São Paulo estava agitada naqueles idos de 1958. Louis Armstrong, um dos principais nomes do jazz, faria uma apresentação na cidade. Dona Ophelia, que não andava lá muito bem com o marido, foi ao show e levou a filha, Eliana. Os solos de Armstrong eram realmente impressionantes, mas dona Ophelia grudou olhos e ouvidos em um saxofonista americano, que apareceu como convidado-surpresa: Booker Pittman. Quando o show acabou, houve tumulto para falar com Armstrong. Encantada, Ophelia evitou a multidão e foi falar com Booker. Pouco tempo depois, mãe e filha herdariam o sobrenome Pittman.
A trajetória do saxofonista e clarinetista Booker Pittman é tão singular quanto surreal. De espírito andarilho, o músico tinha uma adoração pela estrada capaz de fazer inveja aos escritores beats. Como Chet Baker, Booker Pittman rodou tanto que deixou de ter residência fixa. Também como Baker, o combustível para tanta inquietação vinha das drogas.
Traçar um perfil de Booker Pittman é tarefa complicada: os registros são escassos, as informações são contraditórias e o tempo ajudou a encorpar o mito. A história do norte-americano que se aventurou pelo Brasil e foi parar no norte do Paraná embalado pela cachaça mais parece ficção.
Segundo o compositor e crítico Eugene Chadbourne, no All Music Guide uma espécie de bíblia na internet para os amantes da música , a fama de Booker Pittman partiu de Kansas City e Dallas para conquistar a Europa, chegando à América Latina. Ao mesmo tempo em que influenciou muitos músicos como instrumentista virtuoso, o eterno viajar de Pittman o lançaria à margem da história do jazz.
Booker Pittman nasceu em Dallas, no ano de 1909, em uma família tradicional. Seu avô, Booker T. Washington, teria fundado a primeira universidade para negros nos EUA, o Tuskegee Institute. A mãe de Booker Pittman, Portia Pittman, deu aulas de música para vários jazzmen nos anos 20. Chadbourne cita, por exemplo, Sam Price e Budd Johnson.
Já nos anos 30, Booker Pittman freqüentava o cenário jazzístico de Kansas City, onde integrou a big band de Lucky Millinder e, com ela, se mandou para a Europa em 1933. Lá, o clarinetista conheceu Romeu Silva, regente e saxofonista carioca que gravou alguns discos com a cantora Josephine Baker. Especialista em ritmos brasileiros como o maxixe, o samba e o frevo, Romeu Silva despertou em Booker Pittman o interesse pelo Brasil. Quando voltou para cá, em 1935, Romeu Silva trouxe não só Pittman, mas vários outros músicos estrangeiros.
Booker passou por Pernambuco, Bahia e Rio de Janeiro. O impulso nômade se estendeu a Buenos Aires e onde mais encontrasse trabalho. Por causa da cocaína, Booker teria vivido na fronteira com o Uruguai, antes de retornar à Argentina. Depois foi para São Paulo, Santos, Rio de Janeiro outra vez e, finalmente, Londrina.
No norte do Paraná encontrou a abundância decorrente da explosão cafeeira. Era uma cidade boêmia, rica, com casas de tolerância que atraíam endinheirados de todo o país. Ao mesmo tempo, as zonas londrinenses ofereciam uma agenda cultural diversificada, bancada pelo "ouro verde".
"O Booker veio para cá [Paraná] comigo, trabalhamos juntos muito tempo. Ele foi um dos melhores sax sopranos do mundo. Eu também trabalhei com a Eliana Pittman", lembra o maestro parnanguara Waltel Branco, que mora em Curitiba.
Nas boates, Booker Pittman tocava com músicos locais. Era uma figura amigável e herdou um apelido carinhoso dado por Pixinguinha: Buca. Nas imensas bebedeiras da década de 40 e 50, Buca teria trocado a cocaína por uma paixão maior, a cachaça.
O vício cresceu, o dinheiro sumiu. Booker passou a tocar em troca de bebida e rodou pelo Norte do Paraná, vivendo temporadas em Santo Antônio da Platina e Cornélio Procópio.
Em Cornélio, estava na pior. Pintava as paredes de um prostíbulo quando chegou um velho amigo do Rio de Janeiro, o trombonista francês Paille Cordelle. Ele trazia uma reportagem em revista de circulação nacional assinada por Fernando Lobo pai de Edu Lobo, mas a autoria é controversa , dizendo que o famoso Booker Pittman havia morrido.
Aquilo abalou o americano a ponto de fazê-lo dar a volta por cima. Booker decidiu voltar ao Rio de Janeiro mas, antes, passou por São Paulo para encontrar um amigo: Louis Armstrong.
"Eles eram amigos de juventude e tocaram juntos na América. O Booker fez essa saga toda. Aí correu o mundo que Booker tinha morrido. Nesse dia que o Louis Armstrong tocou em São Paulo, o Booker foi convidado. Minha mãe estava comigo na platéia e nós o vimos", lembra Eliana Pittman. Ela esteve em Cornélio em junho último, onde cantou com antigos companheiros de Booker Pittman em um show de lançamento do curta-metragem Morre um Nome, realizado na cidade em homenagem ao saxofonista.
De volta ao Rio, agora acompanhado de Ophélia e Eliana, Booker voltou a conhecer o sucesso. Na então Capital Federal, encontrou a efervescência da bossa nova e se enturmou com facilidade, tocando com freqüência com Dick Farney.
Booker Pittman chegou a ser a atração principal da boate do Hotel Plaza, onde um jovem cantor batalhava para conseguir algum destaque: Roberto Carlos. É o que conta Paulo César Araújo na biografia Roberto Carlos em Detalhes, que, por ação judicial do cantor, foi proibida de ser comercializada:
"No Plaza, os shows eram divididos em duas partes: a nacional e a internacional. A primeira ficava a cargo de Roberto Carlos e de sua colega, a cantora Geny Martins. Os dois faziam blocos de meia hora, alternadamente, aquecendo o público para a principal atração da boate Plaza, o saxofonista americano Booker Pittman, que conduzia a parte internacional do show. Amigo de Louis Armstrong desde os tempos de juventude em Chicago, Pittman veio morar no Brasil no início dos anos 50, inicialmente em São Paulo e depois no Rio, contratado especialmente para tocar no Plaza. Mas ali nada era muito rígido e, às vezes, Roberto cantava acompanhado pelo Booker Pittman ou fazia a parte internacional quando era dia de folga do músico americano.
No Rio de Janeiro, Booker Pittman gravou LPs como "Sax Soprano Sucesso", "Jam Session" (1963) ao lado de Dick Farney , e "News from Brazil" (1963) já trazendo Eliana Pittman como cantora. Os três álbuns estão fora de catálogo e são disponibilizados pelo blog loronix.blogspot.com.
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