Um batalhador, de boné e violão nas costas
Na cabeça de Ivan Graciano, de 64 anos, Nascimento surge como "um rapaz com roupinha de artista e boné na cabeça". Os primeiros contatos do filho de Belarmino e Gabriela com o seresteiro foram nos estúdios do Canal 12 (hoje TV Paranaense), onde era gravado exatamente o programa que levava o nome do casal. O show fez sucesso e foi ao ar nos domingos pela manhã, de 1975 até 1981.
Ele está debaixo de um chapéu branco de tira marrom. O acessório complementa o alinhado terno cinza e a camisa xadrez, aberta em dois botões, que deixa seu gogó mais à vontade. Os sapatos pretos já tinham pouco lustre, mas pudera. Na manhã da última quarta-feira, José do Nascimento veio de Pinhais, região metropolitana de Curitiba. Veio para serestar.
Com 67 anos e aparentando pelo menos 20 a menos, Nascimento tira o violão da caixa depois de mostrar com orgulho dois quadros em que ele é a obra. São outras matérias, uma delas feita em Londrina, em 1977. "É, rapaz. Há alguns janeiros estou na estrada", conta.
Seus pés agora estão firmes no chão. Nascimento sacode o ombro direito, talvez para buscar mais apoio no violão "chinês", e faz um ré menor com três dedos da mão esquerda: dois deles sustentam anéis grossos e brilhantes e estão logo acima de duas fitas vermelhas, que adornam o braço do instrumento. Na mão direita, um dedal amarelo, de plástico, cria estranheza, mas facilita o vaivém do polegar. E aí começa. "Quando eu estiver longe de ti/ ouça essa canção, querida/ que eu cantarei só pra você/ é um pedacinho da minha vida".
A voz, aveludada e precisa, reproduz a música "Pedaço de Minha Vida". A composição de Nascimento foi gravada em 1976 pela dupla Mato Grosso & Mathias e foi responsável pelo primeiro disco de ouro da dupla sertaneja. O fato ainda orgulha o músico paranaense, que resolveu trocar de salões e de instrumentos.
Nascido em Cambará, norte pioneiro do estado, Nascimento foi cabeleireiro até 1957, quando comprou seu primeiro Giannini. Saltou para Jacarezinho, seguiu os passos do pai e começou a tocar em festas. Ficava de olho, esperando a oportunidade de soltar o vozeirão.
A primeira dupla veio com o primo Natalino. Nascimento & Natalino eram sucesso no programa Capitão Sezerlando Silva, que ia ao ar nos domingos, na rádio local. Jacarezinho ficou 392 quilômetros para trás no começo da década de 1970, quando se mudou para Curitiba. Logo encontrou outra primeira voz. Era Leonel Rocha. Os dois fizeram dupla até 1972. A Rádio Curitibana, que funcionava no edifício Asa, lembra bem. Outra parceria altamente produtiva que teve foi com Zeloni: com Nascimento & Zeloni, o bailão ia longe.
Mas foi alguns anos antes, em 1965, que sua vida musical mudou do sertanejo "de raiz", diga-se para a seresta. Na rádio PRB-2, em Curitiba, encontrou um casal que tocava, cantava e, mais do que tudo, se divertia. Eram Nhô Belarmino e Nhá Gabriela, pioneiros da moda seresteira no Paraná. Salvador Graziano (1920-1984) e Júlia Alvez Graziano (1932-1996) fizeram sucesso no rádio, na tevê e em discos gravados conta-se que o primeiro LP foi disputado a tapas no dia em que foi lançado. O casal também apadrinhou Nascimento e o converteu às modas de viola. Juntos, fizeram um show para 30 mil pessoas na Lapa, em 1978.
"Eles eram muito autênticos e carismáticos. O Nhô era demais, muito tranquilo". Nascimento lembra da Belina azul que sofria nas mãos do Nhô. O carro, motor gritando, pedia marcha, mas era ignorado. "A Gabriela tinha que falar Dodô, troca a marcha", lembra Nascimento, sorrindo e realinhando o chapéu.
Em mais de 30 anos de carreira, Nascimento gravou 7 LPs, 3 LPs mistos e 3 CDs só, em companhia de Belarmino e Gabriela, ou com parceiros. Já teve seu nome no catálogo das gravadoras Begê, RGE e Polygram e emplacou duas músicas no filme Os Três Boiadeiros (1978). Agora, saiu-se com mais um disco, Nascimento Interpreta Serestas.
"A seresta está no sangue. E está dando certo. Tenho viajado bastante", conta o músico, que voltou de Brasília há um mês e segue para São Paulo em alguns dias.
O disco tem 14 faixas e demorou dois anos para ser produzido. Traz algumas das pérolas do gênero, como "Sentimental Demais" (Jair Amorim e Osvaldo Gouveia), "As Pastorinhas" (Noel Rosa e João de Barro), "Chão de Estrelas" (Sílvio Caldas e Orestes Barbosa) e "A Volta do Boêmio" (Adelino Moreira), música que entoou com satisfação antes de revelar que nunca pôs um cigarro na boca e que não abusa da "cervejinha". A última faixa, "Cantar do Sabiá", é de composição sua com Bruno Cezar, o neto de 17 anos. "Mas aí já é samba", diz.
Nascimento reconhece que é um dos últimos. Francisco Petrônio, o "Rei dos Bailes", faleceu há dois anos, contribuindo para o silêncio que paira debaixo das janelas.
"Minha linha é a do boêmio saudosista. Lá no interior, me perguntavam como fazia para conquistar tal mulher. Eu dizia é só tocar uma serenata, então era contratado para fazer isso". E Nascimento nunca levou um balde dágua na cabeça. Agora, nada de janelas, apesar de dormir com um gravador na cabeceira da cama é porque a inspiração às vezes o acorda. Nascimento já cansou de pular às 3 da manhã para escrever música em guardanapos ou no que seja. "É dom divino."