Porto Alegre - Temas espinhosos têm sido esmiuçados em montagens nacionais neste 17.º Porto Alegre em Cena, que acontece na capital gaúcha até o dia 27 de setembro. Na montagem carioca A Máquina de Abraçar, fala-se das incompreensões do autismo. A paulista Anatomia Frozen enfrenta a lógica terrível de um assassino pedófilo. Já Psicose 4h48, a única montagem curitibana presente, se infiltra em uma mente suicida.
A obra derradeira da dramaturga inglesa Sarah Kane é dirigida por Marcos Damaceno. Fragmentada, sugestiva, sem determinação de quantas ou quem são as vozes do texto, Psicose 4h48 já recebeu inúmeras montagens. Das mais variadas.
Com a atriz Isabelle Huppert semi-imóvel ou público posto em balanços, ouvindo vários atores, por exemplo. Grande parte delas mantinha a peça longe do modelo dramático de teatro, esse de personagens vivendo um conflito.
Damaceno, em sentido inverso, fez uma opção por se aproximar do drama e do realismo, sintetizando a polifonia de vozes em dois personagens mais ou menos delineados: a paciente (Rosana Stavis) e seu interlocutor (Marcelo Bagnara), um homem que vale por seu médico, amante, amigo e às vezes a ecoa. A encenação se atém aos diálogos e a um intimismo frio, que deixa ao espectador olhar de perto e racionalmente as variações emocionais mostradas, sem se envolver.
A consciência (perturbada), zona de interesse do diretor, se revela por esse caminho da palavra e por um ou outro gesto brusco de Rosana. Ela tomba da cadeira de rodas e cobre, esticando as mangas, as marcas dos cortes feitos nos pulsos. São soluções bastante realistas e racionais, sem interesse por simbologias ou imagens sugestivas. Seco (visualmente) e histérico.
O elo mais fraco da montagem está na relação entre os dois personagens. Fica difícil formar uma ideia (ou várias, se for o caso) do que aquele homem representa, enfim, para ela.
Como atriz de muita qualidade técnica, sobretudo pelo controle vocal que usa em favor das alterações de humor (ora a tristeza explosiva, ora a raiva contida e suavizada), Rosana concentra em si toda a potência do espetáculo. Sua angústia tem como melhor paralelo a iluminação feita por Nadja Naira e Fábia Regina, numa ambientação de muita penumbra, com lâmpadas frias de luz intermitente. Inconstantes e sombria, como os humores daquela mulher, retratados por Sarah Kane pouco antes de cometer suicídio, aos 28 anos, em 1999.
*A repórter viajou a convite do 17º Porto Alegre em cena.
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