São Paulo - O tema da 28ª Bienal de São Paulo, que abre amanhã para o público e vai até 6 de dezembro, é "em vivo contato" (assim mesmo, com as iníciais minúsculas). Há meses, entretanto, o evento vem sendo chamado pela imprensa nacional de a "Bienal do Vazio". O apelido foi dado em decorrência de dois fatores: a crise financeira que quase a inviabilizou e a opção dos curadores, Ivan Mesquita e Ana Paula Cohen, de transformar o segundo andar do Pavilhão Ciccillo Matarazzo, desenhado por Oscar Niemeyer, em "planta livre", como foi concebido por seu criador. Sem paredes, divisórias ou qualquer outro tipo de intervenção, a não ser as árvores do Parque do Ibirapuera, que podem ser vistas através dos amplos janelões do edifício.
O termo "planta livre" refere-se ao conceito criado por Le Corbusier, em 1926, para definir um dos cinco princípios da nova arquitetura: com a utilização de pilotis e o concreto armado, as paredes não são mais usadas na sustentação dos andares de um edifício. Esses princípios estão na base da arquitetura moderna brasileira. "Desta vez o segundo andar está completamente aberto, revelando sua estrutura e oferecendo ao visitante uma experiência física da arquitetura do edifício", disse o curador Ivan Mesquita, em entrevista coletiva realizada na última quinta-feira (23), na capital paulista.
Crise
A escolha da curadoria foi uma solução criativa para justificar, e de alguma forma compensar, o encolhimento do evento o mais importante no âmbito das artes visuais na América Latina , provocado pela dificuldade enfrentada pela Fundação Bienal, acusada de má administração, para levantar os recursos necessários para a realização do evento. Mesquita e Ana Paula foram ainda mais longe: resolveram fazer da crise uma espécie de mote da 28ª edição. Em vez de negá-la, decidiram assumi-la.
A curadoria, entretanto, não acredita que se trate apenas de uma questão financeira e de um fenômeno isolado, restrito à Bienal de São Paulo. Por conta dessa conclusão, resolveu oferecer ao público visitante a oportunidade de participar e contribuir ativamente para o processo de reflexão sobre o modelo e a cultura das exposições bienais no circuito internacional de arte e o papel do evento paulista nesse contexto.
Esta 28ª edição tem um formato distinto das edições anteriores e pretende desenvolver um trabalho investigativo e crítico, que acompanhe as transformações ocorridas não apenas no Brasil, mas também no resto do mundo. Segundo Ana Paula Cohen, as bienais estão cada vez mais inseridas em um contexto da indústria cultural, transformadas, de certa forma, em um produto a mais, em megaeventos mais preocupados em rechear os calendários turísticos e de entretenimento das cidades do que em refletir a arte contemporânea como organismo pulsante.
O objetivo da curadoria é que, ao final dos 42 dias de exposição, a Bienal de São Paulo reencontre sua especificidade e se coloque novamente "em vivo contato" com seu tempo. Com 42 artistas convidados, de 22 países, e quatro projetos especiais, Mesquita e Ana Paula conceberam diferentes ferramentas para concretizar essa missão. Sabem que estão na mira de olhares muito críticos, que os acusam de, ao reduzir as dimensões do evento, torná-lo menos relevante no cenário internacional, atraindo menos grupos de estudiosos de arte, criadores e empolgando menos até seus freqüentadores assíduos.
"Acho muito provinciana essa postura de pensar que precisamos da validação internacional para que a Bienal seja considerada relevante ou bem-sucedida. Nosso site tem sido muito consultado e estou satisfeito com o resultado", afirma Mesquita. Presidente da Fundação Bienal, Manoel Francisco Pires da Costa endossa as palavras do curador: "Esta bienal me satisfaz muito. Temos de discutir o formato do evento de forma mais profunda".
Para Ana Paula Cohen, as práticas artísticas contemporâneas não se restringem apenas à produção de um só objeto passível de contemplação em um mesmo tempo e lugar. Por isso, a 28ª Bienal pretende articular diferentes estratégias de exposição, debate e difusão. Além do já citado segundo andar em "planta livre", esta edição se organiza a partir de vários componentes, distribuídos pelo edifício.
O térreo será transformado em uma grande praça pública, voltada ao convívio social do visitantes. Essa opção, segundo a curadoria, retoma a proposta original do arquiteto Oscar Niemeyer para o Parque do Ibirapuera em 1953. Haverá intensa programação durante as seis semanas do evento, com apresentações de música, dança, performances e cinema.
Arquivo
Outro objetivo fundamental da 28ª Bienal é chamar a atenção para o Arquivo Histórico Wanda Svevo, divisão da Fundação Bienal de São Paulo responsável pela preservação da memória da instituição e das várias edições do evento. "É a principal fonte de referências para qualquer estudo, reflexão e programa que vise a uma avaliação e reciclagem da fundação e da bienal em si. Muito da minha formação se deu aqui, recorrendo também a esse arquivo, que precisa ser enriquecido, reorganizado e colocado à disposição de todos", diz Ana Paula. Ao longo das seis semanas da bienal, acontecerão palestras e conferências com antigos curadores e artistas que participaram do evento através de sua história, com o objetivo de reavivar esse patrimônio.
Exposição
A ocupação do terceiro andar, destinado à exibição das obras selecionadas, busca ativar essa história, sempre aberta a novas leituras e interpretações. Os artistas e obras selecionados, diz Ivan Mesquita, "pesquisam os limites entre realidade e ficção, entre construção de documentos e verdades instituídas, entre memória pessoal e história coletiva. Partindo de diferentes perspectivas, os projetos oferecem novas leituras e interpretações sobre alguns aspectos da história da Bienal".
Serviço
28ª Bienal de São Paulo. Pavilhão Ciccillo Matarazzo Parque do Ibirapuera. De 26 de outubro a 6 de dezembro de 2008. Terça a domingo, das 10 às 22 horas. Entrada franca.