Basta buscar por “alimentos processados” no Google para ter uma ideia da falta de consenso sobre o termo. “Na verdade, significa alterar o estado natural dos alimentos de forma que facilite o consumo, estendendo a vida de prateleira, ou seja, a data de validade”, define o doutor Airton Vialta, pesquisador científico do Instituto de Tecnologia de Alimentos de São Paulo - ITAL.
O alimento pode ser processado em casa, em estabelecimentos ou em indústrias. A diferença é que,em uma padaria, por exemplo, é feito um processamento de pequena escala. Já a indústria faz o mesmo processo em grande escala. E o professor esclarece: não é porque saiu da indústria que o alimento é mais ou menos saudável. Na entrevista abaixo, concedida à Gazeta do Povo, o especialista desmistificou o tema:
Gazeta do Povo - As pessoas geralmente relacionam alimentos processados com congelados e embutidos, por exemplo. Quais alimentos podem ser considerados desse tipo?
Airton Vialta - Os norte-americanos usam um termo mais apropriado: alimento embalado, porque normalmente o processado é embalado. O que não é in natura, ou cru, passou por algum tipo de processo. Existem vários tipos, incluindo em pó, formulados, embutidos, iogurtes, queijos. Temos também embutidos, cárneos. Até a carne a vácuo tem um processamento tênue.
Precisamos passar a ideia da importância do alimento processado para a população atualmente, já que vivemos basicamente na cidade e precisamos do abastecimento adequado que só conseguimos através do alimento processado.
GP - E qual é a diferença entre alimentos minimamente processados, processados e ultraprocessados?
AV - Alguns produtos sofrem processos básicos, como desinfecção, além daqueles embalados após lavados e cortados, como vegetais prontos para consumo. Nesse caso, as pessoas usam o termo minimamente processados. Outra gama de produtos passa por um tratamento térmico, como o leite, que sofre a pasteurização para eliminar micro-organismos patogênicos. O leite UHT também, só que esse passa por um tratamento um pouco mais severo, em um ambiente asséptico, e embalado em uma embalagem apropriada para durar meses ao invés de dias.
Ultimamente tem surgido, por conta do guia alimentar, o termo do ultraprocessado. Essa é uma coisa que inventaram e não faz sentido algum. Falam, por exemplo, que o ultraprocessado teria mais que cinco aditivos, mas isso não tem nada a ver com ciência de tecnologia e alimentos.
GP - Existem desvantagens na produção de alimentos processados?
AV - Não, pelo contrário. Na estrutura da sociedade que temos hoje, com a maior parte da população vivendo nas grandes cidades, não é possível viver apenas de alimentos in natura. A grande vantagem é que as indústrias adquirem as matérias primas para o produto fazendo o controle de qualidade. Existe toda uma regulamentação exigida para o controle e industrialização.
Sabe qual a diferença entre um bolo que você faz na sua casa e um comprado, embalado ou industrializado? Em casa, na hora de preparar um bolo, o refinamento dos controles que você tem é muito pequeno. Você vai juntar os ingredientes, bater no liquidificador e colocar no forno, mas não vê exatamente a temperatura que está assando. Já a indústria tem esse controle. Até porque, imagine, comprar um bolo em uma semana estar de um jeito e uma semana de outro, com uma cor ou sabor diferente. Então a indústria tem todo esse processo de padronização, segurança e qualidade que a gente não tem em casa.
GP - E esse processamento industrial não apresenta riscos?
AV - A grande crítica das pessoas é o uso de aditivos. Em alguns alimentos processados, não precisa. Em outros, tem que usar. No caso do bolo, para não crescer bolor em três ou quatro semanas, você precisa usar sorbato (um tipo de conservante antifúngico), por exemplo. Você também usa como aditivo um corante para processar a cor, e pode utilizar um aroma. O que a indústria faz é deixar o produto padronizado, atrativo e seguro. Isso também viabiliza toda distribuição para cidades e exportação. O que a gente vê é a existência de muitos mitos. Alguém inventa uma dieta falando que o produto natural é melhor, mas sem fundamentação científica.
O que precisamos destacar para a população é que toda a produção de alimentos tem uma regulamentação. Agências como Anvisa e Ministério da Agricultura são responsáveis por aprovar, cuidar e fiscalizar toda a produção. Se houvesse um aditivo que comprovadamente aumentasse o risco de câncer, você acha que a Anvisa ou qualquer outra agência do mundo ia permitir que as indústrias usassem?
GP - Não existe o risco de esses aditivos serem utilizados em doses acima do permitido?
AV - Esses aditivos são usados em uma quantidade muito pequena nos produtos com objetivos específicos. E antes de serem aprovados, passaram por testes toxicológicos e de segurança. Na forma como são consumidos, os aditivos são seguros. E se com o passar do tempo a ciência demonstrar que determinado aditivo pode representam algum perigo, a Anvisa vai proibir e será preciso arrumar um outro aditivo melhor.
Então, não é uma coisa que a indústria faz como quer. Existe todo um arcabouço legal que precisa ser respeitado. E a empresa está colocando o nome dela em jogo, além do que, se houver algum problema, ela vai responder legalmente.
ITAL tem site sobre alimentos processados
Com o apoio da Secretaria de Agricultura de São Paulo, o Instituto de Tecnologia de São Paulo possui um website que apresenta definições, benefícios, mitos e fatos sobre a indústria de alimentos e bebidas, além de destacar o conceito de alimentos processados. O material educativo está disponível no link: http://www.alimentosprocessados.com.br/.
GP - Um dos argumentos contrários aos alimentos processados industrializados supõe uma alta quantidade de sódio, como os chamados congelados, que oferecem massas de variadas marcas. Inclusive, há indústrias que incluem em seus rótulos o selo de 30% menos sódio. Existe fundamento nesse tipo de crítica?
AV - Normalmente não. Falam que alimento industrializado tem muito sódio. Um ou outro item pode ter um pouco mais. Mas como uma indústria chegou a fazer um yakissoba, lasanha ou escondidinho congelado? É porque são receitas caseiras ou feitas por chefs com aceitação histórica, e a indústria passou a industrializar esse processo. Então, geralmente a quantidade de sódio não é muito diferente da lasanha que se faz em casa. A diferença é que você tem a opção de colocar mais ou menos sal, mas corre o risco de perder o sabor. Então, proporcionalmente, a quantidade de sal dos produtos industrializados não tem muita diferença aos similares caseiros.
GP - O brasileiro tem exagerado no consumo de alimentos industrializados?
AV - Em média, 22% do que a população brasileira consome é industrializado, e 77% são de produtos in natura ou não industrializados, como arroz, feijão, verduras, carnes do açougue.O pessoal ‘pega no pé’, mas precisaria fazer um trabalho nos lares e restaurantes para não exagerar no sal. A indústria não se recusou a fazer isso. Inclusive, no mercado há várias opções a redução de sódio.
A indústria responde e tenta satisfazer o desejo do consumidor. Porém, existem situações em que isso não é possível, como quando é feita a produção de uma carne enlatada: é preciso colocar um conservante chamado nitrito, para não se correr o risco de crescer uma bactéria chamada clostridium botulinum, que pode matar uma pessoa. Muito do que se fala é porque, na média, a população não conhece a fundo a ciência e a tecnologia de alimentos, sobre o porquê é preciso colocar aditivos. As pessoas muito à mercê de informações mal colocadas e sem embasamento científico, de figurões e famosos que inventam dietas malucas, escrevem livros e ficam ricos. As pessoas ficam com isso na cabeça.
GP - O custo de produção de alimentos industriais processados ajuda a deixar os alimentos mais baratos?
AV - Por ser industrial, você já tem o ganho de escala. E ao contrário do alimento feito em casa e mesmo dos restaurantes, a indústria tem que ser eficiente para ficar no mercado. Então as indústrias vão tentar sempre fazer com menor consumo de energia, água e buscar utilizar todos os eventuais subprodutos. Nesse sentido, todos esses fatores levam a uma estabilidade no mercado. Veja o leite. Diferente dos vegetais, que são sazonais e tem épocas com maior ou menor fornecimento, imagine um período de produção muito baixa de leite. Caso não fosse possível produzir o leite longa vida, um queijo que dure mais, ou um iogurte, e dependêssemos apenas de leite pasteurizado com vida de prateleira curta, teríamos uma oscilação de preços muito grande. Então, a industrialização também serve para essa regulação da oferta do produto.
GP - Esse menor custo seria uma maneira também de melhorar o abastecimento alimentar do país e combater a fome?
AV - Sim, na medida em que se consegue regular produção, e ter uma vida de prateleira maior, contribui-se com a segurança alimentar, que é o fornecimento em qualidade e quantidade para toda a população. Basta imaginar o que aconteceria com vegetais, como brócolis e couve flor, se vendesse só in natura. A perda seria muito grande em transporte e aumentaria o risco de estragar. Se você tem a possibilidade de congelar, você estende a vida de prateleira. Assim aumenta a possibilidade de distribuição dos produtos. Até porque já existe uma perda muito grande na produção até chegar à indústria. Claro, você tem perdas na cadeia inteira, inclusive na indústria e em casa. Estudos mostram que um terço dos alimentos produzidos em toda a cadeia é perdido.
GP - Em relação ao grau nutricional desses alimentos: ele é similar ao in natura?
AV - É lógico que varia muito de produto para produto, pois depende do tratamento realizado. Ao congelar um vegetal, pode-se perder alguma vitamina. Mas por outro lado, se mantiver o in natura, você também perde na medida em que os dias passam. De maneira geral, pode ser dito que a industrialização do alimento consegue preservar a característica por um tempo maior. É lógico que você tem uma perda, mas se você analisar no conjunto isso não é significativo.
GP - Por fim, qual dica você poderia dar para o consumidor antes de comprar esses alimentos?
AV - Cada consumidor tem uma realidade. Não existe alimento ruim ou alimento bom. Existem hábitos ruins e bons para cada pessoa. Digamos que eu seja hipertenso e diabético. Se eu for me alimentar, eu não posso comer açúcar, então procuro produtos diet. Se for comer massa, preciso comer controladamente. E se eu tenho hipertensão, tenho que reduzir sódio. Já o obeso precisa ingerir menos calorias, e até nesse sentido o alimento processado pode ser útil porque consta no rótulo as informações nutricionais e o número de calorias.
Dentro disso, não importa se você vai comer um alimento in natura, processado, orgânico, transgênico ou não transgênico. Desde que produzido com boas práticas, eles são saudáveis e seguros. O que o consumidor realmente precisa é criar o hábito adequado ao seu estilo de vida. Quem tem dúvidas, deve procurar um nutricionista para fazer o balanceamento. Não existe razão alguma do ponto de vista cientifico para preterir alimentos processados.