Quatro anos após chegar à BRF, união da Sadia e Perdigão, e promover uma ampla reestruturação, com corte radical de custos e de pessoas, da presidência ao chão de fábrica, o empresário Abilio Diniz, ex-dono do Pão de Açúcar, sofreu um baque. Para o mercado, ficou claro que a companhia não pode ser gerida como a “Ambev dos alimentos”, conforme anunciou o empresário em 2013, ao aceitar o convite do fundo Tarpon, um dos maiores acionistas do grupo, para criar a “nova BRF”. O atual comando promete um plano para tirar a empresa da crise.
A gigante perdeu R$ 372 milhões em 2016, o primeiro prejuízo de sua história (a fusão que formou a BRF foi anunciada em 2009). A diretoria atribuiu o mau desempenho à alta dos custos de matérias-primas, à recessão no Brasil e ao câmbio. Mas não foi só isso, segundo o mercado. “Tentaram pilotar a BRF como se fosse a Ambev, centrada em marcas, mas esqueceram de um componente importante: a empresa cria porco e galinha”, diz Gabriel Lima, analista de alimentos e bebidas do Bradesco BBI.
Seguindo a fórmula do conglomerado cervejeiro, baseada na meritocracia e no corte de custos, a BRF de Abilio, presidente do conselho, e de Pedro Faria, presidente executivo vindo da Tarpon, renovou os quadros com profissionais do mercado financeiro e acelerou a internacionalização do negócio. Mas, na avaliação do mercado, o atual comando tem tido dificuldade em lidar com questões estruturais, como a volatilidade das commodities e a gestão da cadeia de produção agrícolas.
“Os gestores da BRF só descobriram agora que o porco tem quatro patas. Trabalhar a marca é importante. Mas o DNA da empresa é a agroindústria”, disse uma pessoa familiarizada com os desafios do grupo.
Sob a nova gestão, a empresa fez grandes investimentos no exterior. No início deste ano, adquiriu uma empresa na Turquia e anunciou a criação da One Foods para atuar no mercado muçulmano. Com essa estratégia de globalização, a fabricante acabou deixando um pouco de lado o mercado brasileiro, que contribui com quase metade de sua receita, de R$ 33,7 bilhões em 2016. Como líder do setor, a BRF perdeu espaço para concorrentes como a Seara, do grupo JBS, que havia contratado vários executivos dispensados pela atual gestão.
No dia 24 de fevereiro, quando divulgou o balanço da empresa, Abilio reconheceu os erros e disse estar empenhado em corrigir a rota da companhia.
Entre as novas ações da empresa, está a criação de um comitê de crise para rediscutir semanalmente os novos rumos. Fazem parte do time José Carlos Magalhães, o Zeca, fundador da Tarpon, e Walter Fontana Filho e Eduardo D’Ávila, ambos ex-Sadia. Até o fim do mês, o comitê deverá anunciar as primeiras medidas que prometem chacoalhar a gestão.
O foco principal será unir as pontas da cadeia produtiva com o consumidor final. Nos últimos anos, a BRF passou por um processo de descentralização e voltará agora a ter uma gestão direcionada na operação, resgatando o movimento histórico de Sadia e Perdigão, com o maior comprometimento com a agroindústria, disse José Roberto Rodrigues, vice-presidente de integridade corporativa da BRF. A área de marketing será remodelada para reposicionar marcas, sobretudo a Perdigão, que foi relançada em 2015, mas que ficou perdida entre os concorrentes.
Na quinta-feira, dois executivos deixaram a BRF (ambos foram trazidos pela Tartpon): José Alexandre Borges, vice-presidente financeiro e de relações com o mercado, e Rodrigo Vieira, vice-presidente de marketing. O mercado não reagiu bem. No dia seguinte, as ações caíram 2,25%, para R$ 39,88, ficando abaixo dos R$ 40 pela primeira vez desde que a Tarpon assumiu. Em um ano, a BRF perdeu quase R$ 10 bilhões em valor de mercado.
Ao assumir a condução de uma grande empresa, a gestão da Tarpon à frente da BRF tem sido colocada em xeque. Embora a gigante de alimentos tenha registrado seus melhores desempenhos entre 2014 e 2015, a estratégia de longo prazo da companhia está sendo questionada.
Em reunião do conselho de administração na quinta-feira passada, os acionistas deram apoio à permanência de Pedro Faria no comando do grupo, segundo fontes. Em 2016, as empresas com investimento da Tarpon listadas na BM&FBovespa tiveram desempenho bem abaixo do Ibovespa, que subiu 38,93%. Estão nesta cesta a própria BRF (queda de 10,47%), Somos Educação (-42,49%) e Cremer, de produtos hospitalares (-50,86%), conforme dados da própria gestora.
Abilio Diniz, presidente do conselho de administração e líder do comitê de crise da BRF, já disse publicamente que vai comandar a reestruturação da empresa, que será posta em prática em 90 dias. Antes desse prazo, serão anunciadas mudanças em março e haverá ainda uma reunião decisiva de escolha de novos conselheiros no dia 26 de abril. “O conselho tem dado total apoio à gestão de Pedro Faria e Abilio está muito empenhado em promover o processo de retomada da empresa”, disse José Roberto Rodrigues, vice-presidente de integridade corporativa da BRF.
Ex-dono do Pão de Açúcar, Abilio tornou-se um dos maiores acionistas do Carrefour e faz parte do conselho de administração da varejista no Brasil e na França. Abilio já deixou claro que a Península, veículo de investimento de sua família - que fez aporte de cerca de R$ 1,2 bilhão para ficar com cerca de 3% da BRF -, não tem intenção de se desfazer dos papéis da empresa. “Nossos planos são de longo prazo para a BRF”, disse, em conversas com investidores.
No mercado, contudo, há especulações de que o empresário possa se dedicar mais ao Carrefour e deixar de lado suas funções na companhia. Rodrigues, da BRF, diz que Abilio é peça importante para a BRF superar esta má fase e que não sinaliza intenção de deixar a empresa.
A melhora do cenário macroeconômico e a queda dos preços das commodities deverão dar um fôlego à companhia. “A BRF precisa agora mostrar como vai mudar sua estratégia para atender o pequeno e médio varejista, que perderam espaço nos últimos anos. Outro desafio é oferecer um portfólio maior de produtos mais baratos”, disse Gabriel Lima, analista do Bradesco BBI. A agência de classificação de risco Standard & Poor’s tem perspectiva negativa para a nota de crédito da companhia.
Na semana passada, a notícia de que a BRF não pagaria PLR (participação nos lucros e resultados) gerou insatisfação em parte dos mais 100 mil funcionários. A Confederação Nacional dos Trabalhadores na Indústria de Alimentos ameaça um movimento grevista nas fábricas. O assunto ganhou força após vazamento de um vídeo nas redes sociais, no qual Faria afirma que “PLR não é uma obrigação da companhia”.
Em nota, a BRF esclarece que as regras de pagamento da PLR são divulgadas aos colaboradores. “O não pagamento do benefício considera o resultado aferido no exercício de 2016.”