazendas verticais nos Estados Unidos, e novas estão abrindo a cada ano com a ajuda de investidores abastados. Em um dos maiores negócios, a AeroFarms, com sede em Newark, arrecadou US $ 40 milhões no ano passado. A Plenty, com sede no sul de São Francisco, levantou US $ 200 milhões em 2017 para uma rede global de fazendas verticais. (Um dos patrocinadores é uma empresa de capital de risco criada pelo fundador da Amazon, Jeff Bezos, que também é dono do The Washington Post.)

Zelkind se recusou a revelar seus custos, mas, para startups, as fazendas verticais movidas a LED podem ser uma das formas mais lucrativas de agricultura. “Com base nos fabricantes e produtores com quem falei, é aí que está o dinheiro”, diz Marshall.

Os críticos argumentam que grande parte da empolgação em torno da agricultura indoor não se justifica, e dizem que o método não cumprirá as promessas de alimentar um planeta cada vez mais urbanizado e de reverter os danos ambientais da agricultura mecanizada, principalmente porque a maioria dos alimentos básicos, como milho, trigo e arroz, não pode ser cultivada de forma viável dentro de casa.

Além disso, construir fazendas indoor suficientes para milhões ou bilhões de pessoas seria absurdamente caro. Runkle diz que a agricultura vertical “não deve ser considerada como solução da maioria dos problemas alimentares do mundo”. Mas é uma forma viável de produzir verduras e plantas de alta qualidade e valor agregadp durante todo o ano.

Para Zelkind, o que ele está fazendo pode ser novo, mas é apenas um componente da forma como nos alimentamos neste século. “Não devemos exagerar o que fazemos. Um dia ela será muito importante, mas a agricultura vertical sozinha não é a solução para tudo. ”

Ele acrescenta, no entanto, que “não há razão para despachar verduras da Califórnia para Ohio”. Livingston compara alimentos cultivados à luz de LED com o advento dos smartphones. “Daqui a cinco anos, todo mundo vai conviver com a agricultura indoor e perguntará como é que nos virávamos sem ela”, diz.

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