Anatomia Frozen, da companhia paulista Razões Inversas, trabalha com a ideia de que há dois tipos de maldade. Aquela típica dos psicopatas, a patológica, está fora do controle da mente e não gera remorso: trata-se de um sintoma. A outra é o mal consciente, praticado pelas pessoas ditas normais, de forma deliberada. A esse, chamam pecado.
"São ambos igualmente passíveis de punição?", questiona o grupo, sem entregar a resposta.
Em vez disso, o diretor Marcio Aurélio e os atores Paulo Marcello e Joca Andreazza manipulam o texto da inglesa Bryony Lavery de modo "cirúrgico", como a dissecar a lógica de três personagens envolvidos no caso de um assassino em série, preso por estuprar e matar crianças.
O pedófilo, sua psiquiatra e a mãe de uma das vítimas expõem suas versões dos fatos. O público fica livre para fazer seus julgamentos a partir delas. Para complicar, porém, há mais de um crime (e de um potencial criminoso) em jogo.
Cientes da gravidade e do horror do tema da pedofilia seguida de assassinato, o grupo decidiu tirar, tanto quanto possível, o peso emocional do espetáculo, em troca dessa espécie de estudo racionalizado. A encenação então se reveste de branco e os figurinos remetem às roupas de açougueiros, numa busca pela assepsia.
Mesmo assim, algumas imagens muito fortes são sugeridas pelos testemunhos. O encontro da mãe com os restos da filha é uma delas. O que o grupo consegue com essa estratégia, contudo, é colocar o espectador em uma posição de distanciamento crítico que o impede de simplesmente se deixar abater pelos acontecimentos relatados. Se os sentimentos forem atingidos, nem por isso a razão deixa de ser também. (LR)
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