Romper círculo vicioso é difícil, dizem feministas
Se o prognóstico diz que, a longo prazo, as novas gerações das periferias das cidades recusarão o trabalho doméstico, também é verdade que esse processo depende do rompimento de um círculo vicioso. "A doméstica que entra numa casa às 7, 8 horas da manhã, precisa acordar de madrugada para conseguir chegar no horário. Depois de trabalhar até o fim da tarde, numa função pesada e exigente, ela ainda enfrenta horas para voltar para casa e, ao chegar, precisa cuidar da sua casa e mal consegue acompanhar a vida escolar e o desenvolvimento dos seus próprios filhos", resume a historiadora, professora do Centro Universitário Uninter e idealizadora do coletivo feminista Dente de Leão Cidadania e Direitos Humanos, Maira Nunes.
O envolvimento na rotina acaba fazendo com que a empregada doméstica, cuja função não oferece nenhuma perspectiva positiva (não existe um plano de carreira, por exemplo), não encontre tempo de se preparar para uma outra profissão, fazendo algum tipo de curso técnico que permita que ela se torne cozinheira ou atue em outros segmentos em que a força de trabalho é essencialmente formada por mulheres, como a área de beleza.
"A creche é o primeiro fator para a independência dessa mulher. Só assim ela terá segurança e poderá administrar melhor, possa trabalhar um pouco menos para se dedicar à sua qualificação", crê Maira.
O fato de ser uma função realizada dentro dos lares dificulta um controle, uma fiscalização em relação aos abusos e às condições de trabalho. Para a professora de literatura da Universidade Federal do Ceará (UFC) e autora de um dos blogs feministas mais movimentados da internet, o Escreva Lola, Escreva (escrevalolaescreva.blogspot.com), Lola Aronovich, a desigualdade social permite a exploração. "Ainda é relativamente barato ter uma empregada. Todas as pesquisas mostram que o salário das empregadas é o menor que existe. Isso acontece porque alguém burla a lei, justamente a classe média, que se considera tão justa e é a primeira a condenar a corrupção dos políticos, a primeira a infringir as regras quando lhe convém."
A feminista destaca, ainda, que clichês difundidos sobre a profissão uma certa dificuldade em encontrar uma trabalhadora, ou o aumento do preço no honorário das diaristas , fazem com que surjam comentários como o de que as pessoas não "querem mais trabalhar." "Se você tivesse de ser contratada num sistema de quase escravidão, com hora para entrar mas sem hora para sair, para servir 24 horas por dia, não ter registro na carteira de trabalho e ganhar menos de um salário mínimo, você aceitaria?", questiona Lola.
A despeito dos avanços e de um compartilhamento um pouco mais justo dos afazeres domésticos, principalmente entre homens e mulheres da nova geração, é inegável: o trabalho no lar, majoritariamente, é responsabilidade da mulher. Para quem tem uma atuação forte no mercado de trabalho, lavar, cozinhar e limpar é uma jornada à parte, e cansativa. Quem tem mais recursos financeiros acaba enfrentando esse cotidiano com o apoio de outras mulheres, contratadas para a função.
Essa responsabilidade não é inventada, mas adquirida desde a infância. "Quando crianças, as meninas são responsáveis por ajudar as mães em casa. Até na brincadeira de boneca elas aprendem a fazer o trabalho. É uma habilidade imposta na formação de vida, e depois naturalizada. Serve de justificativa para não valorizar a função, que acaba sendo vista como algo natural", salienta a socióloga, pesquisadora e parte da coordenação do Instituto Feminista para a Democracia SOS Corpo, Maria Betânia Ávila.
A blogueira feminista Lola Aronovich (escrevalolaescreva.blogspot.com), também professora de literatura inglesa da Universidade Federal do Ceará, costuma dizer que é preciso riscar o verbo ajudar do dicionário quando se trata da atuação do homem dentro do lar. "A função é de ambos, que precisam dividir as tarefas, já que hoje, na maioria das configurações familiares, homem e mulher trabalham fora. Infelizmente, é um privilégio do homem chegar do trabalho, ver a casa limpa e ter a comida pronta." Apesar de defender a repartição dos afazeres com unhas e dentes, Lola reconhece que, na sua casa, essa distribuição com o marido ainda está longe da ideal. "Para ele é difícil, pois cresceu em um ambiente onde isso era visto como trabalho de mulher. Eu, como feminista, me recuso a pensar que esse é meu serviço porque sou mulher. Lamento dizer que minha casa não é limpa (risos). É uma negociação eterna."
A dificuldade de delegar funções em casa é outra característica que faz com que seja necessária ajuda profissional. "Historicamente, se olharmos a revolução feminista da década de 1960, quando a mulher foi construir sua independência, concentrou tudo em si. O trabalho de emancipação feminina não foi feito em parceria com o homem. Essa geração foi para as ruas, entrou no mercado de trabalho, mas não conseguiu compartilhar os afazeres de casa com o companheiro, nem com os filhos", explica a historiadora, professora do Centro Universitário Uninter e idealizadora do coletivo feminista Dente de Leão Cidadania e Direitos Humanos, Maira Nunes. O perfeccionismo exigido das mulheres, lembra Maira, é um ponto que piora ainda mais esse processo. "São mulheres que, mesmo independente financeira, intelectual e emocionalmente, não sabem compartilhar e pegam tudo para cuidar."
Trabalho "sujo"
É claro que, quando tem muitas atribuições, a mulher precisa de apoio caso contrário, seu trabalho fora de casa sofrerá impactos, já que é necessário, constantemente, se dividir entre o cuidado com os filhos, a casa e o emprego. Por outro lado, há também quem não queira se responsabilizar pela limpeza, pois há, segundo Maira, uma relação cultural do que é ser "de elite". "Quem limpa a sujeira que produzimos é extremamente desvalorizado. Na nossa sociedade, quem faz determinados serviços é o pobre." A relação ambígua estabelecida entre patroa e empregada, geralmente afetiva, também mascara o preconceito. "Justifica-se que a empregada é membro da família. Você oferece um falso reconhecimento e exige em troca uma série de comportamentos e responsabilidades da empregada doméstica."
Além de não se sentir confortável com a convivência entre patroa e empregada de ter alguém "estranho" em casa limpando a sujeira que ela mesma fez Lola Aronovich acredita ser necessário que, sobretudo as feministas que atuam no movimento de igualdade das mulheres, mas não abrem mão da ajuda de uma profissional em suas casas, reflitam sobre a exploração, mesmo que velada, que está implícita no trabalho doméstico.
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