De olho no mercado bilionário da agricultura de precisão, startups, multinacionais, universidades e centros de pesquisa estão numa corrida de bits e bytes atrás de soluções que ajudem o agricultor a entender e aprimorar a produtividade de suas lavouras.
Mas essa é apenas a primeira etapa do “sprint” tecnológico envolvendo drones, satélites e sensores instalados em tratores e colheitadeiras. A segunda parte do desafio, segundo o professor José Paulo Molin, coordenador do Congresso Nacional de Agricultura de Precisão (que acontece de 02 a 04/09, em Curitiba), envolve a formação de pessoas capazes de traduzir a “big data” do agro.
“Temos uma Fatec, em São Paulo, que vai formar no ano que vem a primeira turma de tecnólogo em BigData na agricultura. Se já tiveram coragem de criar uma profissão, subentende-se que estamos muito próximos de ter esses dados de big data. Em seguida, vamos precisar de gente que saiba utilizar ferramentas e fazer a análise desses dados, para tirar informações úteis para o agricultor”, diz Molin.
Confira a entrevista com o coordenador do congresso.
Analytics, Machine Learning, Data Mining, Deep Learning. Esses conceitos estão todos, de alguma forma, ligados às últimas tendências da agricultura de precisão. Mas o elemento humano na outra ponta, ou seja, os produtores, técnicos e agrônomos, estão conseguindo acompanhar a velocidade das transformações?
Esses termos que você mencionou são novos não só para a agricultura. Para a agricultura de precisão eles são novíssimos, mas também são muito recentes para todos os outros segmentos da economia. A técnica é um pouco mais antiga, mas agora essas subdivisões e abordagens estão sendo propostas para aplicações na agricultura. Um pouco pela academia, um pouco pelas startups, sim, elas estão chegando. Mas, na minha opinião, o agricultor pouco vai precisar saber sobre isso. Ele precisa de soluções, e esses são caminhos para chegar às soluções.
O que se espera, e que, aliás, é a temática do próprio congresso, é construir os dados para uma agricultura na era digital. Não adianta ter ferramenta de análise de dados se não temos esses dados. E o agricultor hoje não tem dados, ou tem muito pouco. Não adianta passar maquiagem. Estamos começando a desbravar esse mundo de coletar dados das lavouras. Das máquinas já temos um pouco, mas da lavoura não temos nada. Então estamos começando a garimpar meios de coletar dados, para depois podermos analisá-los. Estamos falando de dados que viabilizem a gestão da lavoura ao nível de talhão.
Qual é a essência da agricultura de precisão?
Agricultura de precisão é gerenciar as lavouras considerando que elas não são uniformes. O resto vem como anexo, claro, e são todos bem-vindos. Mas essa é a essência de uma agricultura com mais precisão. Tratar as diferenças de forma distinta. Isso é uma coisa que surge na virada do milênio, até então o mundo inteiro tratava todas as lavouras de forma igual. A universidade ensina a tratar a lavoura de forma uniforme, o consultor ensina a tratar a lavoura de forma uniforme. Mas a agricutlura de precisão vem dizer: dá para fazer ima coisa muito boa, dá para otimizar as lavouras, os insumos e a lucratividade, a partir das diferenças. Agora, não dá para dizer que os agricultores já têm dados para fazer isso. Ainda temos muito pouco. Estamos começando a adquirir esses dados de lavoura que ajudam a otimizá-la. Hoje essas informações são coletadas pelas máquinas, principalmente a colheitadeira, o pulverizador, o drone e o satélite. Mas nós precisamos de muito mais.
No caso das máquinas, numa usina de cana-de-açúcar, por exemplo, que trabalha 24 horas por dia, são coletados inúmeros dados por meio de sensores. Hoje já é possível levá-los para a nuvem, ou para um servidor, e aí então sim ter um sistema analisando esses dados e monitorando o comportamento da máquina. Opa, ela saiu do normal? Alguma coisa está para acontecer. Então vou lá e faço interferência na máquina, salvo a máquina e salvo o tempo que ela ia ficar parada. Esse tipo de benefício já está tangível, já é ofertado para o agricultor. São informações que precisam estar organizadas. O lado máquina está um pouco mais adiantado, mas a lavoura ainda não tem isso.
O que precisa acontecer para acertar o passo, para diminuir essa diferença?
A máquina está mais adiantada porque ela já tem eletrônica embarcada. Colheitadeira, trator, pulverizador, todos têm eletrônica muito parecida com a do automóvel e do caminhão, que gera dados, coleta e transmite. Mas a mesma máquina ainda tem um monte de outros gargalos. Vamos falar do gargalo mais simples, que também está na pauta, que é a conectividade. A máquina tá lá no campo coletando dados, mas não consegue enviar para a nuvem e para o servidor, porque não tem comunicação no campo, isso não existe hoje. Vamos resolver para os próximos anos, mas hoje ainda não temos solução.
Se pegar uma propriedade de médio-grande porte, existe um cara que cuida da máquina. Ele cuida da frota e tem um padrão tecnológico disponível para ficar monitorando as máquinas. Agora, o cara que cuida da lavoura não tem a oferta das mesmas soluções. Ele ainda está em outro mundo, aguardando soluções tecnológicas para coletar bons dados da lavoura, para poder tornar decisões mais inteligentes. Esse é o lado que a gente considera mais demandante, algo que torne prática a geração de bons dados. São dados obtidos por drones, satélites e sensores embarcados na máquina, para que a pessoa que cuida da lavoura entenda a variabilidade dessa lavoura. Isso é a essência da agricultura de precisão. estamos no caminho, mas com poucas soluções disponíveis, prontas e funcionais. Há muito espaço para desenvolvimento, investimento e para tecnologias vindas de fora para a agricultura.
Os benefícios econômicos da agricultura de precisão parecem ser bastante conhecidos, como o aumento de produtividade, distribuição precisa de sementes, adubação e fertilização na medida da necessidade das plantas e do solo.
O que dizer dos benefícios ambientais?
A abordagem que deu nome à agricultura de precisão é a que diz que aqui a lavoura é diefente de lá, dentro do mesmo talhão, numa distância de 50 ou 200 metros. Então, se aqui é diferente de lá, eu não posso tratar igual. Aqui vou tratar de uma forma e lá de outra. Essse é o argumento mais ambiental que eu conheço para esse momento histórico da agricultura, ou seja, colocar a quantidade certa no lugar certo. Deixar de jogar fora não porque é dinheiro que vai fora, mas porque é contaminante que vai para o lago ou o lençol freático. É essa a questão do benefício ambiental da agricultura de precisão. E estamos falando de fertilizantes e de agroquímicos, que são dois grandes geradores de desequilibrio.
O que dizer sobre o desafio da conectividade? Alguns fabricantes gigantes como Johnn Deere e Agco estão entrando nessa área.
Sim, mas não serão essas empresas de maquinas que vão solucionar a conectividade. Serão as empresas de telecomunicações, não as de hoje, mas as que estão surgindo por aí. É um assunto de telecomunicação, não é assunto de máquina. As empresas de máquinas querem a conectividade porque elas já têm tecnologia embarcada que precisa andar pelo wireless para chegar à nuvem.
Um dos painéis do congresso se chama “BigData Agro – Como lidar com isso?” Pode falar a respeito?
Nós colocamos esse tema aí porque já tem uma escola técnica aqui em São Paulo, uma Fatec, que vai formar no final desse ano a primeira turma de tecnólogo em bigdata na agricultura. Eles tiveram coragem de criar uma profissão. Subentende-se, e eu os conheço muito bem, que estamos chegando próximos de ter dados. Então, se temos dados, precisamos ter gente que saiba tirar informação desses dados. Essa é a tendência dos próximos anos. Vamos ter gente que desenvolve ferramentas e gente que saiba usar as ferramenta para análise de grandes conjuntos de dados, tirando desses dados informações úteis para o agricultor.
Hoje já temos algumas iniciativas de grandes empresas, que já devem ter lá no seu quartel-general alguma coisa relacionada a soluções de bigdata. Mas isso ainda não chegou ao agricultor. E daqui a alguns dias vamos ter isso muito provavelmente rodando no nível de cooperativa, por exemplo. Aliás, a fundação ABC, de Castro, já está desenvolvendo uma plataforma para fazer esse tipo de abordagem para seus associados. Essa é a expectativa que a gente tem, que isso chegue ao nível do usuário final. Ou seja, ele coleta bastante dados e precisa que isso vire informação para uma lavoura mais bem feita, mais otimizada – esse é o nosso sonho de consumo.
SERVIÇO
Congresso Brasileiro de Agricultura de Precisão: “Construção de Dados na Era da Digitalização Agrícola”
De 02 a 04 de setembro de 2018
Expo Unimed - Rua Professor Pedro Viriato Parigot de Souza, 5.300 - Curitiba (PR)
Inscrições a partir de R$ 350,00
Outras informações: http://conbap2018.asbraap.org/index.php
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