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Gema curada: o ingrediente milenar da culinária asiática que ganhou o ocidente
A chef Janaina Rueda nunca se esqueceu da primeira vez em que provou uma gema curada, há nove anos. O ingrediente tinha sido preparado no molho de soja com saquê e fazia parte de um prato de arroz e feijão que seu marido, o chef Jefferson Rueda, recém-criara para o menu do Attimo, em São Paulo. “A princípio fiquei até assustada. Como assim cozimento a frio? É muito futurista para mim”, relembra ela. “O Jeff disse para eu parar de ser boba. Provei e adorei”.
“Depois, soube que os orientais fazem essa técnica há milênios e comecei a testar”, conta. A primeira tentativa foi até arriscada. A cozinheira curou duas mil gemas para acompanhar a tradicional galinhada do Bar da Dona Onça durante a Virada Cultural de São Paulo, há sete anos. Vendeu todas. Desde então, o ingrediente entrou oficialmente para o cardápio do restaurante.
Faz pouco tempo, porém, que a gema curada se tornou realmente popular nas cozinhas amadoras e profissionais do lado ocidental do planeta. Na Ásia, a técnica é especialmente antiga (existem registros que datam de 500 d.C, na China, de ovos de pato curados) e costuma aparecer em todos os tipos de preparos: dos salgados aos doces – inclusive em sorvetes e como recheio de croissants e macarons.

Sabor
O gosto da gema curada não tem nada a ver com a versão in natura. Basta lembrar de como é preparado um presunto cru – depois de passar um tempo no sal, a carne desidrata e ganha nuances diferentes de textura e sabor. Acontece o mesmo processo com a gema.
“Eu descreveria a gema curada como um ingrediente confortável, que traz boas sensações. É um produto que fica bem salgadinho e com muito umami”, explica Gabriela Barretto, chef e proprietária dos restaurantes Chou e Futuro Refeitório, em São Paulo.
Conhecido como o quinto gosto básico do paladar, o umami provoca na língua uma sensação prolongada de satisfação (o queijo parmesão é um dos alimentos que mais contêm essa característica, para se ter ideia).
Combinações
Além de ser infalível quando adicionada aos preparos que vão bem com queijo parmesão, existem outras inúmeras possibilidades de usar a gema curada. No Futuro Refeitório, Gabriela aposta em três pratos diferentes: em lâminas, na salada de três feijões ao vinagre com alho, pimenta calabresa e manjerona; ralada, no crostini com confit de tomate cereja e lascas de parmesão; e da mesma forma ralada sobre o mac and cheese carbonara, feito com bacon (também curado na casa).

Em uma versão mais líquida, a gema curada no shoyu e no saquê se torna o acompanhamento ideal para outras criações – da galinhada caipira do Bar da Dona Onça ao Yukhoe, o steak tartare feito com carne congelada e pera asiática do Komah, restaurante coreano premiado comandado pelo chef Paulo Shin, também em São Paulo.
O ingrediente pode ganhar espaço até no balcão das sobremesas. Já pensou em comer um quindim de gema curada? Janaina Rueda nem hesitou em colocar a ideia em prática. Mergulhou as esferas douradas em uma calda rala de açúcar com um pouco de sal e rum, depois adicionou leite de coco à mistura. Empanou com leite de coco e serviu. “Ficou delicioso”.
Técnicas de cura
Existem pelo menos duas formas de curar gemas: a técnica seca e a molhada. Na primeira, o ingrediente fica envolto em uma cama de sal e, às vezes, também de açúcar. Esta proporção não tem regra e varia conforme o gosto; Gabriela Barretto, por exemplo, gosta de combinar os dois em quantidades iguais na cozinha do Futuro Refeitório. “O sabor fica mais suave”, explica ela.
Embora o sal e o açúcar sejam suficientes para transformar as gemas por completo, nada impede a adição de outras especiarias para uma alternativa inusitada. Um toque de pimenta do reino, curry ou qualquer outra erva pode ser uma forma interessante de agregar ainda mais complexidade ao ingrediente.
Janaina Rueda, por outro lado, prefere seguir a técnica molhada, mais utilizada nos países orientais. O processo também é feito no Komah, do chef Paulo Shin.
“Misturo um bom molho de soja fermentado e um saquê mirin de qualidade nas mesmas proporções. Coloco as gemas caipiras e vou virando a cada duas horas por 24 horas. O sal do molho funciona como conservante e o álcool da bebida deixa a gema livre de salmonella”, diz Janaina.
O trabalho requer paciência e muita delicadeza. Se uma das gemas estourar dentro da marinada, é preciso retirá-la com cuidado para não estragar a cura. Mas vale a pena. “A gema fica com um sabor muito especial e com uma cor brilhante bem bonita”, garante a cozinheira.
Quanto tempo leva para fazer gemas curadas
Depende da textura desejada. Em ambas as técnicas, uma cura rápida (de seis a oito horas) produz gemas mais moles e suaves no paladar. É o ponto ideal para utilizá-las em emulsões, como uma maionese, ou mesmo misturá-las ao arroz pronto para ser servido.
Já uma gema mais dura, com consistência firme o suficiente para ser fatiada ou ralada como um parmesão, requer pelo menos 24 horas de cura tanto no sal quanto no shoyu.
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