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| Foto: Albari Rosa/Gazeta do Povo

O esvaziamento dos espaços públicos teve, e ainda tem, um papel importante na construção de uma legião de frequentadores de shopping centers e outros espaços privados de entretenimento. É o que o professor e pesquisador Ricardo Teixeira Freitas, da Faculdade de Comunicação Social da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), chama de "privatização do lazer". Doutor em Sociologia pela Universidade de Paris, com uma tese sobre shopping centers, Freitas defende que a busca por consumo e lazer de forma "segura e protegida" contribuiu para fazer dos shoppings centers um dos ícones da sociedade de consumo.

Como o senhor vê a ideia dos shoppings como as novas praças das grandes cidades?

Eu lamento, mas acredito que é uma tendência que vem se configurando na sociedade contemporânea, sobretudo a partir da década de 1980. É um fenômeno que se multiplica em vários lugares do mundo. Eu fiz a minha tese de doutorado sobre o assunto no início da década de 90 na França, para ver como a Europa via essa coisa que, aqui na América Latina, estava se reproduzindo de maneira exponencial. O que eu percebi é que a Europa, apesar de ser bem mais resistente a isso, também estava reproduzindo esse modelo de mall que simula uma cidade real – com alamedas, praça de alimentação, lojas, serviços etc. A própria França tem muitos shoppings desses, mas o argumento da segurança não era usado em todos os lugares, como é aqui.

Foi a questão da segurança que gerou essa profusão de shoppings no Brasil?

Na década de 80, as pessoas já diziam que os shoppings eram uma maneira de poder ter consumo e lazer de forma segura e protegida. Mas é algo que vai além disso, senão este modelo não teria dado tão certo em outros lugares. Lamento profundamente isso porque acredito nas cidades. Eu acho que a gente tem que lutar pelos espaços públicos, pela verdadeira cidade aberta, que está nas ruas, avenidas, calçadas etc. Mas, para muita gente, esse tipo de construção é agradável e resolve problemas do cotidiano.

E que outras coisas levam as pessoas aos malls?

O fato de concentrar muitas atividades diferentes em um mesmo lugar, por exemplo. A possibilidade de a pessoa poder fazer compra, comer e ir ao cinema no mesmo espaço. Outro argumento muito presente é a questão de ter estacionamento. No início da década de 80, a Abrasce (entidade que representa o setor) tinha como condição para que o empreendimento fosse considerado um shopping center que houvesse estacionamento amplo e gratuito. O gratuito caiu, anos depois, porque nenhum estacionamento era suficientemente amplo para dar conta da população que os shoppings estavam recebendo. Mas o estacionamento continua sendo um argumento forte.

O senhor fala em seus trabalho da "consumoterapia". Como os shoppings retratam o padrão de consumo atual?

Um modelo é justamente esse de juntar muitas coisas em um mesmo ambiente e viver a fantasia de que está fazendo daquele momento um momento prático porque conseguiu resolver coisas diferentes em um mesmo lugar. Mas, nessa situação, muitas vezes a pessoa perde um pouco o senso crítico e não percebe que está consumindo muito mais do que deveria pelo fato de estar em um ambiente que é somente de consumo. Aliás, no que ela entra, já está consumindo – ela está pagando o estacionamento, vai tomar uma água etc. Por mais que não compre nenhum bem ou vá ao cinema, ela vai fazer consumo de outras ordens. Existe ainda essa questão forte, especialmente nos últimos 20 anos, do fenômeno do consumo exacerbado. As pessoas tentam compensar outras lacunas da vida, vazios de outra natureza, pelo consumo. A pessoa está triste, cansada, chateada, e transforma o consumo em terapia. E existe um risco enorme disso virar uma patologia, um problema na vida da pessoa.

O lazer também está cada vez mais ligado ao consumo...

É a privatização do consumo. Na verdade, você está privatizando não só porque está levando para o espaço fechado, mas sobretudo porque você está deixando cada vez mais os espaços públicos da cidade onde também poderia haver lazer, como praças e bosques. A praia é a exceção no Brasil, porque as pessoas não deixaram de ir. Mas elas estão buscando cada vez mais os espaços privados de lazer. Ou seja, é a privatização no sentido do espaço privado e do pagar por eles. Os shoppings começaram a colocar dentro deles cada vez mais opções de lazer – muitas que, a princípio, são mais naturais se estiverem na cidade aberta.

O senhor acredita que este "culto" ao shopping center contribui para um declínio dos espaços públicos?

É uma questão dialética. Porque as cidades no Brasil vêm enfrentando um problema sério de conservação e não oferecem qualidade de vida há algum tempo. Então, as pessoas começaram a procurar espaços fechados. E isso só piora a questão. Se o cidadão deixa o espaço público, é claro que o poder público vai ter menos interesse ainda de resolver os problemas desse espaço. Uma questão importante que aparece hoje para os prefeitos é justamente a de transformar a cidade em um local interessante, nos quais as pessoas se sintam felizes e seguras – não só no sentido de não ser assaltada, mas também de que não vai ter um buraco ou um bueiro vazando.

É um caminho com volta?

Eu acredito muito nisso. Aliás, eu tenho esperança que as cidades voltem a ter seus espaços públicos e que as pessoas, efetivamente, os ocupem. (CS)

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