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Rio de Janeiro, sexta-feira, 19 horas. Enquanto todos saem de seus trabalhos para aproveitar as últimas horas de sol sentados nas mesas de bar, eu caminho pelas ruas do pequenino bairro do Castelo, próximo ao Centro, em direção ao lar dos imortais, a Academia Brasileira de Letras com um único objetivo: consegui um autógrafo – e quem sabe, uma pequena entrevista – com Jô Soares, que promovia ali o lançamento de seu mais novo romance, As Esganadas.

Eu, que já estava acostumado com a rotina dos lançamentos literários nacionais – um sorridente e incontido autor acompanhado de alguns poucos leitores igualmente incontidos – tinha um plano simples: perguntar, na hora do autógrafo, se ele não poderia me conceder cinco minutos de prosa. Não contava com a quilométrica fila de fãs do escritor e apresentador de TV, que fazia várias voltas e começava ainda na calçada da ABL.

Não sou muito bom em contabilizar, mas 150 pessoas à minha frente seria um chute bem realista. Só soube de comoção maior na Bienal de Salvador, em 2006 (ou seria 2007), quando o baiano vencedor do BBB5, Jean Wyllis, que publicou um livro sobre suas experiências na casa, arregimentou multidões que torceram por ele e a atriz Grazi Massafera. Se a televisão faz dessas coisas com uma celebridade instantânea como Jean, que dirá com um homem tão carismático e presente a tanto tempo na televisão aberta quanto Jô Soares – que ainda por cima, só publica Best-sellers! Pensando bem, não poderia esperar menos que essa multidão.

O jeito era exercitar a paciência e uma das maiores qualidades do brasileiro: suportar ficar em pé durante várias horas numa fila. Sem problemas, não estou com fome nem estou com sede, e tenho sempre um livro comigo – no caso, o clássico O Grande Gatsby, de F. Scott Fitzgerald, além de As Esganadas, que já tinha lido. Entre uma página e outra, prestava atenção à movimentação do público.

A primeira coisa que percebi é que nem todos estavam apenas com um exemplar do livro na mão. Colhiam autógrafos para a mãe, para a avó, para os tios – um sujeito tinha nada menos do que cinco livros numa imensa sacola da livraria Saraiva. Um rapaz da fila comentava com as amigas, que se ofereciam para poupá-lo da fila e levar seu exemplar para a fila do autógrafo: "Eu sei, mas eu quero ver o velhinho assinando meu livro! Vai que ele morre depois e eu não vejo mais ele!". Outros três, à minha frente, se inflamavam numa discussão literária que ia de Guimarães Rosa e Eça de Queiróz a Sidney Sheldon e Operação Cavalo de Tróia mais rápido do que uma Ferrari faria de 0 a 100 quilômetros por hora. Muitos saíam momentaneamente da fila para tirar foto com as celebridades que apareceram para prestigiar o livro, como Ney Latorraca e a ex-vedete Íris Bruzzi. Nenhuma impaciência, nenhuma cara feia. O Rio de Janeiro continua lindo.

Eis que um legítimo leão-de-chácara se aproxima da fila e pergunta nossos nomes. Apenas um método para agilizar os autógrafos, e logo guardo um papel escrito "Yuri" em uma caligrafia bonita dentro do meu exemplar de As Esganadas. Logo a palavra mudará de papel e de caligrafia para fixar-se para sempre na folha de rosto da obra, então. Bem, não exatamente logo. Ainda estava do lado de fora da ABL.

Parei de ler meu livro quando a luminosidade natural diminuiu, e já via a noite perdida numa fila de autógrafos. Olhei no relógio: uma hora e meia na fila, ainda longe de chegar onde queria.

O jornalista Edney Silvestre passou apressado por nós com sua equipe de reportagem, saindo do prédio. Chamei-o e ele me tomou por um dos tietes, acenando sem me olhar. Depois correu em minha direção desculpando-se, perguntando o que eu estava fazendo ali, mas cinco segundos depois saiu em disparada rumo ao carro de reportagem da GloboNews que o aguardava, para tristeza das pessoas que queriam tirar fotos com ele. Time is Money.

Finalmente, lá por nove horas da noite, cheguei de fato, dentro do prédio onde Jô Soares estava autografando. Lá, a Clara Dias, simpática assessora de imprensa da Companhia das Letras, fazia o trabalho do leão-de-chácara para quem não tinha ainda pego um papel com seu nome e dava as últimas instruções: fotos com o autor apenas sem flash e na frente da mesa. Um estande da Livraria Saraiva estava montado para os desavisados sem livro no meio de uma sessão de autógrafos – e vendiam! Resolvi acrescentar o meu complicado sobrenome ao papel para ter um autógrafo mais exclusivo, mas não teve jogo: quando chegou a minha vez, os dois ajudantes do – um que colocava o livro na sua frente e uma moça que mantinha as páginas abertas – trataram de descartar meu papel assim que o primeiro nome passou para a página. O Jô me cumprimentou com seu jeito simpático de sempre e agradeceu por eu ter aparecido, mas respondeu com o óbvio à minha – àquela altura já malfadada – tentativa de entrevista: "Agora não dá tempo".

Realmente, ainda haviam perto de 40 pessoas atrás de mim antes da fila acabar por completo e imagino que poucos homens teriam a vitalidade de fazer algo depois de autografar centenas de livros como Jô Soares fez durante mais de três horas. Saí da Academia Brasileira de Letras duas horas e quarenta minutos depois, sem a entrevista mas com um simpático e tremido autógrafo, às 9h40 da noite, pronto para aproveitar a brisa fresca da noite carioca e dormir o sono dos justos. Tentei, mas não foi dessa vez.

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