A arquiteta Giceli Portela enxergou o tombamento do imóvel que comprou como uma oportunidade para divulgar a arquitetura modernista| Foto: Marcelo Elias/Gazeta do Povo

Cerca de 50

É o número de prédios e imóveis tombados em Curitiba pelo Patrimônio Cultural, por meio da Lei Estadual nº 1.211/53. Além de edifícios históricos e particulares, três coleções de arte também são protegidas pelo estado.

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O conjunto de prédios da reitoria da Universidade Federal do Paraná (UFPR), o Colégio Estadual do Paraná e o Teatro Guaíra são alguns exemplos de prédios públicos de arquitetura modernista da cidade, estilo que preza pela funcionalidade, muito influenciado pelo francês de origem suíça Le Corbusier. Em Curitiba, o movimento teve como principais expoentes os arquitetos João Batista Vilanova Artigas e Ayrton "Lolô" Cornelsen. No entanto, pouco restou desse legado, já que grande parte das casas do estilo projetadas por eles foram colocadas abaixo no início dos anos 2000.

Um dos episódios que gerou manifesto de professores, acadêmicos e estudiosos da área foi a demolição de uma das casas de Lolô, em 1999. O movimento fez com que uma comissão, formada por membros da área de Patrimônio Cultural, além dos estudiosos, listassem casas que poderiam ser tombadas ou se tornassem Unidades de Interesse de Preservação. A lista chegava a 140 edificações. Restaram menos de 25.

"É um trabalho que levou quase três anos para ser feito, com uma análise criteriosa. Muitas residências foram demolidas do dia para a noite", conta o coordenador de pesquisa da Diretoria de Patrimônio da Fundação Cultural de Curitiba, Marcelo Sutil, que, na época, fazia parte do grupo de análise. Ele recorda de um importante imóvel na rua David Carneiro, no bairro São Francisco, projetado pelo arquiteto Elgson Ribeiro Gomes. "Foi uma das primeiras residências que ele fez, era considerada joia rara. Quando chegamos para fazer vistoria no local, já estava no chão." A coordenadora do Patrimônio Cultural da Secretaria de Estado da Cultura (Seec), Rosina Parchen, também lembra do episódio com tristeza. "Elas não foram transformadas em unidade de preservação imediatamente. É um processo que demora um pouco. Nesse meio tempo, alguns moradores venderam e derrubaram, e perdemos muitas coisas boas, o que é lamentável."

Autor da obra Arquitetura do Movimento Moderno em Curitiba (Travessa), Salvador Gnoato acredita que uma das explicações para a falta de conscientização na preservação e tombamento das casas modernas em Curitiba, se deu muito por conta das próprias características dessa arquitetura, que é mais racional. "Ela é funcional e menos enfeitada, talvez por isso não mexa tanto com o emocional do público, ao contrário dos prédios históricos, que é mais artesanal e sensibiliza mais as pessoas." Gnoato alerta que, apesar de os imóveis modernistas parecerem muito recentes, fazem parte da paisagem urbana há mais de 50 anos, e são bons exemplares do que foi construído no século 20. "Essa sensibilização precisa acontecer. Só assim preservaremos as unidades mais impwortantes do século passado, e de cada século", reitera.

Ocupação

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A arquiteta Giceli Portela, que no ano de 2002 comprou e restaurou a casa do arquiteto João Batista Vilanova Artigas (1915–1985) onde hoje está instalado seu escritório, divide seu sentimento em relação aos poucos exemplares que restaram na cidade. "Entendo que a especulação imobiliária não tem sentimentos. E essas casas que estavam localizadas em terrenos valiosos e com potencial para receber grandes edifícios tiveram sua morte declarada. Quando a construção não era em terrenos valorizados, muitas pessoas talvez nem soubessem que seus imóveis eram preciosos."

Giceli é um bom exemplo de pessoas que pensaram no fato de o imóvel ser tombado (que foi realizado em 2003) como uma boa oportunidade, já que a casa representa, de acordo com ela, um modo de viver muito especial da Curitiba dos anos 1950. "Compramos com a intenção de instalar a empresa e, como já era do ramo de restauração, pensei em aliar os interesses e garantir que um patrimônio a mais fosse restaurado na nossa cidade."

Logo que iniciou a reforma, a arquiteta recebeu vários estudiosos do país interessados em conhecer a obra. "Imediatamente, entendemos que a casa não poderia ter um uso único, mas deveria ser compartilhada com as pessoas que admiravam o autor." Desde agosto do ano passado, parte da estrutura serve como memorial dedicado à Artigas, além de abrigar eventos culturais e de cursos, que serão ministrados ao longo desse ano. "Ela deixou de ser apenas uma morada e passou a ser lugar de ensino e contemplação da arquitetura moderna de Curitiba e de Artigas. Não fui eu quem decidiu abrir para a sociedade, foi a própria casa que convidou a todos. Eu só fiz recebê-los."

Bens imateriais também são protegidos

Fundado em 1937, em pleno Estado Novo de Getúlio Vargas, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) foi criado pelo Decreto-lei n.º 25 e é, até hoje, o órgão que rege a preservação no Brasil e serve de modelo para o estabelecimento de regras estaduais. O órgão também é responsável por diversos tipos de tombamento, como o de áreas mais extensas (paisagens históricas de cidades, por exemplo) e pelos Inventários Nacionais de Referência Cultural, registro de manifestações culturais e artísticas consideradas dignas de proteção.

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Segundo o superintendente do órgão em Curitiba, José La Pastina Filho, o fandango paranaense, gênero musical e de dança associado ao modo de vida dos habitantes do litoral, deve ser protegido em breve pelo Iphan.

"Quando há o registro, você estabelece planos de salvaguarda", diz La Pastina. O samba de roda do Recôncavo Baiano é um dos ritmos preservados pelo instituto. "Houve uma verdadeira revolução. As novas gerações só queriam dançar axé, e não o samba, que é lindo. Depois de ser incluído no inventário, pessoas interessadas criaram uma federação da dança, foram se apresentar no exterior. Ocorreu uma valorização muito grande dos velhos dançadores, que estão passando seus conhecimentos para as gerações mais recentes. Esperamos que isso também aconteça com o fandango", conta.

A ideia, porém, poder soar "protecionista", já que, de certa forma, há impedimento na mudança daquela manifestação, que é incentivada pelo modo de vida contemporâneo. "Ele [o registro] serve para lembrar de algo culturalmente marcante na sociedade, mas não pode impedir a evolução natural. Você não prende as ideias, elas se modificam livremente", enfatiza a professora de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Maria Luiza Marques Dias. É preciso, segundo ela, achar maneiras de manter a cultura, mas não parar no tempo. "A rigidez não faz sentido tanto na questão arquitetônica, como na imaterial e urbanística. Não se pode colocar camisa de força."