Quando buscava votos na convenção primária de Iowa, no ano passado, o candidato Donald Trump cortejava os produtores rurais com elogios ao etanol e promessas de que daria um novo impulso ao combustível renovável feito de milho.
Agora aqueles produtores e outros apoiadores dos biocombustíveis dizem que as pessoas que o presidente Trump colocou para cuidar do assunto em Washington estão impulsionando, na verdade, os rivais da indústria petrolífera.
“Isso parece história de pescador”, diz o senador republicano por Iowa Chuck Grassley. “A grande indústria do petróleo e das refinarias está prevalecendo, apesar da conversa em sentido contrário”.
A questão é politicamente delicada para Trump, porque joga a industrial petrolífera contra os eleitores do meio-oeste que o ajudaram a se eleger. Trump repetidamente prometeu “proteger” o etanol. Mas encheu seu gabinete com aliados da indústria do petróleo, que consideram a política de apoio aos combustíveis renováveis muito cara e onerosa.
Os produtores de etanol estão particularmente perplexos com Scott Pruitt, o chefe da Agência de Proteção Ambiental (EPA). A agência tem proposto uma série de modificações na regulamentação em favor das petrolíferas e em prejuízo dos produtores rurais.
“A Casa Branca precisa segurar as rédeas da EPA antes que a agência destrua as promessas de Trump aos eleitores e, junto, a base rural de apoio ao presidente”, aponta Brooke Coleman, diretor executivo do Conselho Superior dos Biocombustíveis. “É de espantar que a Casa Branca não tenha percebido ainda a força dos ataques de Pruitt à política dos combustíveis renováveis”, acrescenta.
“Programa furado”
“Pruitt vem do Oklahoma, um estado rico em petróleo, e seu apoio às refinarias e petrolíferas pode render ajuda futura em qualquer campanha política que venha a disputar, incluindo uma possível candidatura ao Senado, caso o republicano Jim Inhofe se aposente em 2020. Scott Pruitt ainda não falou se tem pretensões de virar senador ou concorrer a qualquer outro mandato político. Quando trabalhava como procurador-geral de Oklahoma, ele declarou que as cotas de etanol eram “impraticáveis” e consistiam um “programa furado”.
À frente do EPA, Pruitt “age desonestamente”, diz Michael McAdams, presidente do Conselho Superior dos Biocombustíveis. “Seu trabalho é implementar a política de um presidente que diz apoiar os biocombustíveis, mas suas ações não refletem isso, qualquer que seja o ponto de vista”.
Assessores de Pruitt não responderam a perguntas sobre as ligações dele com a indústria petrolífera. “A EPA busca, no momento, reunir informações de todos os atores envolvidos neste tema. Nada está pronto ou decidido ainda”, diz um comunicado da agência.
Apesar das declarações de apoio do presidente, os intricados detalhes da política de biocombustíveis estão sendo decididos por assessores sem qualquer compromisso com o setor – sublinha Monte Shaw, diretor executivo da Associação de Combustíveis Renováveis de Iowa.
Ele cita como exemplo o secretário de Energia, Rick Perry, que quando era governador do Texas, em 2008, pediu à EPA que abolisse metade da cota dos combustíveis renováveis. E o Departamento de Agricultura tem à frente Sonny Perdue, que já foi governador da Georgia, o estado que mais produz frango no país. Os pecuaristas têm dado as mãos à indústria do petróleo para criticar as cotas de biocombustível, argumentando que elas aumentam os custos da ração animal.
No início do mandato, o presidente Trump nomeou o magnata Carl Icahn, dono de refinaria de petróleo e opositor do sistema de cotas, para atuar como consultor especial. Icahn já deixou a função.
Retórica nacionalista
Em ação mais recente, a EPA emitiu uma nota admitindo a possibilidade de reduzir o sistema de cotas para biodiesel e etanol. A medida veio na esteira de um forte lobby de líderes da indústria do petróleo pedindo a diminuição das metas de biodiesel.
O documento de 14 páginas intitulado “nota informativa ao mercado”, que abre a possibilidade de mudanças, utiliza explicitamente nove argumentos da petrolífera Valero Energy e de outras refinarias, fazendo a EPA ecoar declarações da indústria de que os biocombustíveis importados são uma ameaça à independência energética americana. O que está faltando? Simplesmente, não há qualquer referência aos argumentos do outro lado, ou seja, dos fabricantes de biodiesel e dos produtores de milho.
A EPA propôs diminuir o percentual adicional de biodiesel que seria exigido para o ano que vem, depois de Pruitt exigir uma revisão de última hora nas metas da agência para cotas de combustíveis renováveis. Os técnicos da EPA queriam inicialmente elevar em 19% a quantidade de galões de etanol de celulose exigidos para 2018 – de 311 milhões para 384 milhões de galões – , segundo documentos do Departamento de Administração e Finanças.
Mas depois de lobistas do petróleo dizerem que haveria dependência de biocombustível importado para atingir a costas, Pruitt ordenou que os técnicos refizessem os cálculos. Como resultado, a proposta agora, pela primeira vez, é de diminuição da cota do etanol de celulose, para um patamar de 238 milhões de galões em 2018.
Por outro lado, a agência estuda permitir que o biocombustível exportado entre no cálculo das cotas anuais – uma medida que diminuiria os custos das refinarias e rebaixaria o bônus que muitos produtores de etanol recebem pela venda no mercado doméstico.
Representantes da indústria petrolífera dizem que, ao definir as cotas com antecedência, Pruitt está sendo fiel ao compromisso de recolocar nos trilhos a política de combustíveis renováveis.
A EPA está, assim, apoiando “a declaração de propósitos do Congresso Americano, de fomentar a independência energética do país” – diz nota da Associação da Indústria de Combustíveis e Petroquímicos. “Os motoristas americanos não têm que carregar nos ombros o custo de uma ajuda a produtores estrangeiros de biocombustíveis ”.
Os defensores dos biocombustíveis, no entanto, cobram o compromisso assumido por Trump. “Sinceramente, esperamos que a EPA não tenha esquecido das promessas que foram feitas aos meus eleitores e aos produtores rurais de todo o país”, afirmou o senador republicano Joni Ernst, representante de Iowa, em uma carta endereçada ao presidente.
*Nota: Brasil e Estados Unidos são os maiores mercados produtores e consumidores de etanol no mundo, mas, na relação com os brasileiros, os americanos exportam quatro vezes mais do que o volume importado. No mês passado, a Câmara de Comércio Exterior do Brasil aprovou uma tarifa de 20% na importação de etanol dos Estados Unidos.
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