Em novembro de 2018, os pecuaristas paranaenses deverão pela última vez cercar a boiada no pasto e levar até as mangueiras para aplicar a vacina que protege contra a febre aftosa. A decisão será anunciada nos próximos dias pela Agência de Defesa Agropecuária do Paraná (Adapar) e pretende obter um status sanitário diferenciado para o estado, colocando fim a um ritual de vacinação que se repete duas vezes por ano.
Se obtiver o certificado como área livre de febre aftosa, com interrupção total da vacinação, o Paraná se desvinculará de outros estados, tornando mais ágil a superação de embargos comerciais como o que foi aplicado pelos Estados Unidos contra toda a carne bovina brasileira, na semana passada. O principal argumento dos americanos para a medida drástica foi a existência de caroços e abscessos e outras não conformidades em 11% dos lotes importados, contra uma tolerância de apenas 1% prevista nas regras comerciais.
O Paraná tem 9,3 milhões de cabeças de gado, pouco mais de 4% das 215 milhões existentes no país. Com pouca expressão nesta atividade, o estado está de olho no efeito que o novo status sanitário pode ter sobre a exportação da carne suína, a mais consumida no mundo, e da qual o Paraná é o segundo maior produtor e exportador, atrás apenas de Santa Catarina. “Nossas exportações não atingem os mercados que melhor remuneram simplesmente porque ainda não existe confiança em nosso sistema de defesa, que não consegue suspender a vacinação contra uma doença fácil de controlar, que é a febre aftosa”, afirma o presidente da Federação da Agricultura do Paraná, Ágide Meneguette.
Para garantir uma inspeção mais efetiva nos frigoríficos, Meneguette sugere terceirizar a atividade dos fiscais, transformando os órgãos de fiscalização em órgãos de monitoramento e auditoria. “Em vez de deixar um técnico no frigorífico o dia inteiro, esse servidor público poderá atuar em cinco ou seis unidades, auditando a fiscalização de terceiros. E o setor privado tratará de caprichar na fiscalização, para não perder o contrato”, afirma.
Da lição de casa que precisa ser feita antes de pleitear junto à Organização Mundial de Saúde o status de área totalmente livre de febre aftosa, falta ainda a nomeação de alguns fiscais médicos veterinários e a construção de mais três postos de fiscalização nas divisas estaduais (são 33 no total). O último posto a ser construído, por dificuldades operacionais e de logística, será o da BR-116, na divisa com São Paulo.
O Paraná pretende, assim, colocar-se na mesma condição sanitária de Santa Catarina, que há dez anos é o único estado brasileiro reconhecido internacionalmente como livre de febre aftosa sem vacinação. Para os catarinenses, este selo de qualidade significou no período um aumento de 80% nas receitas com exportação de carne suína (de US$ 310 milhões para US$ 555 milhões) e de 76% no faturamento da carne de frango, que totalizou US$ 1,7 bilhão em 2016 (fonte: Secretaria da Agricultura de Santa Catarina).
Polêmica
A Sociedade Rural do Paraná, integrada por muitos pecuaristas, é contra a suspensão unilateral da vacinação contra a febre aftosa. No entender da associação, a proibição americana não ocorreu por problemas sanitários, mas por falha no manuseio das carcaças dentro da indústria frigorífica. “Foram problemas pontuais, de alguns frigoríficos. Tanto é que o Ministério da Agricultura já havia revogado a autorização de exportação de cinco unidades antes da medida dos americanos”, afirma o diretor de Pecuária da associação, Ricardo Rezende.
Rezende lembra que o vírus está ativo na América do Sul, fato constatado no último sábado (24), quando, após nove anos, a Colômbia detectou um foco de febre aftosa no Departamento de Arauca, na fronteira com a Venezuela. “O Governo Federal trabalha com o horizonte de suspender a vacinação, no máximo, até 2020. Será que vale a pena anteciparmos esse passo e corrermos o risco sozinhos?”, questiona Rezende.
Atualmente, a pecuária de corte paranaense depende da compra de bezerro de outros estados, como São Paulo, Mato Grosso do Sul e Mato Grosso, que não anunciaram planos de suspender a vacinação. Se a “importação” desses bezerros for proibida, diz Rezende, “não haverá a reposição dos rebanhos e a atividade poderá se tornar inviável”. “A carne paranaense ficará muito cara, mas os outros estados vão continuar mandando carne embalada a vácuo para nós”.