No começo de março, Lenora Pedroso chegou ao Museu Municipal de Arte (Muma), no Portão Cultural, acompanhada da mãe, Leyla, e da irmã, Daniela.
Elas começariam a curadoria da exposição Domicio para Sempre, em homenagem ao pintor paranaense que morreu no ano passado aos 83 anos. Domicio Pedroso é pai de Lenora e Daniela e marido de Leyla.
Veja imagens da exposição Domicio para Sempre
Elas estavam aflitas, sobretudo Lenora, que é diretora de museu – o de Arte Contemporânea do Paraná. A aflição tinha a ver com a curadoria.
Abstrato
Lenora diz que não é possível definir Domicio como um pintor abstrato. “Você identifica o tema que ele usa, mas com uma variante muito grande”, explica. Sua produção foi intensa ao longo da vida, mas trabalhou muito nos anos 1990, quando não se fixava em um quadro só: trabalhava simultaneamente em mais de uma obra.
Engenheiro
Por insistência do pai, Simião, Domicio cursou Engenharia Civil em paralelo com a Embap. Mesmo sendo colecionador de arte e amigo de Guido Viaro , o pai achava que uma outra ocupação era necessária. Domicio gostava de arquitetura – o que se refletiu em seus quadros. Mas trocou a engenharia por um emprego como professor de desenho.
Museu Municipal de Arte – Portão Cultural (Av. República Argentina, 3.432 – Portão), (41) 3321-3275. Visitação de terça-feira a domingo, das 10h às 19 horas. Entrada franca. Até 14 de junho.
A única certeza era que Rua do Comércio (1957), um dos primeiros trabalhos do artista, premiado no Salão Paranaense, deveria fazer parte da mostra.
“Chegamos num sábado aqui e achamos que trabalharíamos a tarde inteira. Mas, partindo desse quadro, surgiu uma linha. E foi natural. Em uma hora tínhamos feito a curadoria”, conta Lenora.
Na tela, vemos a famosa Rua do Comércio, no Rio de Janeiro, fruto de uma temporada de seis meses que Domicio viveu na cidade. No retrato, duas pessoas conversam e é possível detectar, claramente, os detalhes do casario, em um estilo que destoa do trabalho que ele seguiu depois.
A ruptura ocorreu depois dos estudos em Paris, de 1958 a 1962: tanto que, na sequência da mostra, vemos essa mudança em Inverno em Paris, de 1961. “Percebemos a rua e os vãos, mas é um trabalho de claro e escuro”, explica a filha.
Paris abriu a cabeça do pintor: finalmente, ele pôde ver de perto os mestres que estudou pelos livros na Escola de Música e Belas Artes do Paraná (Embap).
“Ele voltou com a predileção para abstrair o tema preferido dele, que eram as construções e as favelas”, diz Lenora. O estudo era mais “vivo”, relembra Leyla, que foi com o marido e com Lenora, ainda bebê de colo, para a capital francesa. “Aqui, ver obras dos mestres era só por livros, e muito mal impressos.”
Influenciado pela cidade, ele também retratou os vitrais das igrejas. Mas logo mergulhou no tema que explorou ao longo da vida: as favelas.
Em uma das conversas com o pai, Lenora descobriu que Domicio encontrou um artista que o convidou para retratar, in loco, uma favela (na época, ainda se sentava com o cavalete ao ar livre para pintar). “Ele me contou que foi marcante ver aquelas construções, lado a lado, coloridas, pequenas. Foi o início de seu interesse pelo tema”, diz.
O que vemos na sequência da exposição são as pinturas das construções, mais evidentes a partir do final da década de 1960. E com infinitas possibilidades de tratamento: há quadros com linhas mais soltas, outros, como Paisagem Urbana (1994), trazem traços pretos pronunciados, que marcam bem as formas.
Num trabalho ao lado, do ano anterior, o azul remete a uma paisagem noturna. “Ele dizia que, a cada quadro que concluía, surgia uma ideia de fazer de outra forma. É quase uma superação do trabalho. Quanto mais se trabalha num tema, mais ideias surgem”, diz Lenora.
Em seu trabalho final, Última Favela (2013), há uma surpresa: Domicio destacou cores não usuais em seu trabalho, como um amarelo e um verde vivos. “Ele já fazia muito esforço para pintar, e me surpreendeu essas cores bem diferentes”, diz Lenora.
Domicio foi um artista de produção intensa, apesar de ter trabalhado por anos como produtor cultural.
A ocupação, entretanto, foi o que permitiu fazer o que quisesse na arte.
Dificilmente elaborava encomendas ou entregava algo que o público ou mercado pedisse.
“O que acontece com artistas que precisam viver da arte é que, de repente, a pessoa precisa fazer o que é esperado, o que pode deturpar um pouco a trajetória do artista. Ele teve a felicidade e a liberdade de fazer o que queria, mesmo que não fosse tão compreendido”, diz Lenora.
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