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Cao Hamburger, cujo filme retrata os anos de repressão política no Brasil, é o mais recente diretor de cinema a descrever, através dos olhos de uma criança, a brutalidade das ditaduras militares na América do Sul.

"O ano em que meus pais saíram de férias", longa de Hamburguer, participa da competição principal do festival de Berlim deste ano e teve exibição esta sexta-feira. O filme conta a história de um menino de 12 anos deixado pelos pais à porta da casa do avô enquanto tentam escapar da polícia e do perigo de serem exilados, torturados ou até mortos durante o regime militar no Brasil.

A última vez que o país teve um representante na mostra competitiva do festival foi em 1998, com "Central do Brasil", de Walter Salles, que ganhou o Urso de Ouro de melhor filme e melhor atriz, para Fernanda Montenegro.

O menino recebe ordens de dizer a qualquer interessado que sua mãe e seu pai saíram de "férias", um eufemismo para o fato de estarem se escondendo do regime militar.

A história do filme desenrola-se em 1970, durante a ditadura militar no Brasil, e usa como pano de fundo a campanha vitoriosa da seleção brasileira na Copa do Mundo daquele ano.

A produção aparece depois dos filmes "Machuca'', sobre como dois garotos têm suas vidas mudadas pelo golpe militar liderado por Augusto Pinochet no Chile, em 1973, e "Kamchatka,'' sobre um menino que vê os efeitos da ditadura Argentina sobre sua família, nos anos 70.

- Todos foram feitos mais ou menos na mesma época. E, sem termos planejado isso, vemos o surgimento de um tipo de trilogia - afirmou Hamburger a repórteres na sexta-feira. - Acho que nós (os diretores) sentimos a necessidade de falar sobre esse período em nossos países. E todos nós escolhemos fazê-lo por meio dos olhos de uma criança.

- Sempre acreditei ser bom que as pessoas não se esqueçam do que aconteceu de errado no passado, garantindo assim que as coisas não se repitam - acrescentou.

Nos últimos anos, o cinema da América do Sul retratou de forma crua e detalhada as realidades duras da vida nessa região, com filmes como o aclamado "Cidade de Deus'', que se passa em uma violenta favela do Rio de Janeiro, e "Carandiru'', sobre o massacre ocorrido em uma prisão de São Paulo.

No festival de filmes de Cannes, no ano passado, a produção ''Buenos Aires 1977'', do diretor uruguaio Israel Adrian Caetano, contou a história real de quatro homens que tentaram escapar de um local onde eram torturados por forças especiais envolvidas na repressão a militantes de esquerda.

PELÉ, REPRESSÃO POLÍTICA

Segundo Hamburger, "O ano em que meus pais saíram de férias" não era para ser apenas mais um filme político. Isso porque abordava temas universais como a comunicação entre gerações, a amizade entre crianças e a possibilidade de haver tolerância entre diferentes culturas e religiões.

Mauro, o garoto em torno do qual gira a narrativa, é adotado por um judeu do bairro do Bom Retiro, em São Paulo, depois de o avô dele morrer, e fica amigo de um grupo de jovens dessa área.

Os italianos, brasileiros e judeus unem-se por meio do futebol, juntando-se ao redor de aparelhos de TV para acompanhar o desempenho de Pelé e de seus companheiros de equipe na Copa do Mundo disputada no México.

- O futebol pode ser classificado como o ópio do povo -disse Hamburger. - No Brasil, o futebol é mais forte que o governo. O futebol é uma paixão compartilhada por todo mundo.

Apesar da alegria com as vitórias brasileiras, o garoto fica horas olhando para o telefone, na esperança de que seus pais liguem avisando que estão vindo buscá-lo.

A viagem de Hamburger a Berlim tem um gosto especial para o diretor, cujo pai era um judeu alemão nascido na cidade.

Segundo Hamburger, depois da queda do Muro de Berlim, em 1989, a família dele recebeu uma carta do governo alemão afirmando que as terras tiradas dela pelos nazistas e depois apropriadas pelos comunistas lhe seriam devolvidas.

- Eu ainda não vi o terreno pessoalmente, mas acho que vou conseguir fazer isso enquanto estiver aqui - afirmou.

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