Estudiosos, artistas, professores, curadores, colecionadores e o público em geral podem agora ter acesso à obra monumental do pintor gaúcho Iberê Camargo (1914-1994) sem se deslocar até Porto Alegre e percorrer a fundação que leva o seu nome – embora a visita seja altamente recomendável, não só pela arquitetura do prédio, do arquiteto português Álvaro Siza, como pela coleção.
A Fundação Iberê Camargo disponibiliza um hotside com obras do artista, além de outros documentos – 2 mil cartas, manuscritos, entrevistas, recortes de jornais, catálogos –, muitos deles inéditos, assim como peças (desenhos, pinturas) da primeira fase.
“Foram dois anos de digitalização para colocar o hotsite no ar, projeto que vai facilitar muito a vida dos curadores, por relacionar as obras com documentos escritos sobre ela”, diz o responsável pelo acervo, Eduardo Haesbaert, que também responde pelo ateliê de gravura da fundação.
Reveladoras
O projeto de digitalização da obra do pintor gaúcho, feito com patrocínio da Gerdau e da Petrobrás, via Lei de Incentivo do Estado do Rio Grande do Sul, tem como coordenadores Gustavo Possamái e Alexandre Demétrio, que incluíram no hotside obras reveladoras de um lado menos conhecido do artista, que foi também cenógrafo e figurinista, como comprova o balé “Rudá” (1959), com música do maestro Heitor Villa-Lobos.
O acervo digital de Iberê Camargo vai disponibilizar mais de 4 mil obras (pinturas, desenhos e gravuras) e centenas de documentos até o final do processo de digitalização.
Desse total, 3 mil trabalhos citados já estão no hotside em alta definição.
Alguns documentos nunca foram vistos pelo grande público nem por especialistas, assim como parte da correspondência entre Camargo e amigos, como o pintor Alberto da Veiga Guignard (1896-1962), que foi seu mestre, e o fotógrafo de cinema Mário Carneiro (1930-2007), autor da imagens de filmes como O Padre e A Moça e A Casa Assassinada.
Organizado em dois núcleos - as obras e os documentos -, o acervo registra os 60 anos de atividade artística de um pintor de difícil classificação, que teve uma trajetória solitária dentro do modernismo brasileiro, também pela pouca paciência com a maneira como a arte era tratada aqui - tanto pelo mercado como pelas instituições governamentais e privadas.
Há, entre os documentos do acervo digital, um abaixo-assinado enviado por ele ao então presidente das Organizações Globo, Roberto Marinho, criticando as cotações (bom, razoável, sofrível) do jornal O Globo para exposições de arte.
Numa carta ao professor e crítico de arte italiano Lionello Venturi (1885-1961), ele se mostra indignado com as bienais e curadores que promovem sempre os mesmos nomes - com especial menção aos “brinquedos” de Lygia Clark.
Filho de ferroviários, que impôs sua pintura sombria e dramática a um país tropicalista, voltado para o humor, Iberê Camargo nunca fez concessões ao gosto médio ou ao mercado, encerrando sua carreira, aos 79 anos, em 8 de agosto de 1994, com uma pintura simbolicamente chamada “Solidão”, dominada pela fantasmagoria e a tristeza do crepúsculo.
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