Produtos & Ingredientes
Conheça a diferença entre as farinhas especializadas, francesas e italianas
O Dia Mundial do Trigo é comemorado nesta quarta-feira (10). Presente na história humana há mais de 10 mil anos, o cereal ganhou ares de celebridade gastronômica com a popularização e resgate de técnicas antigas, como a panificação com fermentação natural e o uso de farinhas selecionadas. Além disso, a pandemia levou para a cozinha muita gente que se arriscou - e aprendeu! - a fazer pão caseiro.
É uma tendência de resgate que se vê, também, com os cafés especiais, as cervejas artesanais e mesmo o vinho. Com produtos que primam pela seleção de sementes, colheita e até a formatação da embalagem, a farinha começa a desenhar uma trajetória semelhante. “É um movimento que já vinha acontecendo antes da pandemia, mas ganhou muita força com as quarentenas”, avalia o padeiro Eduardo Freire Feliz, do Lucca Café Especiais. A rede, pioneira em café diferenciados em Curitiba, tornou-se também uma padaria artesanal.

A farinha, em tese, seria apenas trigo moído. Mas a maioria das marcas nacionais adiciona muitos outros ingredientes. No Brasil, além do uso de enormes quantidades de agrotóxicos no plantio do trigo, são adicionados melhoradores e alvejantes. “O termo ‘farinha especial’ acabou banalizado nos últimos tempos. Farinha de boa qualidade é feita com grãos selecionados e solos bem cuidados. De maneira geral, produtos importados. No Brasil, esse termo ‘especial’ significa enriquecido e aditivado”, explica o padeiro Juliano Stevan. Ele está à frente da Pan Pan Pães, que faz panificação com fermentação natural.
De acordo com Juliano, um dos melhoradores mais utilizados no Brasil é a azodicarbonamida, composto químico permitido como aditivo alimentar em poucos países no mundo. “Mas existem projetos brasileiros muito bons, como as farinhas produzidas no cerrado goiano e em Irati (PR)”, lembra Juliano. Ele revela que a Pan Pan já começou a usar alguns tipos de farinhas selecionadas brasileiras em substituição à francesa, que marcou o início dos trabalhos na panificadora.
Produtos paranaense

“O uso de farinhas especializadas cresceu muito no Brasil nos últimos anos. São produtos bem diferentes das farinhas tradicionais que sempre utilizamos”, explica Eduardo Feliz. Outro problema com alguns produtos nacionais, segundo ele, é que a farinha brasileira não tem muita diferenciação de uma marca para outra, já que existe a mistura de vários tipos de trigo em um mesmo silo antes da moagem. “Com a farinha segregada (selecionada) e a importada você tem um tipo específico para fazer pão, outra para confeitaria, outra para biscoitos e outra para massas”, complementa.

Eduardo foi consultor no projeto “Trigo de Origem”, lançado pela Moageira Irati em 2019, história que o Bom Gourmet já trouxe. A ideia do projeto é que cada lote seja produzido com o trigo proveniente de um produtor específico, sem misturas de origens diferentes. Por meio de um QR Code na embalagem, o consumidor obtém informações sobre a variedade do grão, região onde foi plantado, o nome da fazenda, entre outras informações.
Segundo o especialista, a vantagem do trigo de origem feito em Irati frente à farinha francesa e italiana - muito difundidas na panificação artesanal - não é uma questão de qualidade. “Esses produtos utilizam trigo, na sua maioria, vindo dos EUA e Canadá. Assim, não há o controle de origem dessa farinha. A que produzimos em Irati, além de totalmente rastreável, é tão boa quanto”, garante Eduardo. “Além disso, contribui com os produtores e a cadeia local”, complementa.
Pão francês e pizza napolitana

Contudo, no mundo da panificação, as credenciais das farinhas francesas e italianas são difíceis de igualar. “A vantagem das marcas francesas é que elas não recebem nenhum aditivo químico e emprestam um sabor único aos pães”, garante Juliano Stevan, da Pan Pan.
“Eles têm séculos de aprimoramento e uma coisa que é fundamental: as técnicas de transformação do trigo em farinha. Existem até universidades que formam especialistas em moagem”, completa. A Pan Pan utiliza a Bagatelli, da França, mas recentemente adotou o Trigo de Origem e da Fazenda Vargem, de Goiás. Seguindo a linha francesa, a padaria fabrica a tradicional baguete e o croissant.
Daniel Mocellin, sócio da Pizzaria da Mathilda, explica que um dos sucessos da marca é a utilização da farinha italiana na massa. “É um produto mais caro, que certamente tem um impacto no valor final. Mas não dá para chamar de pizza napolitana e não usar nada de Nápoles”, diz.
Ele revela que, quanto mais forte a farinha, mais capacidade de absorção de água ela tem. “Isso quer dizer que a massa feita com farinha italiana tem fermentação mais firme, aguenta mais tempo fermentando e tem um teor nutricional mais elevado”.

“O aspecto e sabor da pizza da Mathilda só são alcançados com uma fermentação longa. Com essa técnica, a massa fica com bastante ar. Por isso a borda da nossa pizza fica com aquelas marcas de bolha, que as pessoas pensam que é de fermentação natural. Mas na verdade é de fermentação lenta”, revela.
A maior diferença entre as farinhas dos dois países é que a França é grande produtora de trigo, enquanto a Itália, não. “A farinha italiana passa por um processo parecido com o café. Como têm pouca área de cultivo, precisam se adaptar. Por isso se tornaram mestres da moagem sem serem grandes produtores”, diz Stevan.
Aprendendo a arte
Os profissionais são unânimes em apontar que a procura de pessoas que querem fazer pão em casa e de profissionais querendo conhecer as técnicas de panificação e uso de farinhas especializadas aumentou muito. Segundo Juliano, dá para começar assistindo a vídeos no YouTube ou até mesmo com cursos online.
“Mas a nossa contribuição para esse movimento vai além. Queremos melhorar a qualidade da farinha brasileira e também formar especialistas na área. Em janeiro a gente inaugura, em Curitiba, a primeira filial do San Francisco Baking Institute, escola de panificação artesanal que está entre as mais renomadas do mundo”, revela.
O fundador do instituto, o chef francês radicado nos Estados Unidos Michel Suas, uniu-se à dupla Eduardo e ao empresário Marcelo Vosnika, da Moageira Irati, para tocar o projeto em Curitiba. E claro, a farinha que vão utilizar será produzida toda em Irati.