Foi o crítico Manuel da Costa Pinto, em artigo de 2005 para a extinta revista especializada Entrelivros, quem lançou o desafio: "como assumir o risco de julgar os elementos de permanência de uma obra do presente sem cair num exercício inócuo de futurologia?"

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O crítico arriscava nomear o que ele mesmo batizou de "cânone futuro" – ou seja, os autores dos quais, pelo conjunto da obra até aqui, pode-se dizer com alguma certeza que permanecerão. Chegou a cinco nomes: Cristovão Tezza, Milton Hatoum, Bernardo Carvalho, Chico Buarque e João Gilberto Noll. Como principal contista brasileiro em atividade, pode-se acrescentar à lista o carioca Sérgio Sant’Anna.

Aí estariam os nossos "clássicos" em plena forma, escrevendo hoje como ninguém. A seleção não varia muito de uma fonte crítica a outra: basta consultar as recentes coletâneas Contemporâneos e Alguma Prosa para encontrar ensaios ou ao menos breves análises sobre todos eles.

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Tezza responde pelo comovente O Filho Eterno (Record) – um romance, sim, mas "brutalmente autobiográfico", nas palavras do autor, pois ficcionaliza sua própria experiência como pai de um menino com Síndrome de Down. Já Milton Hatoum criou um universo singular em que, sem nunca parecer exótico ou regionalista, conta e reconta a história – quase uma fábula do Oriente – dos imigrantes libaneses (de quem de fato descende) na metrópole amazônica, Manaus. Como pano de fundo, em romances como Dois Irmãos (Cia. das Letras) e Cinzas do Norte (idem), o regime militar.

Bernardo Carvalho, carioca radicado em São Paulo, é dos cinco "canônicos" o mais bem-sucedido em tramar com o fato e a ficção, especialmente em livros como Nove Noites e Mongólia (ambos pela Cia. das Letras).

Universo ficcional bem distinto é o do gaúcho João Gilberto Noll, marcado por personagens errantes construídos quase sempre sobre prosa poética. É certamente o caso de livros recentes como a novela Lorde (Francis) ou os contos da coletânea A Máquina de Ser (Nova Fronteira), mas sua linguagem pode ser mais objetiva, quase à maneira do thriller de suspense no romance Hotel Atlântico, de 1989, relançado em 2004 pela Francis.

Finalmente, Chico Buarque é outro a investigar a fundo o domínio da identidade, uma reflexão ficcional mesclada, em Budapeste (Cia. das Letras), ao tema da linguagem com que se debate o protagonista – um ghost writer – em constante trânsito entre o nosso português e o húngaro. Porém, Manuel da Costa Pinto repara, sobre o Chico romancista, que "é impossível dizer se sua obra literária sobreviverá à popularidade do compositor de MPB, ou se é esta que garante seu sucesso de público como escritor".

Para boa parte da crítica, ao avaliar a produção atual, falar em "cânone" – mesmo que "futuro" – faz todo sentido, pois não haveria sinais de inovação radical. A propósito de dois lançamentos quase simultâneos, em 2006, de Daniel Galera e André Sant’Anna, e ainda da coletânea Contos de Pedro (Cia. das Letras), de Rubens Figueiredo, o crítico José Castello delineou um balanço próprio da prosa brasileira neste século. Considerou-os "maduros", mas viu neles "a imagem de um futuro conservador". "Dão a impressão, incômoda, de que se pautam mais pela idéia de não falhar do que pela idéia de avançar".

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Será essa a tônica da atual "geração"? Para Stefania Chiarelli, a leva de ficcionistas brasileiros que parte da chamada "Geração 90" – um coletivo de autores de estilos variados, mas que parecia almejar a uma mesma estética hiper-realista em temas como a violência urbana e a vida na favela, cujo ápice se dá com Cidade de Deus, de Paulo Lins – e chega à turma dos blogs usufrui de "gama variada de possibilidades". "Mas, como afirma o crítico italiano Omar Calabrese, ‘a qualquer um agrada o clássico’, e o leitor sempre se sentirá mais confortável ao encontrar um modelo mais tradicional de narrativa."

Manuel da Costa Pinto, em artigo mais recente no jornal Folha de S. Paulo, constata que "a idéia de ‘geração’ ficou indelevelmente marcada, gerando movimento contrário: a negação radical, pelos novos escritores, de quaisquer afinidades eletivas, seja entre seus pares, seja em relação a hipotéticos precursores". Em termos estéticos, porém, segundo o mesmo crítico, as referências de nomes como os de João Paulo Cuenca, Carola Saavedra, Santiago Nazarian, Ana Paulo Maia ou Cecília Giannetti parecem ser mais do que contemporâneas: "O recurso ao universo pop, à mescla de elementos da alta cultura com ícones da comunicação de massa, talvez seja a forma que esses novos escritores encontraram para apagar as marcas de uma literatura sempre convocada a refletir sobre a realidade na qual está imersa".

Em suma: "Sai de cena a última geração que tentou dar resposta ficcional ao imperativo da emancipação política; entra no palco uma anti-geração, às voltas com conflitos subjetivos cujo espaço é fluido – e que corresponde à nossa massacrante irrealidade", ainda na opinião de Costa Pinto.

Os enredos pautados pela violência "real" parecem afinal sobreviver apenas numa nova – e talvez sem precedentes – onda de romances policiais à brasileira, de autores como Tony Bellotto, Joaquim Nogueira e, principalmente, Luiz Alfredo Garcia-Roza. Mesmo que em pequena escala, é outra boa e inesperada novidade para quem busca conhecer a nova cara da literatura nacional – nesse caso, como bem sabem os fãs de histórias de detetives, em sua vertente "diversão garantida".

Christian Schwartz, jornalista e mestre em Estudos Literários pela Universidade Federal do Paraná

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