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Opinião

Faltam amadurecimento e afeto

Luciana Romagnolli, repórter do Caderno G

Mário Bortolotto, ou seu alter ego em Música para Ninar Dinossauros – a peça que estreou quinta-feira (18), no Sesc da Esquina – é um cinquentão que não elabora direito os próprios pensamentos. Sua fala é reticente e desatenta do que se passa ao seu redor. Uma situação sintomática da crise existencial em que caiu é a tentativa (constantemente interrompida) de contar o sonho que teve com uma mulher, enquanto outra, a prostituta que lhe cerca de toques, não consegue fazê-lo lembrar-se de ter recebido sexo oral na noite anterior. A mulher do sonho fez algo que o marcou mais: um afago.

É afeto o que falta. O que sempre faltou. Desde os anos de juventude, quando os mesmos três amigos se ocupavam igualmente de prostitutas no mesmíssimo sofá, objeto símbólico da inação e da apatia, em um plano passado e outro presente que em algum momento coincidirão para a constatação clara, reiterada, de que não souberam o que fazer de suas vidas. E o tempo não lhes trouxe amadurecimento.

O público que esperou 2h42 minutos pelo espetáculo – atrasado por problemas técnicos com a luz, segundo a produção – aplaudiu acaloradamente. Em parte, pela empatia com a obra e seu universo desencaixado e arrependido. Muito, pela empatia com o autor. GGG

Entrevista com Mário Bortolotto, ator e dramaturgo

Foi com "um dedo só, catando milho e com uma dor violenta e constante nas costas" que Mário Bortolotto terminou de escrever o texto de Música para Ninar Dinossauros, peça que estreou nacionalmente na última quinta-feira, no Festival de Curitiba, e que tem última apresentação marcada para hoje, às 21 horas, no Sesc da Esquina. A montagem estava em gestação quando o dramaturgo paranaense foi ferido por tiros durante uma tentativa de assalto na Praça Roosevelt, em São Paulo, no dia 5 de dezembro.

Por e-mail, Bortolotto conversou com a reportagem da Gazeta do Povo. Para ele, as pessoas se juntam simplesmente porque têm medo da solidão.

Em entrevista à revista Bravo!, você afirmou que "o espetáculo foi totalmente gestado num momento de renascimento e dor quase constante". Quanto da peça envolve a sua história recente (o incidente) e, se envolver, de que forma ele é abordado?

Na verdade a peça não tem nada a ver com o incidente. Pelo menos não diretamente. Tem, sim, um tipo de melancolia brutal que tem a ver com o estado em que eu estava. Um jeito ainda mais descrente de olhar o mundo, mas a poesia sobrevive. Mesmo quando paramos de acreditar, a poesia continua lá, então a gente se permite continuar escrevendo.

Foi difícil deixá-la pronta, exatamente como você queria, devido ao incidente?

Foi por limitações físicas. Foi muito difícil escrever com um dedo só, catando milho e com uma dor violenta e constante nas costas.

A história é sobre três amigos que não conseguem manter relações convencionais com mulheres. Essa abordagem foi fruto de algum tipo de percepção? Você realmente pensa que estes tipos de relacionamentos ditos "convencionais" estão minguando? Por quê?

Eu, pelo menos, estou acreditando cada dia menos. Acho que as pessoas se juntam porque têm medo da solidão, de acordar no meio da noite e não ver ninguém do lado. Não vejo nada demais o fato das pessoas agirem assim, todos nós temos nossas muletas de sobrevivência. Mas eu gosto muito de solidão, e quando estou cansado dela, sei onde encontrar companhia. Mas o fato é que de um jeito ou de outro, nós dependemos das mu­­lheres pra continuar arrastando nossa velha carcaça bêbada por aí. Somos dependentes crônicos da presença delas. Mas a verdade é que não precisamos o tempo todo. E nem elas precisam de nós.

Você mudou sua forma de trabalhar depois do ocorrido? De que forma?

Eu trabalho ainda mais, mas muito mais devagar por causa das limitações físicas. Um texto em que eu levava dez minutos para escrever, hoje estou levando uma hora.

Qual a motivação que você teve para convidar o Lourenço Mutarelli para participar da peça? Como ele está se saindo nos ensaios e o que a obra ganha com sua presença?

A motivação principal é que ele é meu amigo, e só trabalho com amigos. Além disso, é um ótimo ator. Pra mim, é uma grande honra contar com ele no elenco.

Como é voltar a ter uma obra sua encenada em Curitiba? Você sente saudades da cidade, do público, dos teatros?

Ah, é muito bacana. Morei por um ano em Curitiba. Tenho muitos amigos aqui. Gosto muito de vir tocar rock’n roll aqui também. Espero que a gente consiga lançar em breve o nosso CD por aqui.

Qual sua visão sobre o Festival de Curitiba em termos de im­­portância, programação e audiência?

É um festival de grande visibilidade. Uma ótima plataforma de lançamentos de espetáculos. Tô gostando muito da ideia de estrear a peça aqui. Espero que o festival nos dê sorte.

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