O ditado popular aconselha que “não adianta chorar pelo leite derramado”. Mas quando não foi um copo que entornou, mas 300 milhões de litros de leite que se foram pelo ralo, será que ainda dá para segurar o choro?
“A pessoa que levanta de madrugada, que trata as vacas e faz a ordenha todo dia, nunca vai apagar da memória as imagens do leite jogado fora. Dificilmente quem viveu isso vai esquecer esse episódio”, afirma o pecuarista Hans Jan Groenwold, de Castro, nos Campos Gerais do Paraná.
O produtor se refere à rotina dos últimos dez dias, quando pecuaristas pelo país afora, grandes e pequenos, ficaram impossibilitados de entregar boa parte da produção à indústria, devido à greve dos caminhoneiros. Como o leite é um produto de giro rápido, com duas a três ordenhas por dia, é preciso esvaziar os tanques resfriadores para receber o leite novo. Com as estradas bloqueadas, não houve alternativa se não abrir as torneiras e jogar o alimento forra.
A Associação da Indústria de Lácteos (Viva Lácteos) estima que, apenas nos primeiros sete dias de paralisação, perderam-se 300 milhões de litros de leite, com prejuízo de R$ 1 bilhão. A previsão é de que levará pelo menos um mês para a cadeia produtiva voltar à normalidade, devido à falta de insumos e embalagens.
Pouco a comemorar
Toda a crise se desenrolou, ironicamente, às vésperas do Dia Mundial do Leite, celebrado todo dia 1º de junho e instituído pela ONU em 2001 para incentivar o consumo de lácteos. No Brasil, nenhuma outra cadeia do agronegócio gera tantos empregos diretos como o leite: são 4 milhões de pessoas envolvidas, apenas na atividade de extração. O rebanho brasileiro é o segundo maior do mundo e produz 34 bilhões de litros de leite por ano.
Para o presidente da Cooperativa Castrolanda, Franz Borg, foram dez dias de nuvens negras que criaram “um ambiente depressivo para os produtores”. “Levantar às quatro da manhã, seja o produtor ou o funcionário dele, tirar o leite e logo em seguida abrir a torneira e jogar pelo ralo, afeta emocionalmente qualquer um. As pessoas ficaram estressadas”.
As perdas foram tão extensas e disseminadas que é quase impossível fazer uma conta redonda. “Aqui no Paraná, só com a perda da matéria-prima do leite foram 16 milhões de litros por dia. Fora o produto que não foi para a prateleira, que não entrou nas indústrias. É imensurável”, sublinha Groenwold.
Na Cooperativa Frísia, que com a Castrolanda e a Capal forma a intercooperação Unium – a paralisação representou 8,5 dias de descarte de 100% do leite produzido. Foram 6,5 milhões de litros de leite multiplicados por R$ 1,30, que o produtor deveria receber em média por litro.
Franz Borg, da Castrolanda, diz que nessa hora de crise fica mais evidente a vantagem de pertencer a uma cooperativa. “A regra foi: capta o leite onde é possível, onde não for, tem que jogar fora, mas a conta é dividida por todo mundo. O que se conseguiu salvar é em benefício de todos”, aponta.
Greidanus também realça o papel da cooperativa em tempos difíceis. “Logicamente, vamos tomar providencias para tentar diminuir ou diluir esse prejuízo acumulado para os próximos 10 meses, para que ele possa ter um colchão e consiga pagar as dívidas. Vamos fazer um adiantamento emergencial para manter o fluxo de caixa, para que o produtor possa pagar seus compromissos e continuar na atividade. Queremos manter o moral do produtor para cima, para que ele enxergue que, mesmo sofrendo um baque tão forte, ainda tem a estrutura de uma cooperativa por trás que lhe dá suporte”.
Redução de ICMS
Os produtores consideram que, apesar da legitimidade da greve, algumas cadeias foram excessivamente penalizadas. “Se fosse igual para todo mundo, seria justo. Mas da maneira que foi, algumas cadeias, como o leite e o frango, foram muito mais prejudicadas. Vamos buscar junto ao governo do Estado alguma forma de consertar isso, que pode ser por meio de redução de ICMS”, afirma Borg.
Os cinco mil produtores paranaenses ligados às sete cooperativas que atuam na intercooperação Unium (três já citadas e outras quatro como fornecedoras) abastecem grandes indústrias de transformação em São Paulo, como Danone e Nestlé, e entregam leite para envase por várias outras marcas. Foi a necessidade de fazer o leite viajar por rodovias que criou um impasse com os caminhoneiros.
“Regionalmente, o movimento até deixou a gente operar. Mas quando saíamos do município, daí não quiseram saber. Tivemos cargas de leite paradas no primeiro dia e que, cinco dias depois, pedimos pelo amor de Deus para serem liberadas, por que se aquele leite estragasse dentro do tanque, solidificaria e não sairia mais”, conta Borg.
A bacia dos Campos Gerais do Paraná alcança uma média de 2.150 litros de leite produzidos diariamente, por propriedade. No Brasil, essa média não chega a 200 litros. Na produção por vaca, a média local é de 30 litros por dia, contra média nacional de 6 litros.