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Rubens Corrêa em cena de Artaud | Fotos: Divulgação
Rubens Corrêa em cena de Artaud| Foto: Fotos: Divulgação

Teatro do mundo em mostras brasileiras

O desejo de colocar os espectadores em sintonia com procedimentos da cena contemporânea é, com certeza, um dos principais objetivos dos festivais de teatro mais representativos do Brasil.

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Porto Alegre é o grande festival internacional

Ainda palmilhando as regiões Sul e Sudeste, o Porto Alegre em Cena, conduzido pelo diretor Luciano Alabarse na maior parte das 17 edições, despontou como um grande festival internacional.

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"O vazio é lotado de possibilidades"

Bia Lessa interrompeu uma visita ao Teatro Positivo, feita no fim de fevereiro, para falar com a reportagem da Gazeta do Povo sobre o espetáculo Formas Breves, com a qual se reaproxima da arte teatral depois de cinco anos de uma espera. Ao contrário da alardeada por seu contemporâneo de geração Geral Thomas, de­­sistindo dos palcos, sua motivação não era ideológica.

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"As pessoas se juntam porque têm medo da solidão"

Foi com "um dedo só, catando milho e com uma dor violenta e constante nas costas" que Mário Bortolotto terminou de escrever o texto de Música para Ninar Dinossauros, peça que estreou nacionalmente na última quinta-feira, no Festival de Curitiba, e que tem última apresentação marcada para hoje, às 21 horas, no Sesc da Esquina.

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Edição de 2000 foi propulsora até na tevê e no cinema

Não é difícil verificar exemplos de como a memória do Festival de Teatro de Curitiba é espraiada pela cultura brasileira. To­­mamos a edição de 2000, a nona e última do século 20.

Na Mostra Oficial daquele ano, A Máquina pariu Lázaro Ramos, Vladimir Brichta e Wagner Moura, entre outros, artistas dirigidos por João Falcão e, dez anos depois, donos de carreiras tomadas pela agenda da televisão e do cinema, com raras visitas ao teatro.

A equipe da curitibana Sutil Companhia de Teatro já contava sete anos de trabalhos conjuntos, seis espetáculos, quando foi "revelada" a outros cantos do Brasil com a passagem de A Vida É Cheia de Som e Fúriapelo Fringe. Guilherme Weber, ator, e Felipe Hirsch, diretor, também expandiram suas atuações para o audiovisual e a telenovela, mas não descarrilam do teatro.

Ainda no mítico 2000, apresentando-se num Canal da Música para três ou quatro gatos pingados, a Companhia São Jorge de Variedades levou seu segundo espetáculo em sessões à meia-noite. Georgette Fadel, diretora e atriz, evocava Qorpo Santos e já dava pistas do estado de alteridade em interpretações marcantes de Medéia e Rainha Elizabeth, como assistimos anos depois.

Mas uma imagem irremovível é a de Rubens Corrêa em Artaud, no Teatro Paiol. Era a segunda edição, em 1993, a primeira vez deste autor em Curitiba, hospedado numa pensão vizinha ao edifício de arquitetura circular, um patrimônio tombado que armazenava munição no passado. Sob direção de Ivan Albuquerque – a dupla do lendário Teatro Ipanema, no Rio –, Corrêa encarnava o delírio no limite do transe em que os espectadores éramos mergulhados.

Recordar, no caso das imagens enraizadas pela arte do teatro, é verbo que nos parece mover a viver em dobro. (VS)

  • O Paraíso Perdido, encenada na Catedral de Curitiba: marco do festival

Olhar a história do Festival de Teatro de Curitiba é uma boa experiência para medir o termômetro da cultura de teatro no Brasil. A curva de 19 edições em 18 anos ajuda a perceber as transformações geradas nas últimas duas décadas por quem cria, produz e frui essa arte presencial milenar.

Curiosamente, o mais prestigioso e midiático festival nacional traz em sua gênese uma razão jurídica auspiciosa, a produtora Arte de Fato, que depois virou a FTC e, finalmente, a Calvin, esta até hoje na boca de cena. A empresa era capitaneada por jovens bravos empresários, majoritariamente da comunidade judaica. Eles tinham 20 e poucos anos, nada entendiam de teatro na vida e, mesmo assim, mobilizaram-se para plantar entretenimento ao vivo onde "não havia nada" – expressão em voga na capital paranaense naqueles anos pós-leminskianos de "não fosse isso e era menos/ não fosse tanto e era quase".

Pode-se aferir nas primeiras edições um pendor para a figura central do encenador. Isso reflete o que foi a década de 1980, com o fim da ditadura militar, certa dispersão no chamado teatro de protesto – afinal, havia um inimigo declarado –, brecha para o desbunde e o besteirol à moda do carioca Asdrúbal Trouxe o Trombone e cenário propício à ascensão do condutor da cena. E lá estavam eles na primeira edição, em 1992: Antunes Filho, Zé Celso (Martinez Corrêa), Gerald Thomas, Gabriel Villela e Moacyr Góes, para citar alguns dos nomes que catalisaram os outonos curitibanos desde então, cada um sob sua lente de montagem, revezando-se nos anos posteriores com demais protagonistas do lado de cá do tablado, vide Antônio Abujamra, Luiz Arthur Nunes, Ulysses Cruz, Amir Haddad, Wolf Maia, etc.

Gradativamente, os grupos acercaram-se mais do festival, respaldados por curadorias mais dispostas ao experimento e ao risco. Os conjuntos teatrais como que rompiam com a timidez formal diante dos diretores dominantes em suas assinaturas demasiado autorais – tempos do "teatro de ator" ou do "teatro da imagem", como se ouvia na voz dos próprios encenadores.

A rigor, recapitulando, 1992 é ano divisor para o que mais tarde convencionou-se chamar Teatro de Grupo – uma contradição, porque arte fundada em sua dimensão coletiva, provam os solos inesquecíveis. Foi naquele ano, quando Curitiba atraia para si o eixo Rio-São Paulo com estreias que abriam a temporada teatral nessas praças, foi naquele ano que o Galpão trombeteou para além das montanhas de Belo Horizonte o fenômeno Romeu e Julieta, de Gabriel Villela.

Foi em 1992 que o Teatro da Vertigem veio à luz e ocupou uma igreja do centro velho de São Paulo, como o faria em 1993 na Catedral Metropolitana de Curitiba, com o mesmo e seminal O Paraíso Perdido, espetáculo para espaço não convencional criado em colaboração com a dramaturgia de Sérgio de Carvalho (mais tarde fundador da Companhia do Latão) e direção de Antônio Araújo. A Companhia dos Atores, dirigida por Enrique Diaz, já dizia a que veio em seu primeiro trabalho, A Bao A Qu, escalado na primeira edição.

Também estavam presentes no ano zero do festival a Intrépida Trupe e o Ornitorrinco, que assumem tom mais espetacular em suas releituras para as linguagens do circo. O Ornitorrinco, Cacá Rosset à frente, tinha recém-chegado de bem-sucedida turnê no exterior e foi oportunamente eleito para abrir o evento e inaugurar o seu palco símbolo, a Ópera de Arame, para bem (porque engolfado pela natureza) e para mal (a começar pela acústica que costuma conspirar contra os espetáculos). O espaço foi construído a toque de caixa na Pedreira Paulo Leminski – ou melhor, a toque do desenho esboçado num guardanapo por um prefeito (e, depois, governador) arquiteto, como detalha o livro Palco Iluminado – 10 anos de História do Festival de Teatro de Curitiba, de Geraldo Peçanha de Almeida, editado em 2005.

E, na sétima edição, o festival não descansou... Caçula entre os rapazes que idealizaram o evento, Leandro Knopfholz trouxe para o então diretor geral, Victor Aronis, a ideia de capturar um pouco do espírito da mostra off do Festival de Edimburgo, na Escócia. E, em 2008, Curitiba introduziu na cena brasileira a palavra franja em inglês, Fringe. As cerca de 30 peças que vieram disputar espaço com a Mostra Contemporânea, em condições desfavoráveis – sem cachê, pagando taxa de inscrição, transporte, hospedagem e alimentação -=, multiplicaram atualmente pelo menos 12 vezes.

Território ocupado por outros jeitos e sotaques de fazer teatro, o Fringe finalmente sintonizou o festival com aquilo que a história do mundo nos ensina esperar desse formato: uma celebração pública. Finalmente, o evento abandonava seu porto seguro, sua formalidade. A partir do Fringe, as ruas de Curitiba foram tomadas por artistas e público durante todos os dias e noites do festival. Havia vida além do ar condicionado das vans e lobbys de hotel. Cartazes ocuparam os tapumes, os postes, as paredes dos estabelecimentos comerciais, das casas de cultura. O ato da filipetar virou esquete. Uma atmosfera que tem a ver com a construção de uma identidade mais sustentável do que aquela forjada como um produto, para lembrar algumas campanhas publicitárias de gosto e tema bastante duvidosos em sucessivas edições.

Essa apropriação do espaço público por meio de um festival remete a Avignon, a cidade medieval do sul da França que abriga um ousado e popular encontro internacional há mais de 60 anos.

As palavras de Roland Barthes, um espectador contumaz na festa de Avignon idealizada por Jean Vilar, um defensor incondicional da dimensão pública do teatro: "O que Avignon deu a Vilar não foi um lugar privilegiado, um sítio prestigioso, transpirando de espiritualidade. Felizmente não: foi um lugar simples, frio, natural, disponível a ponto de o homem poder enfim instalar ali o trabalho do homem e o surgimento do espetáculo fora de uma matéria sem voz e sem cumplicidade. Esse lugar exigia que o homem fosse tratado não como uma criança retardada para quem mastigam a comida, mas como um adulto para quem dão o espetáculo a ser feito", escreveu o professor de Semiologia.

A organização do Festival de Teatro de Curitiba resistiu pelo menos uma década para absorver o Fringe de maneira mais orgânica, receosa, talvez, de paternalismo para com as centenas de artistas que deslocam-se de seus estados ou – maioria – articulam-se na própria cidade sede. Com as subcuradorias por espaço na mostra paralela e uma corajosa vontade de assumir mais riscos na mostra oficial, a edição deste ano faz intuir que, finalmente, foi decodificada a mensagem que está no ar há 12 anos: um festival precisa irradiar alma. É dela que deriva arte de fato. Citamos espetáculos que outrora estariam à margem do Festival, literalmente, e se tanto: Escuro, com as companhias Hiato e Simples, e O Ruído Branco da Palavra Noite, com a Companhia Auto-Retrato, projetos que colocam o espectador e o Festival em outra vibração, em outro lugar, ali aonde transitam In On It, Formas Breves, Memória da Cana, Vida...

*Valmir Santos é jornalista, pesquisador do teatro e editor do site recém-lançado www.teatrojornal.com.br

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