A Argentina chora uma quebra de safra histórica, Donald Trump declara guerra comercial à China, enquanto a eleição presidencial no Brasil trilha um caminho imprevisível – e inflamável - com a prisão do ex-presidente Lula: feito afluentes de um rio chamado “Instabilidade”, as notícias desaguaram no litoral paranaense.
O resultado é que o preço da soja disponível no Porto de Paranaguá já passa (e com folga) dos R$ 80, oscilando entre R$ 85 e R$ 88 a saca de 60 kg. Nesta mesma época do ano passado, o valor não passava de R$ 65. E o mercado não descarta que o grão valorize ainda mais, batendo perto de R$ 100 por saca de 60 kg, o que não ocorre desde 2016, quando foi a safra brasileira que quebrou.
“É uma soma de fatores”, diz o analista da Granopar, Aldo Lobo. “Inicialmente foi a quebra na Argentina, que está perdendo de 15 milhões a 20 milhões de toneladas, o que é muito significativo. A Argentina é o maior exportador de farelo e óleo no mundo. Como eles têm menos para exportar, o preço do farelo disparou e isso acaba levando todo mundo para cima, influencia toda a cadeia.”
Lobo destaca que a interferência política, com a tensão envolvendo a prisão de Lula, mexeu com o câmbio, levando o dólar a mais de R$ 3,40 e impactando o preço da commodity. Com relação a Trump, no entanto, ele minimiza os impactos do anúncio de que a China irá taxar a soja norte-americana. “[O preço] já estava nesse patamar antes da confusão e a possibilidade de um acerto já deu uma amenizada”, argumenta.
O analista da AgResource Brasil em Chicago, Tarso Veloso, enfatiza, contudo, que as disputas entre norte-americanos e chineses já começam a dar sinais no mercado, tanto nas cotações quanto nas estimativas para o comércio internacional da oleaginosa. “A seca na Argentina foi altista para os preços e a guerra comercial acaba colocando uma ‘tampa’ no mercado, já que os investidores ficam mais receosos”, diz. “Os importadores chineses vão evitar comprar soja dos EUA com medo de tarifas e isso coloca uma resistência na CBOT [Bolsa de Chicago] por conta do aumento dos estoques nos EUA. Tanto é que o USDA [o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos] previu que o Brasil vai exportar 73 milhões de toneladas contra 66 milhões de toneladas antes, o que foi excelente para os prêmios no Brasil. Mas eles já caíram um pouco por que a soja brasileira acabou ficando muito mais cara que a americana.”
Paranaguá em alta
Em 2017, o Porto de Paranaguá obteve o melhor resultado de sua história com as exportações de soja e bateu 11,35 milhões de toneladas, cerca de 3 mi (t) acima do volume embarcado em 2015, ano do antigo recorde. Diante de mais uma colheita cheia no Paraná e da atual configuração de mercado, a expectativa é de que o número seja pelo menos igualado.
De acordo com o USDA, os chineses devem importar nesta safra 97 milhões de toneladas e, mesmo mais cara, podem absorver ainda mais soja brasileira. “Essa guerra comercial fez a demanda aumentar no Brasil, na América do Sul, e com a demanda subindo aqui, aumentaram os prêmios. Eles muito mais que compensaram a queda em Chicago [por causa da tensão EUA vs. China]”, avalia Camilo Motter, da Granoeste.
Ainda assim, impulsionada pela Argentina, a soja em Chicago continua valorizada. Em março, a média foi de US$ 10,37 por bushel, contra US$ 9,91/bushel em março de 2017. E isso mesmo com a colheita brasileira entrando na reta final. A expectativa é de que a produção bata mais um recorde e ultrapasse os 115 milhões de toneladas, cerca de 5 milhões de toneladas a mais do que na temporada passada, segundo o Índice Brasil da Expedição Safra.
Nesse caminho, a safra promete para produtor brasileiro, que tende vender bem mas sem perdas na lavoura, diferentemente de 2016. “Acho que esse é um ano de preços firmes, o Brasil aumentou sua perspectiva de produção em 10 milhões de toneladas [desde o início da safra], mas a Argentina perdeu 20 milhões de toneladas”, pontua Aldo Lobo. “Como os Estados Unidos estão reduzindo área, tem a possibilidade de ficar acima de R$ 80 e se não for a R$ 100, caso aconteça algo com a safra nos EUA. Essa alta nos preços pode motivar área maior por lá e segurar um pouco o preço, mas não a ponto de cair para R$ 70.”
Diferentemente do último relatório do USDA, que previu 36 milhões de hectares, Camilo Motter acredita que área de soja dos norte-americanos – que está começando a ser semeada - deve ser pelo menos igual à da campanha passada, ou seja, 36,4 milhões de hectares.
“Mas ninguém sabe o comportamento do clima no Meio-Oeste americano, vai ser um fator decisivo”, frisa o analista. “Os preços ganham muita sensibilidade a qualquer problema lá. Com quebra na Argentina e a maior demanda pelo produto brasileiro, e os menores estoques mundiais, a safra americana ganha contornos de muita sensibilidade.”
Além disso, há o câmbio, que tem sido determinante para as exportações, mesmo em períodos de entressafra. Neste momento, o mundo olha para o Brasil. “Se Lula conseguir transferir muitos votos para o Ciro, o mercado não vai gostar. Se Meirelles ou Alckmin crescem, é bom para o real”, opina Tarso Veloso.
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