A carne de bois criados livres nos Pampas - região campestre que envolve Rio Grande do Sul, Uruguai e Argentina - é mais saudável do ponto de vista nutricional, de acordo com um estudo da Embrapa Pecuária Sul. Além de nutrientes como ferro e vitaminas do complexo B, a proteína desses animais apresenta maiores teores de Ômega 3 quando comparada à fornecida pelo gado criado em confinamento. “No Pampa, a alimentação dos animais, composta em sua maior parte pela rica variedade dos pastos naturais, dá origem a um produto com perfil de gordura mais saudável, já que possui mais ômega 3 do que ômega 6”, explica a pesquisadora Élen Nalério, que coordenou a pesquisa.
Essa razão de ômega 6 por ômega 3 é equilibrada quando está em níveis de até 4 por 1. No entanto, as dietas das populações ocidentais se caracterizam pela proporção de até 15 por 1, o que representa potencial risco de doenças cardiovasculares, autoimunes e inflamatórias. Cientistas esclarecem que isso tem relação com o aumento do consumo de carboidratos pelos humanos, principalmente os cereais.
A gordura saudável
O Ômega 3 é um tipo de gordura poli-insaturada essencial à saúde humana, que não é produzida pelo organismo, e por isso tem que ser obtida em alimentos ou suplementos específicos. Alguns peixes, vegetais e frutas já são fontes conhecidas dessa substância.
“O mesmo ocorre na alimentação dos ruminantes. Quando eles são alimentados com dietas baseadas em forragens, nos fornecem carnes com maior teor de ácidos graxos do tipo ômega 3. Paralelo a isso, animais terminados com dietas mais intensivas, com altos teores de grãos, rendem carnes com maior teor de ômega 6. Importante frisar que a dieta do homem, antes do advento da agricultura moderna, era composta de uma relação perfeita entre ômega 6 e ômega 3, de 1:1”, destaca Nalério.
Produtos diferentes
É no campo que quase tudo acontece, com a alimentação do animal cumprindo papel determinante nesse processo. “O sistema de criação e terminação do animal interfere diretamente nas características da carne. Entre um extremo, de produção extensiva, somente com pastagens, até o outro extremo, de confinamento total, com alimentação por grãos, há a formação de produtos totalmente diferentes”, afirma a pesquisadora. “Os bovinos são prontos para fazer a digestão de fibras, de pasto. Para fazer a digestão de grãos, precisam passar por uma adaptação. Essa variação de alimentação faz com que sejam formadas gorduras totalmente diferentes, e isso interfere também no sabor e no aroma do produto.”
Enquanto a carne produzida nos campos tem cor viva e gordura mais amarelada, a de confinamento é mais pálida e possui gordura mais branca. “O pasto tem carotenoides, que conferem a cor amarela à gordura. Já a cor da carne sofre influência das mioglobinas. O animal no pasto caminha mais, e precisa oxigenar a musculatura, o que aumenta o teor de mioglobina e origina a cor vermelha mais intensa na carne”, frisa a cientista.
Oportunidade de diferenciação no mercado
A pesquisadora ressalta que não há como afirmar que a carne produzida no Pampa é melhor, uma vez que a avaliação envolve fatores subjetivos. “No entanto, podemos garantir que ela é diferenciada por vários motivos. Um deles é que a alimentação do gado nos campos nativos pode formar um tipo de gordura com melhor qualidade nutricional, que é uma característica que tem despertado grande interesse do público”, conta. “O perfil lipídico dessa carne é comprovadamente mais saudável. Isso é um diferencial importante que pode e deve ser trabalhado como oportunidade de valorização no mercado.”
Conforme a chefe de Transferência de Tecnologia da Embrapa Pecuária Sul, Estefanía Damboriarena, iniciativas de valorização dessa carne por meio da diferenciação com uso de marcas coletivas já estão em andamento. “Temos como exemplo a Alianza del Pastizal, que coloca produtos com sua marca em uma grande rede de supermercados; a Apropampa, que está em fase de negociação para colocar no mercado produtos com uma marca coletiva; além das iniciativas das Associações de Raças, como a Associação Brasileira de Criadores de Hereford e Braford e Associação Brasileira de Criadores de Angus,” destaca.
Relação histórica entre a pecuária e o Pampa
Debate intenso na atualidade, a forma de produção animal cada vez mais interfere na decisão do consumidor no momento da compra. Pesquisas demonstraram que o cliente está disposto a pagar mais por produtos saudáveis, nutritivos e produzidos de maneira sustentável, ainda que o sabor provado não seja aquele ao qual está mais acostumado. “Existe um forte conceito na produção de carne na região do Pampa: o animal é criado livre, a presença da pecuária nesses campos ajudou a preservar o bioma, sua fauna e flora, além de ter constituído a história e a cultura do povo. O bioma é adaptado para a pecuária: aqui se conserva produzindo”, salienta Nalério.
Mais de dois séculos de pecuária extensiva
O bioma Pampa é formado basicamente por campos naturais com rica biodiversidade de espécies vegetais e animais, no Sul da América do Sul. Nesse cenário, há mais de dois séculos vem sendo praticada a pecuária, atividade econômica que utiliza os recursos naturais de forma sustentável, contribuindo para manutenção do ecossistema. Estudos apontam a existência de cerca de 450 espécies de gramíneas e 150 de leguminosas, muitas delas com enorme potencial forrageiro.
Pesquisas realizadas na Embrapa Pecuária Sul apontam que a exploração sustentável desse ambiente campestre pode ser uma estratégia bem-sucedida para a produção de carne na região. Para o pesquisador da Embrapa José Pedro Trindade, o manejo do campo nativo é o segredo para o desenvolvimento de uma pecuária rentável, com qualidade e que preserve o meio ambiente. “Nós estamos propondo um novo olhar do produtor em relação ao campo nativo. Um reconhecimento da riqueza dos recursos naturais dos campos sul-brasileiros e do seu potencial que possa resultar em processos produtivos duráveis e de qualidade”, ressalta.