Restaurantes
Como os Madalosso construíram um império gastronômico com 15 restaurantes, bares e padaria
Os fins de tarde de domingo são um ritual para a família Madalosso. Tão logo os tachos de polenta, as travessas de frango e as 4.645 cadeiras do maior restaurante das Américas se esvaziam, uma mesa de madeira nos fundos do estacionamento, no bairro de Santa Felicidade, em Curitiba, vira o ponto de encontro de quatro gerações de pessoas ligadas à gastronomia.

Flora Madalosso Bertolli, a responsável pelos primeiros capítulos da história que mudou os rumos da família de imigrantes italianos, chega caminhando devagar pela calçada de paralelepípedos que liga o restaurante mais famoso da capital paranaense a sua casa.
A senhora de 79 anos passa reto pela sala de entrada, onde seus irmãos, filhos, sobrinhos e netos se revezam para sentar à mesa de café da tarde, e retorna minutos depois. Este é um de seus rituais: assim que pisa em casa, troca a roupa respingada de risoto e óleo por um conjunto confortável de camisola e cardigã de malha. Só então se senta para comer. “A gente se reúne aqui todo domingo. É o único horário em que o pessoal pode”, explica Flora.
Os mais de 20 integrantes da família (de quatro gerações) estão acostumados ao trabalho constante de fim de semana. Há 55 anos, eles mantêm uma rotina completamente dedicada ao funcionamento de 15 estabelecimentos gastronômicos dentro e fora dos limites de Santa Felicidade (Restaurante Madalosso, Famiglia Fadanelli, Mezza Note, Dom Antonio, PaniCiello, Spring, Anello, Velho Madalosso, Forneria Copacabana, Dona Helena, Comedy Club e Fundição 52).
Todas as cantinas, os buffets por quilo, a panificadora e os bares noturnos têm origem nos dois restaurantes que deram início à trajetória da família: o Velho e o Novo Madalosso. Hoje, quem atravessa o portal de boas-vindas ao bairro italiano e segue pela Avenida Manoel Ribas até a altura do número 5.875 mal consegue imaginar que a imponente construção de 7.671 metros quadrados do Novo e a fachada pitoresca do Velho, do outro lado da rua, são frutos de uma última tentativa para vencer a pobreza.
Assista ao vídeo exclusivo que conta mais detalhes da história dos Madalosso:
Uma aposta que deu certo
Antonio Domingos Madalosso (chamado pela família de Dom Antonio) e Rosa Fadanelli eram filhos de imigrantes italianos da região de Vêneto. Em 1949, o casal saiu de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, para tentar a vida com plantações de uva no Paraná. “Viemos sem lenço, nem documento. A gente naquela época pensava em como ganhar dinheiro, porque as misérias eram muito grandes – passávamos necessidade de saúde, higiene, educação”, conta Carlos Madalosso, pai do chef Beto Madalosso e um dos seis filhos que o casal teve. Hoje, é sócio do Novo Madalosso, do Família Fadanelli e do Mezza Notte.
Dom Antonio insistiu por alguns anos no parreiral, mas a natureza não parecia disposta a retribuir o investimento. Devido à alta acidez do solo e às geadas irregulares, nem a Niagara Branca, nem a Rosada, variedades cultivadas pela família, prosperaram nas terras de Santa Felicidade. O jeito foi tentar fazer dinheiro de outras formas.

Não foi fácil. João Antônio Madalosso, de 66 anos, conta que, apesar de o pai ser muito empreendedor, nenhum negócio seu prosperava. “Além do parreiral, ele teve granja de galinha, oficina mecânica, marcenaria, engarrafamento de bebidas… O que falavam para ele que dava dinheiro, ele tentava montar”, lembra, rindo, o caçula dos irmãos e sócio do restaurante Dom Antonio. No fim, os esquemas do nonno renderam o que, mais tarde, seria essencial para a formação do império Madalosso: uns bons pedaços de terra pelo bairro.
“Era muito barato na época. Esse terreno aqui a gente arrendou de uma família de italianos e, tão logo entrou um dinheirinho, pudemos comprar”, explica Carlos em frente à escadaria do Novo Madalosso. Ele aponta para os fundos do estacionamento, em direção ao horizonte esverdeado de araucárias e Mata Atlântica que se estende a perder de vista.
A área que abrange o restaurante Novo Madalosso e as seis casas da família em Santa Felicidade é de 76 mil metros quadrados – mais do que os 70 mil do Louvre, o maior museu do mundo.
Mas de nada adiantava uma imensidão de terras se a família não tinha dinheiro para esconder sob os colchões. No início dos anos 1960, estavam de malas prontas para abandonar a cidade e voltar ao Rio Grande do Sul. Só adiaram a partida para uma última tentativa. Em 1963, Dom Antonio comprou um pequeno restaurante em frente ao parreiral e o deixou sob os cuidados da filha, Flora, e do genro, Admar Bertolli. Começava um novo capítulo na história dos Madalosso.
Polenta, frango e salada de radite: receita de sucesso
O êxito foi instantâneo. Em três meses, as 24 cadeiras do restaurante não eram mais suficientes para a fila que se formava todos os fins de semana em busca da polenta cremosa, do frango ensopado e da salada de radite com vinagre e um toque de vinho que Flora preparava tal qual aprendera com a mãe. No salão, os irmãos Carlos, Nelson e João faziam o trabalho de garçons.
A família ampliou o espaço até onde pode e, em 1970, limpou o parreiral para construir o Novo Madalosso, à época inaugurado com 400 lugares.
Foi durante essa expansão que dois itens do cardápio ganharam uma versão mais brasileira e se tornaram os petiscos mais icônicos do restaurante: a polenta cremosa passou a ser servida frita, em cubos, e o frango, ensopado, a passarinho.

“Essa interferência da fritura fez com que o Madalosso não fosse tido como restaurante de culinária puramente italiana. A gente nota que existe uma desvalorização dos chefs por causa disso”, comenta Carlos. Mas em momento algum ele, ou Flora, ou qualquer um dos irmãos, teve essa pretensão. “Foi uma necessidade do momento que deu muito certo. É o que representa a nossa história”.
Não há do que se arrepender. Foram as bandejas de inox fartamente abastecidas com asinhas fritas, polenta e massas caseiras, afinal, que tornaram o Madalosso uma referência no Brasil e no mundo. “Já servi cinco presidentes, o Pelé, gente famosa de fora do país e agora estou servindo famílias que têm até tataraneto”, diz Flora, contando nos dedos.
“Jamais imaginei que o Madalosso ia ficar tão famoso”. Apesar da fragilidade para caminhar, ela tem um olhar determinado e sua voz é firme e pausada, como quem não costuma hesitar. “Na minha cabeça, tudo é o restaurante. Penso nele de manhã, de tarde, de noite. Não posso nem imaginar fazer outra coisa.”

Profissão restaurante
Mesmo sem querer, Flora transmitiu a dedicação incondicional pelo trabalho às duas gerações seguintes. Seus três filhos trabalharam no negócio desde cedo, assim como os filhos de seus cinco irmãos. Como consequência, formaram sociedades que resultaram em dezenas de outros estabelecimentos.
“Todos começaram a trabalhar muito cedo, com 15, 16 anos, para ajudar a família. A gente é formado com essa cultura de restaurante. Se fala sobre isso no café da manhã, no almoço, no jantar e, quando você vê, está com isso incorporado. Acaba fazendo na prática. Quase não tem saída”, brinca Beto Madalosso, 40, sobrinho de Flora e responsável por duas unidades do Forneria Copacabana.

Foi exatamente assim também com Agatha Madalosso, 31, neta de Flora. Embora seu sonho fosse cursar medicina, decidiu abraçar os negócios da família há 18 anos para ajudar na administração do Velho Madalosso e do buffet por quilo Anello ao lado do pai (Marlos, filho de Flora), do irmão (Marlus) e do tio (Marcius, filho de Flora).
“É a continuação da família, não tem como parar”, diz ela. O jeito é dividir o tempo como pode: Agatha concluiu recentemente o curso de brigadista e está prestes a começar a faculdade de enfermagem para, nas horas vagas, trabalhar como socorrista em ambulâncias.

Na medida em que o céu escurece, as luzes de seis construções ao redor do Novo Madalosso se acendem. Irmãos, sobrinhos e netos terminam o café e caminham em direção às respectivas casas. Flora sai da mesa e começa a se arrumar novamente.
É domingo à noite, mas o trabalho não para. Ela ainda precisa ir ao seu primeiro restaurante para rever clientes antigos e conferir se está tudo em ordem. Amanhã cedo, assim que raiar o dia, estará pronta para recomeçar a semana e, no próximo domingo, a mesa de sua casa estará posta para receber a família de novo.
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