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 | Osvalter Urbinati Filho
| Foto: Osvalter Urbinati Filho

"A universidade brasileira é arcaica e valoriza o catedrático em vez do jovem"

Depois de 35 anos, Miguel Nicolelis voltou a Curitiba em agosto. Participou de um evento sobre educação, fez uma palestra de lançamento de seu livro (Muito Além do Nosso Eu) e deu uma entrevista para o G Ideias.

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No futuro, uma "rede de cérebros"

Quando foi lançar o livro em que conta a história de seus projetos, neste ano, Miguel Nicolelis disse que a publicação poderia ter dois efeitos: alavancar a sua carreira ou arruinar com ela. Agora, três meses depois de seu lançamento no Brasil, o cientista diz, com um sorriso, que Muito Além de Nosso Eu, editado pela Companhia das Letras, foi muito bem recebido. Nada que ameace a sua carreira à vista.

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Rio Grande do Norte, a Califórnia brasileira

O quartel a partir de onde Miguel Nicolelis pretende lutar para implantar núcleos de ciência de ponta no Brasil funciona no Rio Grande do Norte. O Instituto Internacional de Neurociências de Natal Edmond e Lily Safra (IINN-ELS), fundado há oito anos, já recebeu investimentos da ordem de R$ 120 milhões. E o projeto que Nicolelis tem para a região, a "Cidade do Cérebro", custará nada menos do que US$ 2 bilhões.

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Avanço rápido

Terapia contra o Parkinson será testada em 2012

Um outro grupo de pesquisas conduzido por Nicolelis tem a ver com o tratamento de uma das doenças neurológicas que mais aflige pacientes no mundo hoje: o Parkinson. O neurocientista está trabalhando em uma nova maneira de combater esse mal, que hoje é tratado por medicamentos.

Uma das diferenças fundamentais entre o caminho tradicionalmente usado para enfrentar as doenças neurológicas e o rumo seguido pelo grupo de Nicolelis é o ponto de ataque. A tradição recomenda buscar soluções para esse tipo de problema especificamente no cérebro. Nicolelis entende que é possível vencer a doença atacando a medula espinhal.

O tratamento pesquisado por Nicolelis seria à base de uma estimulação elétrica da região. "O tratamento atual é à base de medicamentos. E quando o paciente chega num estágio terminal da doença, muito avançado, ele tem de sofrer uma intervenção cirúrgica que melhora os sintomas dos pacientes, mas que é uma intervenção dura, muito devastadora, invasiva", diz.

Acesso

Além disso, conta o pesquisador, só 5% de todos os pacientes podem fazer a cirurgia. E um número pequeno tem acesso, porque ela é muito cara: são US$ 130 mil. "O nosso procedimento seria semi-invasivo, muito barato e permitiria que um número muito grande de pessoas tivesse acesso ao trata mento desde o início da doença. Não precisaria esperar o paciente ficar mais comprometido", explica.

Segundo Nicolelis, se os experimentos que estão sendo feitos em Natal agora com macacos continuarem a dar bons resultados, no ano que vem já será possível fazer estudos clínicos. "É uma técnica muito simples. Ninguém imaginava que poderia ter um impacto na doença", afirma. (RWG)

A pesquisa do neurocientista brasileiro Miguel Nicolelis é tão revolucionária que, em poucos anos, poderá fazer com que a humanidade aprenda a usar expressões nunca antes concebíveis. Coisas como "ex-paraplégico", ou "ex-tetraplégico". Poderemos dizer que alguém "teve" Alzheimer ou Parkinson, mas que agora está curado. Vai ser possível afirmar que alguém perdeu um membro (uma perna, um braço, uma mão), mas que, felizmente, conseguiu recuperar essa parte do corpo...

E o estranho é que todas essas coisas, por mais mirabolantes que possam parecer à primeira vista, podem estar mais próximas de acontecer do que se imagina. Uma das ambiciosas metas do médico, o projeto "Andar de Novo" tem data para se concretizar. Se for "humanamente possível" terminar tudo a tempo, diz Nicolelis, na tarde da abertura da Copa do Mundo de 2014, marcada para o Brasil, dois adolescentes "que até aquele dia eram quadriplégicos" entrarão em campo e darão o pontapé inicial da primeira partida do Mundial.

"Não sei se vamos cumprir o prazo. Mas estamos tentando. E acho que é importante ter datas para apresentar resultados em ciência. Se não, ficamos divagando muito", diz ele. Embora diga que também goste de fazer seus devaneios, Nicolelis só está perto de concluir alguns de seus projetos mais impressionantes porque se dedica em tempo integral ao trabalho. Comanda um laboratório na Universidade de Duke, nos Estados Unidos. Outro em Lausanne, na Suíça. E, agora, está montando um centro de pesquisa de ponta no Nordeste brasileiro.

Mas, para entender tudo sobre Nicolelis, é necessário ir por partes. Primeiro, é preciso saber como um estudante de Medicina da USP chegou a bolar todas essas ideias sobre o cérebro humano. Vamos a isso.

Distribucionista

Nicolelis conta que todo o seu trabalho de pesquisa começou num embate entre duas correntes de neurocientistas. De um lado, estava o grupo majoritário, dos "localizacionistas". Os cientistas que apoiam essa teoria acreditam na extrema especialização de células cerebrais. Num ponto absurdo, chegaram a encontrar coisas como "o neurônio da vovó", que dispararia cargas elétricas mais rápido quando o indivíduo via uma foto da própria avó.

O brasileiro queria mostrar que na verdade "um neurônio sozinho não faz verão". E que são grandes "populações" neuronais que juntas criam os comandos dados pelo cérebro. Para isso, começou a fazer pesquisas com o cérebro de primatas. E foram essas pesquisas que o levaram a seu campo de trabalho atual: a interação máquina-cérebro.

Para provar seu ponto, Nicolelis colocou transmissores em neurônios dentro da cabeça de macacos. Passou a registrar seu funcionamento em número cada vez maior, e a ver como eles reagiam em diversas situações. Uma coisa levou à outra, e logo, na pesquisa do pós-doutorado, surgiu uma ideia. Seria possível, dizia Nicolelis, fazer uma máquina obedecer aos comandos do cérebro sem que houvesse qualquer contração muscular envolvida. Ou seja: o que o macaco "pensasse" seria convertido em linguagem de computador. E o comando, transmitido para um robô.

Aurora

A primeira grande vitória do brasileiro ocorreu em 2001. E a personagem central dessa conquista é a macaca Aurora. Sentada em uma cadeira, ela foi ensinada a jogar videogame. Na tela, um alvo aparecia em lugares aleatórios. O objetivo dela era fazer o cursor cruzar o alvo durante o curto tempo em que ele ficava visível. Se conseguisse, o equipamento derrubava umas gotas de suco de laranja em sua boca.

O que Aurora não tinha como saber é que seu cérebro estava sendo monitorado. E seu "pensamento" estava sendo transmitido para um computador. Em linguagem digital, o computador se comunicava com um braço robótico que, na sala ao lado, repetia os mesmos movimentos, em tempo real.

Até que um dia, Aurora foi surpreendida pela equipe de neurocientistas. O joystick que ela usava para jogar sumiu. A esperança dos cientistas era de que ela entendesse o que queriam dela: que percebesse que poderia apenas "imaginar" os movimentos a serem feitos com o controle. E mesmo assim, o cursor na tela se moveria. Por quê? Porque o joystick estava na mão robótica na sala ao lado, lendo os pensamentos dela.

E, para surpresa de todos, Aurora entendeu o jogo. E o cursor se moveu na tela. E ela voltou a receber o merecido suco de laranja. A partir daquele momento, Nicolelis tinha uma certeza: era possível criar novas partes de um corpo. Fazer com que máquinas respondessem apenas a nossos pensamentos. Que máquinas poderiam ser essas? Por exemplo, uma mão mecânica implantada num braço, depois de uma amputação. Outro exemplo? Uma "armadura" mecânica colocada em volta do corpo de um paraplégico.

O cérebro de Aurora, diz Ni­co­­lelis, foi libertado. Agora, é a hora de libertar os demais.

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