Juan Gelman discursou na abertura da Bienal| Foto: Divulgação

A tolerância e a defesa da liberdade, ainda que tardia, deram o tom do primeiro fim de semana da Bienal Brasil do Livro e da Leitura, iniciada sábado, em Brasília. Especialmente nas participações do nigeriano Wole Soyinka (Nobel de literatura de 1986) e do poeta argentino Juan Gelman. Se o primeiro criticou a ingerência religiosa no cotidiano das pessoas, o segundo revelou sua dor ao comentar a declaração de um ex-presidente da Argentina, general Jorge Rafael Videla, que admitiu pela primeira vez o desaparecimento de presos políticos durante o brutal período ditatorial (1976 -1983), do qual fez parte.

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"Videla foi um homem modesto ao dizer que apenas 7 ou 8 mil pessoas sumiram naquela época", disse Gelman sobre o militar que em 2010, foi condenado à prisão perpétua por assassinato, tortura e sequestro. "Na verdade, foram mais de 30 mil." Aos 81 anos, Gelman, um dos mais importantes poetas da atualidade, recebeu a confirmação oficial de algo que já sabia havia anos: seu filho e sua nora foram mortos pelo regime militar.

"Em agosto de 1976, eles foram sequestrados. Minha nora estava grávida de seis meses e a criança, uma menina, acabou entregue a um policial que vivia em Montevidéu, no Uruguai", disse o escritor, que só encontrou os restos mortais do filho 13 anos depois - ainda procura pelos da nora. E o paradeiro da neta só descobriu em 2000, graças à denúncia do policial que recebeu o bebê. "Foi um sequestro de ventre. Minha neta é como uma joia roubada."

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Já Wole Soyinka participou de dois eventos bem distintos no sábado. Pela manhã, durante a abertura da Bienal, surpreendeu-se com a quantidade de pessoas gritando e portando faixas. "Pensei que meu país fosse animado para feiras assim, mas vejo que aqui há mais empolgação", disse ele, que só depois foi informado de que se tratava de um ruidoso grupo de professores em greve, que aproveitava a mídia para protestar contra o governo de Brasília.

À noite, em ato solene em sua homenagem ocorrida no auditório do Museu Nacional, Soyinka, depois que outros políticos foram vaiados, improvisou - apesar de ler trechos de um discurso que preparara sobre a natureza espiritual e pacífica da religião Iorubá e o papel que teve na mescla com os santos católicos, ele preferiu comentar trechos de discursos que acabara de ouvir.

Como o do secretário de Cultura do Distrito Federal, Hamilton Pereira, que lembrou a proibição pelo Vaticano da missa dos Quilombos, por utilizar divindades do candomblé. "A intolerância desponta quando religiões querem ditar o secular: por exemplo, quando usam os dogmas e ditam como se deve viver no sentido prático, sem nada a ver com o espiritual", afirmou o escritor, cuja voz grossa e poderosa, aliada à vasta cabeleira crespa e branca, hipnotizaram a plateia. "Os orixás nunca pregam a guerra apenas a comunhão entre as pessoas."